Juan Ignacio Moreno: "Burlaram-se os clientes para criar ações"

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Os espanhóis apanhados na rede bancária de investimento como poupança estão decididos a lutar para recuperar o seu dinheiro. Em frente da sucursal de antiga caixa de poupanças, “Caja Madrid”, atualmente integrada no Bankia, denunciam uma fraude que afeta principalmente reformados da classe média.

Miguel Ángel Santos, investidor e vítima, conta: “Tínhamos 350 mil euros da família. Disseram-nos que se tratava de um depósito especial, um depósito a prazo, que em cinco anos se amortizava e que nos pagavam 7% com a garantia da Caja Madrid.”

O escândalo das ações preferenciais afeta 402 mil investidores, entre eles, 300 mil clientes do Bankia, que meteram praticamente cinco mil milhões de euros neste produto de alto risco. As vítimas do Banco Nova Galiza e do Banco da Catalunha são 62 mil e 40 mil, respetivamente.

Agustín Calvo tem 59 anos. Investiu 95% das poupanças, mais de 100 mil euros. Cliente de “Caja Madrid” há mais de dez anos, confiou na gerente do balcão quando ela lhe telefonou para casa: “A própria diretora ofereceu as ações em 2009, quando foram emitidas. Nesse altura, tínhamos o dinheiro num depósito a prazo fixo, totalmente seguro, mas ela ligou-nos para casa e ofereceu-nos a possibilidade de tirar o dinheiro desse depósito, sem nenhum tipo de penalização, e colocá-lo nas participações preferenciais, que não vendeu como ações, e que efectivamente devia ser o nome original. O que nos ofereceram foi um depósito a cinco anos que vencia em julho/agosto de 2014. Essa foi a proposta que nos fizeram. Nunca falaram dos riscos do produto, que são enormes. Quando vendem, o que oferecem são recursos próprios, isto é o dinheiro que era nosso, mas no momento em que assinamos as participações preferenciais o dinheiro passa a ser oficialmente do banco, é dinheiro perdido. Esse é o maior embuste em toda esta fraude.”

Tal como as outras vítimas, Agustín culpa Rodrigo Rato, ex-presidente do Bankia. Longe de pôr a salvo as poupanças, a sua gestão afundou-os ainda mais no desespero.

Agustin Calvo acrescenta: “Sinceramente devo de dizer que, no princípio, tinha confiança nele. Tinha sido ministro de Aznar, tinha sido director do FMI, mas aqui portou-se mal. Foi ele que propôs a união de sete ou oito caixas – “Caja Madrid”, “VanCaja” etc- no Bankia. Se ele sabia que não era rentável devia ter dito que não era rentável, porque a saída em carteira das acções foi totalmente nefasta, do meu ponto de vista. No entanto foi premiado com um posto super bem pago na Telefónica”.

Agustin não vai estar na arbitragem proposta pelo governo espanhol, porque a considera uma segunda fraude. Mas vai levar o caso a tribunal para tentar recuperar o dinheiro.

Para aprofundar este assunto, a euronews falou com Juan Ignacio Moreno, advogado que representa os indignados do movimento 15-M, que se organizaram para juntar fundos e denunciar a gestão de antigos dirigentes do Bankia.

Vicenç Batalla, euronews: O Bankia é o banco que tem mais clientes afetados pelos produtos tóxicos em Espanha, mas o escândalo engloba também o Nova Galiza e Banco Catalunha. Considera os ex-dirigentes destas antigas caixas de poupança realmente responsáveis?

Juan Ignacio Moreno, advogado: Sim, total e absolutamente. Foram eles que lançaram um produto que era altamente especulativo e demasiado técnico para os pequenos depositantes. Era algo que deveria ser proposto aos investidores institucionais. Mas eles aproveitaram a rede de agências e a confiança dos principais clientes para transformar os depósitos bancários, as poupanças, em capital do banco. Esses produtos foram vendidos de forma contínua e foram dadas ordens para que fossem vistos como depósitos a longo prazo, recuperáveis facilmente. Os dirigentes dessas entidades delinearam o conceito, a estratégia, o tipo de contrato e, sobretudo, a aplicação necessária para se apropriarem das poupanças dos seus clientes.

euronews: A Comissão Nacional do Mercado de Valores, o regulador financeiro espanhol, reconheceu recentemente que esses produtos foram vendidos muito caros. As vendas podem ser anuladas? Quais as consequências que teria em plena reestruturação bancária?

J. I. Moreno: O relatório do regulador financeiro sobre o Bankia e as duas entidades que lhe deram origem, a Caja Madrid e a Bancaja, diz que, após a análise de 65 mil operações, realizadas entre agosto de 2010 e novembro de 2011, nenhuma respeitou a lei. Havia um sistema informático paralelo que simulava um mercado. Os preços eram completamente manipulados. A Comissão do Mercado de Valores diz, que um preço razoável, em função das contas falsificadas por Rato, o ex-presidente do Bankia, deveria ser 20% inferiores. Mas o Bankia continuou a vendê-los a 100%. Do ponto de vista da reestruturação bancária, a ser feita pelo governo, é evidente que a única solução é usar o que resta dos 100 mil milhões de euros da ajuda de Bruxelas e dar o dinheiro aos cidadãos que foram vítimas desta fraude.

euronews: O mais conhecido desses ex-dirigentes é Rodrigo Rato. O antigo presidente do Bankia e antigo diretor geral do Fundo Monetário Internacional compareceu em dezembro em tribunal, acusado neste dossiê. A ação judicial irá até ao fim?

J. I. Moreno: Atualmente, com o documento da Comissão do Mercado de valores, que equivale a um teste positivo ao álcool num controlo rodoviário, não só o processo vai até ao fim mas também é provável a condenação. A mais alta instância financeira da Nação estabeleceu que os preços foram manipulados para conseguir um aumento de capital de 1,2 mil milhões de euros. Burlaram-se os clientes para criar ações. Isso corresponde a um crime que foi provado pelos documentos. De nada servem as opiniões ou declarações dos acusados.

euronews: O governo de Mariano Rajoy tentou conter, ao máximo, os efeitos políticos. Negociou com Bruxelas perdas razoáveis e propos a intervenção de um tribunal arbitral. Isso basta?

J. I. Moreno: É insuficiente. Imagino que o governo se sente culpado e, em Bruxelas, não se teve em conta o caráter criminoso destas vendas de produtos tóxicos. A consciência pesada é a única razão pela qual o governo pensou reembolsar um pouco do dinheiro. Senão, o seu comportamento é incompreensível. O governo sabe que as provas existentes vão levar os tribunais a anular todos os contratos e a ordenar a restituição integral do dinheiro. O problema é que seria mau para o atual e para o antigo governo escaparem. Os relatórios indicam que ambos sabiam o que estava a acontecer.

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