Julgamento Ergenekon: um rude golpe para o exército turco

Julgamento Ergenekon: um rude golpe para o exército turco
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É um dos processos mais importantes da história recente da Turquia. Pelo menos 16 pessoas foram condenadas à prisão perpétua por envolvimento na chamada rede Ergenekon que, segundo as autoridades, pretendia derrubar pela força o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. A oposição laica vê o processo como uma “caça às bruxas” com o intuito de calar as críticas contra o executivo. Na mira da justiça, estão 275 arguidos, incluindo altas patentes do exército, deputados e jornalistas.

O ex-chefe das Forças Armadas, o general Ilker Basboug, foi condenado a passar a vida atrás das grades por alegadamente encabeçar a rede. Ironia da história, Basboug, de 70 anos, liderou a campanha militar contra os rebeldes do PKK durante vários anos. Agora, na reforma, ele próprio é acusado de liderar um grupo considerado terrorista.

Mustafa Balbay, o conhecido jornalista do diário de esquerda Cumhuriet, foi condenado a 35 anos de prisão. O jornalista tinha sido eleito deputado do principal partido da oposição enquanto estava detido. É que o julgamento tinha começado em outubro de 2008 e dos 275 arguidos, 66 estavam em prisão preventiva. Na sentença pronunciada esta segunda-feira 21 pessoas foram absolvidas.

À saída do Conselho de Ministros, o porta-voz do Executivo, Bülent Arinç, limitou-se a dizer: ‘‘É um facto que ninguém tem o direito de cometer um crime. O tribunal pronunciou a melhor decisão tendo em conta as suas deliberações e veremos o que acontece com os recursos posteriores”.

  • Ergenekon trial protests

Anadolu agency

Face ao contestado julgamento, as autoridades reforçaram o dispositivo policial junto ao tribunal de Silivri, a 50 quilómetros de Istambul. Os confrontos não tardaram. Os manifestantes, impedidos de assistir à leitura da sentença, arremessaram pedras contra a polícia que respondeu com gás lacrimogéneo.

Dezenas de oficiais, ainda no ativo ou já na reforma, foram detidos desde 2008. A investigação remonta à descoberta de um depósito de armas em 2007, na altura em que o exército se opôs à nomeação de Abdullah Gül para a presidência da Turquia. Durante décadas, as forças armadas pretenderam ser o garante da laicidade do país, tendo derrubado três governos desde 1960 e forçado um à demissão.

Um dos primeiros jornais a revelar o caso foi o diário Taraf, onde trabalhou Markar Aseyan. Em entrevista à euronews, o jornalista considerou que a justiça foi aplicada aos que eram intocáveis.

Euronews: Em primeiro lugar, o que é que o caso Ergenekon significa para a Turquia?

Markar Asayan, jornalista: Não é apenas um julgamento sobre uma tentativa de um golpe militar mas um julgamento sobre todas as ações preliminares, assassínios e incidentes para convencer as pessoas de que um golpe é realmente necessário. Deste ponto de vista, este julgamento é algo inédito na Turquia. A nível político, é um ponto de viragem e um passo de gigante. Por isso é que provocou tantos debates. Ao princípio, a opinião pública estava dividida e era normal. O julgamento foi um passo para aplicar a lei aos que eram privilegiados por ela, ou seja, os generais, os reitores, os homens de negócios, os jornalistas e os políticos que eram considerados intocáveis face à justiça. Ontem eles foram punidos. É a primeira vez que isto acontece na história da Turquia.

Euronews: Por causa do cariz político do caso, algumas pessoas veem-no como uma tentativa de vingança. Pensa que alguns grupos políticos, que eram pressionados pelo exército, estão agora a vingar-se?

Markar Asayan: Não concordo de todo. A resposta correta à sua questão é esta: com este caso e com o processo Balyoz, a Turquia está a mudar a conceção do Estado. Quando falamos no Ergenekon não estamos a falar de pessoas ou de um pequeno grupo que se reúne clandestinamente para planear crimes. O Ergenekon é uma espécie de “Operação Gládio” dos anos 50 ou de contraguerrilha ou de JÍTEM, (uma célula clandestina da polícia militar encarregada da luta antiterrorista, ndr), algo que sempre existiu mas com nomes diferentes.
Não podemos compreender o Ergenekon a partir de uma data específica. Para mim, começou em 1913 com o ataque do Comité para a União e o Progresso contra os liberais otomanos. Houve assassínios e golpes organizados dentro da própria estrutura do Estado. O Ergenekon não é uma organização, antes era o próprio Estado. Ou seja, era uma maneira de controlar o Estado, agindo a partir do interior: eliminando adversários com a força do Estado; executando ministros e um primeiro-ministro como fizeram.

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