SOS Bebés roubados em Espanha: vítimas exigem justiça

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Duas espanholas, entre os mais de mil queixosos do país, juntaram-se para esta denúncia de raptos que continua a ser tabu em Espanha. Casos frequentes, mas sempre menosprezados pela justiça, que ganharam contornos diferentes no franquismo e nos anos 80.
As vítimas reclamam agora ao Estado o direito a conhecer a família biológica.

Juani e Paloma são vítimas dos casos de falsas adoções de bebés roubados às mães biológicas, logo a seguir ao parto.
Na Clínica de Santa Cristina, em Madrid, disseram à mãe que o irmão de Juani, nascido em 1963, era um nado-morto, mas a irmã recusa acreditar e está convencida que o irmão ainda é vivo e é uma das crianças roubadas.

Paloma Pérez Calleja, com 57 anos, é uma das crianças roubadas. Em 2004, fez um teste ADN aos resíduos da escolva de dentes da falsa mãe e a compatibilidade era zero:

“Consciencializei-me de que era uma criança roubada durante uma discussão em casa. A minha mãe disse-me que eu não pertencia à família, que a minha família era o meu marido e as minhas filhas e a sua família era a irmã e sobrinhas. E ainda afirmou que a mãe biológica me tinha dado porque não me queria, era prostituta.”

Em 2010, o juiz disse-lhe, na audiência, que, “com tanto eco nos Media, a ser verdade, a mãe biológica já se teria dado a conhecer”. E arquivou o caso com o das outras vítimas.

O Supremo Tribunal (Audiência Nacional) não tem a mesma opinião e acaba de reabrir o processo “por ser gravíssimo devido à prolongação temporal de uma detenção ilegal”.

Paloma exige: “Quero que encontrem a minha verdadeira família pois levaram-me com duas horas de vida; têm a obrigação de procurar a minha mãe biológica. Juani Férnandez procura o irmão há três anos. A mãe falou-lhe no bebé, alegadamente morto na clínica em 1963, local conhecido pelos casos de bebés roubados.

Juani Fernández, irmã de um bebé roubado, conta a sua história:
“Quando foi divulgada toda esta informação sobre os bebés roubados, os Media insistiram muito em Santa Cristina, Santa Cristina…tinham-me dito que o o meu irmão tinha falecido lá, mas não sabia se o tinham roubado ou não à minha mãe. A primeira coisa que procurei foi um registo de batismo e, quando encontrei, vi que era falso, que nunca se celebrou.”

A análise da polícia científica confirma que o certificado, entregue pelo Palácio Episcopal de Madrid, é falso. Outros documentos estão cheios de contradições, nomeadamente sobre a data e hora da morte do bebé.

Juani Fernández:
“A juíza passou dois anos a fazer a instrução do processo e confirmou o delito de detenção, que está cheio de irregularidades, todo falsificado. O que não entendo é porque o processo foi arquivado, porque não continuou a procurar? É isso que não compreendo na justiça em Espanha.

Para tentar elucidar este escândalo dos bebés roubados, entrevistamos Guillermo Peña, advogado e porta-voz da associação SOS Bebés Roubados Madrid, e também o primeiro a denunciar estes casos que se prolongam desde os anos 50 e atá ao fim dos 80. (último caso foi registado em 1989). Como é possível que se raptem e entreguem bebés com tanta ligeireza, quem o decidiu e porque motivo?

Guillermo Peña – Creio que começou por uma certa inércia ligada a um método que se consolidou durante anos e os responsáveis são, alegadamente, quem lhes dava uma identidade: médicos, enfermeiras e funcionários do registo civil. A inércia fez com que, apesar da transição política e jurídica vivida pelo país, esse costume pernicioso, essa fome de lucro, continuasse até final dos anos 80.

euronews – Quer dizer que há motivação económica?

Guillermo Peña – Sem dúvida que sim. Nos anos 40 havia uma finalidade política, uma caridade perniciosa, muito perniciosa mas, à medida que o regime evoluiu, criaram-se expetativas a nível económico, sempre com alguém a ver ali uma oportunidade de negócio. Este é um tipo de crime que não deixa pistas, o que constitui a principal dificuldade para as vítimas, que tentam encontrar agora os familiares.

euronews – Estamos a falar exatamente de quê? De bebés roubados às mães para venda, de adoções ilegais?

Guillermo Peña – Por um lado, temos as famílias que procuram as crianças roubadas, tidas como falecidas nos hospitais, das quais ninguém viu o corpo e que, ao solicitar o registo civil, observam que não se verificou nenhum registo de óbito, nenhum corpo enterrado no cemitério.
Por outro, há a adoção irregular, em que um bebé é declarado filho de pais desconhecidos, à nascença, e registado como tal como tal por outra família que adota, através de procedimentos irregulares, porque os pais biológicos nunca deram con.
Há também os casos em que os bebés foram registados como filhos de pais incógnitos e não foram adotados por ninguém.

euronews – As vítimas queixam-se da justiça, dizem que não são ouvidas e que os casos são arquivados sem investigação. Porque é tão complicado fazer-se justiça? Até onde podem ir as vítimas da situação?

Guillermo Peña – Para conhecer a verdade só há dois caminhos: o primeiro é recuperar toda a documentação médica e o registo civil ligado a determinado desaparecimento, com data do ocorrido; o segundo é o teste do ADN.
A justiça requer os documentos por petição dos advogados, que são os que investiam o paradeiro dos bebés roubados, e não os encontra. Gera-se atraso, fazem-se petições atrás de petições, o que impede a obtenção de todos os dados do problema. Sem todos os dados não se pode fazer um processo penal.

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