As mulheres da região de Kivu, na República Democrática do Congo, sabem o que significa usar a violação como arma de guerra.
Masika sobreviveu e ajuda outras mulheres a ultrapassarem as atrocidades que continuam a ter que suportar.
“Aqui há muita mandioca. Uma parte podemos vender e outra podemos distribuir às mulheres, para que continuem a viver com as suas crianças”, explica esta mulher que luta pelos direitos de tantas outras.
Foram todas vítimas de violação e foram rejeitadas pelas famílias. Percorreram dezenas de quilómetros, a pé, para encontrar a segurança ao lado de Masika e da sua associação, em Minova, Kivu. Uma região onde grupos armados do Ruanda, Congo, Burundi e Uganda continuam a aterrorizar as populações rurais.
Masika fala de uma dessas mulheres:
“Chama-se Josephine. Está doente, foi violada. O médico diz que ela tem recaídas frequente e que tem de ir para casa. Ela não pode ser curada.”
Masika paga as despesas médicas das mulheres que, como Josephine, contraíram o virús do VIH depois de serem torturadas, violadas…
É para a sua própria casa que Masika leva Josephine, uma mulher que escapou aos seus raptores mas que não tem mais do que alguns dias de vida.
À frente da associação APDUD, Masika resgata e dá abrigo a vítimas rejeitadas por todos. Ela adotou 34 crianças, o resultado de violações ou órfãs de guerra. Uma experiência que não esquece.
“A mãe estava entre os cadáveres numa aldeia, os pássaros já tinham devorado os olhos dela. Encontrei o bebé a mamar no seio morto da mãe”, conta Masika que, há 12 anos, luta para dar um futuro a quem a esperança parece proibida.
Um compromisso que assumiu depois de ter sobrevivido ao impensável. Em 1998, milicianos mataram-lhe o marido, à sua frente, e violaram duas das suas filhas. Fala na primeira pessoa e não esconde a dor:
“Fizeram-me sentar, completamente nua, com duas armas apontadas à cabeça. Quando gritei cortaram-me a cara e o corpo com facas. Tenho cicatrizes por todo o corpo. Um deles perguntou-me se já tinha mascado bazooka. Eu disse que sim, pensei que estava a falar de pastilha elástica. Então ele agarrou no pénis do meu marido, que estava morto, e cortou-o em pedacinhos. Forçaram-me a comer cada pedaço.
O quarto estava cheio de sangue do meu marido. Ordenaram-me que juntasse os pedaços do meu marido e que me deitasse sobre eles. Tive que obedecer. Então começaram a violar-me sobre o que restava do corpo do meu marido.”
Esta é uma parte do pesadelo por que Masika passou. Ela quer que o mundo compreenda aquilo por que passam tantas mulheres na República Democrática do Congo.
Ela ouve histórias como a sua diariamente. Além do apoio moral e material, os membros da associação, tentam reintegrar as vítimas nas suas comunidades.
Eles partem também ao encontro dos grupos armados, para sensibilizá-los. A todo custo como relata Masika:
“No meu trabalho tive de ir às montanhas, onde estão as vítimas. Lá voltei a ser violada. Já aconteceu quatro vezes. Da última vez, tentei envenenar-me, queria morrer.”
Masika recuperou e continua a lutar apesar de, por detrás de uma aparência forte, o seu corpo estar débil. Já foi operada três vezes.
As suas forças, como diz, são limitadas e os fundos começam a escassear.
Apesar disso a sua associação conta já com 200 mulheres.
Masika queixa-se da impunidade que reina no seu país:
“O governo não pune este tipo de agressores. Enquanto ativistas dos direitos humanos, fazemos tudo para levá-los à justiça e pô-los na prisão. Mas conhecemos as leis e os veredictos que podem condená-los a 25 anos, 15 anos de prisão mas, dois dias depois estão livres, a passear. E és tu, o ativista, que és ameaçado.”
Quanto a Joséphine ela tem uma mensagem para passar através de Masika:
“Ela quer transmitir-vos a seguinte mensagem:
Vão lutar, vão dizer ao governo que as outras mulheres continuam no campo. Ela diz que sabe que vai morrer amanhã mas que as outras mulheres têm que continuar a viver.”
O risco para Masika é permanente. Homens armados foram à sua procura. Não a encontraram mas prometeram matá-la porque ela denunciou, publicamente, os seus atos. Apesar disso…
“Já não temo nada, mesmo correndo perigo. Vejo-me como se já estivesse morta há muito tempo. Visito esses homens armados que me dizem que me vão matar. Para sensibilizá-los. Vão matar-me porque luto pelas mulheres e pelos direitos humanos. Tenho que continuar, eles matar-me-ão, mas já não tenho medo de mais nada.”
Na segunda parte desta edição conheça Noella que também luta por justiça para as mulheres do seu país.
For more information contact: apdud.buganga@gmail.com