Leoluca Orlando: "Palermo é nossa, não é da Cosa Nostra"

Leoluca Orlando: "Palermo é nossa, não é da Cosa Nostra"
De  Euronews
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É uma figura histórica na política siciliana. Leoluca Orlando regressou agora ao cargo de presidente da câmara de Palermo, depois de já ter passado por lá nos anos 80 e 90.

Dirigiu a cidade durante os anos mais difíceis, em que a Cosa Nostra fez estragos importantes, com episódios como os assassínios dos juízes Falcone e Borselino.

Ao chegar a este novo mandato, encontrou a capital da Sicília a passar por uma crise profunda e conta com os cidadãos para recomeçar.

Leoluca Orlando:

Estou cheio de energia, quero escrever uma nova página na história da minha cidade. Por isso decidi deixar Roma.

Cecilia Cacciotto, euronews:

Como explica o seu sucesso?

Leoluca Orlando:

A minha candidatura foi interpretada como sendo contra as castas. Acredito sinceramente que nesta altura é mais importante ficar aqui e tentar dar uma resposta à realidade difícil de Palermo, mais do que ficar num posto de privilégio.

Cecilia Cacciotto, euronews:

Nas últimas eleições, os grandes partidos perderam eleitores. O que significa isso para a Itália?

Leoluca Orlando:

Houve uma grande quebra para todos os partidos, não só para os grandes. O meu partido, Itália dos Valores, ficou-se pelos 11%, o Partido Democrático e o PDL, de Berlusconi, tiveram 8% ou 9%. Há uma grande crise nos partidos políticos, que não conseguem compreender as necessidades do povo.

Cecilia Cacciotto, euronews:

Palermo, cidade de esperança e cidade de máfia. Há 20 anos, depois do atentado contra Falcone, começaram conversações entre o governo e a máfia. Acha que continuam?

Leoluca Orlando:

Felizmente essas conversações existem. Antes da primavera de Palermo, logo depois da morte de Falcone, antes do despertar das consciências, não havia conversações, o que havia era uma identificação entre o poder e a máfia. Nesta cadeira atrás de mim estava sentado
Vito Ciancimino. Ele não podia negociar com a máfia, porque era ele a máfia!

Quando, a partir deste edifício, do tribunal e da igreja, Palermo começou a reagir e a resistir, a Cosa Nostra foi obrigada a abrir o diálogo.

Por isso, a existência de conversações, ou tentativa de conversações, entre o Estado e a máfia é a prova de que o Estado está a combater a máfia.

Cecilia Cacciotto, euronews:

Houve uma altura em que o papel do mafioso era legítimo na sociedade siciliana. Hoje já não é assim, mas a máfia e a cultura mafiosa continuam a existir, na Sicília e não só. Do que precisa hoje para lutar contra a máfia?

Leoluca Orlando:

Hoje, lutar contra a menos perigoso, em termos de perigo físico, mas é mais difícil. Hoje, a máfia já não procura controlar o território físico, mas procura um controlo mediático e financeiro.

Se os bancos, os financeiros e os Estados não percebem que até o dinheiro tem cheiro, o que acontece é que se espalha por todas as camadas da sociedade a convicção de que, se até os grandes bancos, os mesmos que me emprestam dinheiro para a casa, podem fazer isto, então eu também posso.

Cecilia Cacciotto, euronews:

Porque é que em Itália um político que está sob investigação por alegadas relações com a máfia não se demite, se no resto da Europa até a suspeita de ter copiado uma tese de doutoramento chega para causar a demissão?

Leoluca Orlando:

Por isso a Itália não está em linha com o resto da Europa. A Itália não é um país completamente civilizado, porque se um político é visto com um mafioso e é acusado disso, a primeira reação dele é dizer que sim, é verdade, mas não vê mal nenhum nisso e acredita na justiça. Que quer dizer com isso, acreditar na justiça? Numa situação dessas, tem que se demitir.

A nossa constituição impõe o respeito da lei, a disciplina e a honra. O que faz falta em Itália é um código ético para os partidos. Tenho vergonha.

Eu apresentei no Parlamento uma proposta de lei para que os deputados condenados por atos graves se demitissem. Mas, sinceramente, será preciso uma lei para isso?

Cecilia Cacciotto, euronews: Em 96, foi investigado por corrupção. Segundo revelações de um arrependido, Tullio Cannella, recebeu dinheiro alegadamente vindo da máfia… Nunca lhe aconteceu ter contactos pessoais com a máfia?

Leoluca Orlando:

Nunca tive relações com mafiosos e, além disso, desde o início da minha atividade política que sempre defendi a distância em relação à máfia.

Em 85, tinha acabado de ser eleito presidente da câmara de Palermo e construír a chamada “ala bunker” do tribunal para acolher o megaprocesso da máfia, além disso constituí-me queixoso, para pedir a condenação dos mafiosos que estavam a ser julgados. A minha história leva os mafiosos a não se aproximarem de mim, o que não quer dizer que não se aproximem dos lugares onde trabalho, incluindo deste mesmo edifício.

Cecilia Cacciotto, euronews:

Já aconteceu?

Leoluca Orlando:

Aconteceu várias vezes, mas sempre resolvemos a questão de uma forma muito simples, cortando os movimentos à máfia. Acabei com todos os contratos que eram suspeitos de estarem ligados à máfia.

Cecilia Cacciotto, euronews;

Palermo, cidade da máfia, cidade de esperança… Que futuro espera?

Leoluca Orlando:

Poder dizer que Palermo é nossa e não da Cosa Nostra. Da minha parte, decidi colocar ao serviço da cidade todos os meus contactos nacionais e internacionais, no mundo da cultura, da política, da economia e da finança, para que Palermo volte a ter visibilidade.

Nestes anos, Palermo tornou-se invisível, até para a máfia. As atividades criminosas não pararam, mas pararam as escolhas importantes que davam visibilidade à cidade. Eu quero que Palermo seja visível pelas grandes coisas, não pela máfia.

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