Sarajevo: nem perdão nem reconciliação

Sarajevo: nem perdão nem reconciliação
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O dia 6 de abril marca o aniversário do início da guerra da Bósnia com o cerco de Sarajevo, o mais prolongado na história das guerras modernas e o trágico símbolo dos conflitos que se desencadearam depois da desintegração da antiga Jugoslávia.

Numa das pontes da capital da Bósnia Herzegovina, uma placa presta homenagem à primeira vítima de um dos muitos “sniper’s”, atiradores furtivos, que assassinaram civis durante a guerra.

Nos três anos e meio que se seguiram, as forças sérvias, apoiadas pela artilharia do exército jugoslavo, massacraram a cidade.

Sarajevo ficou isolada do mundo e os habitantes converteram-se em alvos perfeitos para os franco atiradores de Belgrado, que chegavam a ir passar o fim de semana a Sarajevo para matar civis e jornalistas, pelos quais o exército pagava prémios. Tal como antes o tinham feito em Zagreb, na Croácia.

A passividade internacional durante o cerco ainda é um tema controverso.

Em 1995, os Acordos de Dayton puseram fim à guerra. Mas não conseguiram acabar com as divisões étnicas neste país balcânico de 4 milhões de habitantes.

Atualmente, a Bósnia está dividida em duas entidades diferentes: a Federação Croata e Muçulmana e a república Sérvia.

Também Sarajevo está dividida. A parte leste da cidade pertence à República Sérvia

O antigo primeiro ministro, agora presidente, Milorad Dodik, considerado durante muito tempo moderado, foi muito criticado por convocar um referendo sobre a independência e por se negar a reconhecer o genocídio de Srebrenica, onde foram mortos 8 mil muçulmanos.

Os líderes muçulmanos também não escapam às críticas.

Atualmente, 80% da cidade de Sarajevo é muçulmana, e o líder religioso da comunidade é criticado por não fazer o suficiente em prol da reconciliação. Uma acusação que Mustafá Ceric recusa categoricamente.

“- Depois dos Acordos de Dayton, avançámos em termos de reconstrução mais do que nenhuma outra região do mundo. Mas assim que conseguimos dar um passo em frente, outras forças vêm e empurram-nos, de novo, para atrás.
E então temos que voltar a explicar todas as questões que já explicávamos antes do genocídio, em 1992 e 1993. Como se pode perdoar alguém que não pede perdão pelas atrocidades que fez no passado?”

20 anos depois do cerco de Sarajevo, o perdão e a reconciliação ainda são uma miragem.

Refik Hodzic, bósnio a viver em Nova Iorque, confirma isto mesmo. É realizador de filmes, jornalista e diretor de comunicações no Centro Internacional de Justiça. Trabalhou, durante anos, para os tribunais nacionais e internacionais que julgaram crimes de guerra.

euronews – O senhor tem sido um crítico do chefe da comunidade muçulmana da Bósnia Herzegovina, porquê?

Refik Hodzic – Na Bósnia atual há uma grande necessidade de fazer um ajuste de contas completo e honesto com o passado. Todas as comunidades devem sanar as feridas causadas pelo enorme sofrimento que vivemos há 20 anos.
Mustafa Ceric e Milorad Dodik são os dois principais líderes na Bósnia Herzegovina, e ambos, por serem as pessoas mais influentes do país têm a responsabilidade de trabalhar e conseguir essa catarse das comunidades na Bósnia. Mas têm tido as agendas mais focadas no aumento das divisões com a incitação ao medo e ao ódio em relação aos outros.

euronews – Mas quem os pode pressionar para mudarem de atitude? A comunidade internacional ou a própria população bósnia? Porque continua tudo na mesma?

R.H. – Infelizmente, a comunidade internacional parece fazer jogo duplo ao permitir que pessoas como Milorad Dokik ou Mustafa Ceric utilizem a mesma retórica de divisão, de ódio, quando ao mesmo tempo está a facilitar o caminho da Bósnia para a União Europeia. E acho que é essa a responsabilidade da comunidade internacional: reforçar valores que são naturais na União Europeia.
Por exemplo, Angela Merkel não podia negar o holocausto como Milorad Dodik negou o genocídio de Srebrenica, e toda a comunidade internacional faz de surda.

euronews - Critica os líderes políticos e religiosos, mas também a comunidade internacional. E quanto aos bósnios? Será que têm uma quota parte de responsabilidade na frustrada reconciliação?

Refik Hodzic – Tenho de dizer que os bósnios não simbolizam o diabo.
Não somos pessoas incapazes de perdoar ou sentir compaixão pelo próximo.
A minha cidade natal viveu cenas de violência horríveis, testemunhou campos de concentração, mortes…mais de três mil assassinatos, e hoje volta a ter casais mistos, as pessoas fazem de novo amigos independentemente da etnia, apesar da atmosfera deplorável imposta por líderes como Milorad Dodik e Mustafa Ceric.

euronews – Só passaram 20 anos desde o cerco de Sarajevo e a guerra de Bósnia. Não acha que as feridas estão demasiado frescas para falar de reconciliação?

Refik Hodzic - Nunca é demasiado cedo. Ontem já era um bom momento para fazer o balanço.
Agora precisamos de um debate honesto, aberto, compassivo, sobre o que nos sucedeu, caso contrário, a nova geração vai crescer com as histórias de divisão, de ódio, histórias muito diferentes sobre o que sucedeu.
E não teremos muito a esperar da nova geração.

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