A Europa não deve ser um "lugar de muros altos e morte"

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A problemática da imigração clandestina não é uma questão nova, nem sequer recente. Mas a tragédia ao largo da ilha italiana de Lampedusa chama a atenção para os vastos milhares que tentam, quase sempre com meios bastante precários, atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa, na esperança de uma vida melhor.

Segundo a rede de associações e peritos Migreurop, as várias centenas de vítimas mortais no naufrágio desta quinta-feira vêm juntar-se à longa lista de seis mil mortos, nas últimas duas décadas, na perigosa travessia pelo mar em direção, nomeadamente, de Lampedusa, da Sicília, de Malta ou da costa espanhola.

Um balanço que não toma em consideração os que desaparecem sem deixar rasto, nem o futuro frequentemente negro daqueles que conseguem chegar à Europa.

2011 marcou um pico na imigração clandestina, coincidindo com a “Primavera Árabe” e a intervenção militar na Líbia.

Para analisar possíveis respostas à tragédia dos migrantes que morrem às portas da Europa, a euronews convidou Philip Amaral, do Serviço Jesuíta aos Refugiados na Europa, para uma entrevista na delegação de Bruxelas, conduzida por Margherita Sforza.

Margherita Sforza/euronews (MS/euronews): “A Itália está de luto hoje por causa desta tragédia. Como os mais afetados são as populações locais, alguns cidadãos italianos propõem que o povo de Lampedusa seja nomeado para o Prémio Nobel da Paz. Pode ser visto como uma provocação, mas não estará o povo de Lampedusa realmente sozinho, com o resto da Europa a olhar de longe?”

Philip Amaral/Serviço Jesuíta aos Refugiados (PA/SJR): “Infelizmente Lampedusa não está sozinha. Recebeu centenas de migrantes por mar ao longo de todo o ano. Malta fez o mesmo e temos igualmente grandes fluxos de refugiados e requerentes de asilo na Europa através dos Balcãs Ocidentais. A Europa está a virar costas na medida em que não desenvolveu uma resposta que assegure a chegada destas pessoas em segurança, de forma a pedirem o estatuto de refugiado de uma maneira que respeite os direitos humanos fundamentais e a dignidade”.

MS/euronews: “Há uma organização europeia que tem como missão controlar as fronteiras chamada Frontex. Porque não estava lá?”

PA/SJR: “Penso que essa é a grande lacuna da política europeia. A Frontex tem um papel importante na coordenação das operações nas fronteiras dos Estados-membros, mas quando há um barco no mar, ainda há confusão sobre qual é o país que resgata o barco. Assistimos a isso nos últimos anos, com exemplos do governo de Itália a discutir com o de Malta sobre quem deve resgatar o barco no mar. Algumas embarcações não podem aportar durante semanas . O mar Mediterrâneo é altamente vigiado, recorrendo a satélites e inúmeros barcos de guerra, por isso não há nenhuma desculpa para os governos europeus não controlarem a situação. Agora chegou-se à conclusão a nível europeu que deve haver um procedimento claro quando um barco está em perigo para que seja feito o resgate o mais rapidamente possível e se evitem tragédias como esta”.

MS/euronews: “Há uma nova agência europeia sedeada em Malta para lidar com os requerentes de asilo e também há um novo sistema europeu para esse efeito. Está a funcionar?”

PA/SJR: “Há um sistema de asilo comum no papel e que foi adotado este ano. Mas é só no papel e não na prática. O que temos visto na Europa é que procurar asilo é como jogar na lotaria. Se a pessoa vier do Afeganistão e chegar à Grécia, tem cerca de 6 ou 7% de hipóteses de ser aceite como refugiado. Mas se esse mesmo afegão chegar à Itália já terá mais de 90 % de hipóteses de ser aceite. É um jogo desigual e que explica o problema do sistema de asilo na Europa”.

MS/euronews: “O novo sistema de asilo não mudou em nada a situação?”

PA/SJR: “Até ao momento, não. Há melhorias no papel em termos de legislação, mas a grande responsabilidade cabe aos governos dos Estados-membros, que têm de aplicar a lei de maniera a respeitar a dignidade humana”.

MS/euronews: “Pensa que também se deve atuar nos países de origem dos migrantes? Sabemos que existem organizações criminosas a operar estes barcos. Pensa que deve atuar-se também a esse nível?”

PA/SJR: “Naturalmente penso que uma consequência de não existerem meios legais seguros para os refugiados pedirem asilo na Europa é que as pessoas têm que confiar nas redes criminosas de traficantes de seres humanos. E, certamente, a UE tem de fazer mais para combater essas redes e apresentá-las à justiça. Mas é também preciso criar um corredor humano que permitir chegar à Europa de forma legal e que garanta segurança às pessoas”.

MS/euronews: “Para terminar, o que é que esta tragédia nos diz sobre a civilização européia? Para onde caminhamos?”

PA/SJR: “Esta tragédia diz-nos que há uma verdadeira falta de liderança. É nossa responsabilidade como europeus certificarmo-nos que nossas portas estão abertas e que podemos dar um exemplo para o mundo. As pessoas devem ver a Europa como um lugar de segurança e não de fronteiras, muros altos e morte”.

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