Gustavo Petro: a Procuradoria-Geral tentou neutralizar a cidadania

Gustavo Petro: a Procuradoria-Geral tentou neutralizar a cidadania
De  Euronews
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Bogotá, capital da Colombia, contava em 2010 uma população de cerca de oito milhões de pessoas, incluindo os habitantes da área metropolitana.

Em dezembro de 2013, o presidente da câmara Gustavo Petro foi destituído do cargo, acusado de má gestão no processo de criação, na capital, de uma empresa pública de recolha de lixo.

Em abril passado, graças a uma intervenção da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, foi reconduzido no cargo.

Gustavo Petro foi eleito pelo Movimento Progressista nas eleições municipais colombianas de outubro de 2011. Ex-guerrilheiro do grupo armado M-19, foi senador e é um dos mais destacados opositores da direita colombiana, representada pelo ex-presidente Álvaro Uribe.

Petro reassumiu o cargo na véspera das eleições presidenciais de dia 25 de maio. Entretanto as sondagens registam um crescimento das intenções de voto a favor dos candidatos Oscar Zuluaga do Centro Democrático (apoiado por Álvaro Uribe) e Enrique Peñalosa, do Partido Verde. Tudo indica que haverá um segundo turno nas eleições.

Em entrevista à euronews, o presidente do município de Bogotá, respondeu a algumas questões sobre a situação na Colombia e sobre os seus planos de gestão para Bogotá.

Alberto de Filippis, euronews:
Quais são as acusações que lhe fizeram? Que se passou?

Gustavo Petro, presidente da câmara de Bogotá:
Fiz parte da guerrilha colombiana. Há 25 anos, depus as armas, num processo de paz que alterou o quadro institucional, concedendo-nos direitos políticos e a democratização do país. Ganhei as eleições para a presidência da câmara mais importante do país, que tem uma significativa autonomia política e financeira.

Fui destituído por uma autoridade administrativa. A decisão judicial afasta do cargo o titular que cometeu um delito, apesar de ter sido eleito. A decisão de um funcionário administrativo retirou assim o poder de voto aos cidadãos de Bogotá e os direitos políticos ao presidente da câmara, por 15 anos.

Alberto de Filippis:
E quais eram as acusações?

Gustavo Petro:
Tomámos uma decisão política, administrativa, que alterava o modelo de limpeza da cidade, inteiramente privatizado, para o tornar misto. Criámos uma empresa pública que compete com as restantes e incluímos, de acordo com as diretivas do tribunal constitucional, cerca de 14 mil mulheres e homens de origem humilde, recicladores de lixo, gente que sai de madrugada pelas ruas à procura, nos caixotes do lixo, de objetos que depois vendem nos mercados.

Eles faziam a reciclagem para a cidade de Bogotá e o tribunal constitucional ordenara a sua integração num modelo de limpeza das ruas, promovendo a dignificação destas pessoas.
Como este processo implicava limitar as ambições dos grandes empresários privados, estes tentaram sabotar o serviço, deixando a cidade durante três dias sem recolha de lixo. A partir daí, apresentaram queixas contra o presidente da câmara, tentando recuperar privilégios. Uma delas chegou à Procuradoria-Geral, que tratou de anular o voto popular em Bogotá.

Alberto de Filippis:
E porque razão o Supremo Tribunal de Bogotá mudou de ideias, alterando a decisão de o destituir?

Gustavo Petro:
Não mudou de ideias. A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos decidiu, por unanimidade, proteger-me por medidas cautelares, defendendo que eu deveria permanecer no cargo até ao termo do mandato.
Esta decisão foi ignorada pelo Presidente Santos, algo inédito na história da Colombia. E isto traduziu-se por uma suspensão que durou um mês.

O que o Supremo Tribunal de Bogotá fez, no seguimento desse passo do Presidente da República, foi recordar ao chefe de Estado que a decisão da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos tinha de ser cumprida e que ele estava obrigado a reconduzir-me no cargo. E é por isso que nos encontramos aqui hoje no gabinete da presidência do município de Bogotá.

Alberto de Filippis:
La violência generalizada em muitas regiões do país provoca o êxodo das populações. Há muita gente que se vê obrigada a deslocar-se para bairros marginais, como os de Bogotá. Nestes bairros estão igualmente os traficantes de droga e os paramilitares. Como sair deste círculo infernal?

Gustavo Petro:
Para garantir a paz, é necessário mudar o modelo político, realizar uma forte inclusão da população em todo o país, democratizar a Colombia. Mas a par disto, assumir com coragem soluções para o problema do narcotráfico. Temos de fazer ambas as coisas, pois o problema inicial é a desigualdade social e a violência. Só depois surge o narcotráfico, que usou a violência em seu benefício.

Mas sem resolver o primeiro problema, o que originou a violência, não conseguiremos solucionar o segundo, o de um narcotráfico que usa a violência para se apropriar do Estado da Colombia e do território. O narcotráfico é praticamente indestrutível. Na Colombia, tem poderes de Estado.

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Alberto de Filippis:
Que pensa das formas de combate ao narcotráfico adotadas na Colombia? Acredita que a legalização poderia ser uma opção?

Gustavo Petro:
A legalização interna do consumo de drogas permite-nos resgatar os consumidores, em geral jovens de escassos recursos, das mãos das máfias suburbanas, para os colocar sob o apoio do Estado. Iniciámos esse processo em Bogotá, com uma política de saúde pública destinada aos toxicodependentes, e também nos penalizam por isso.

Quanto ao problema global do narcotráfico, das suas redes internacionais de branqueamento, etc… a possibilidade de uma legalização à escala mundial não depende de um presidente da câmara, nem sequer de um chefe de Estado. Depende de uma vasta discussão mundial que atualmente se desenha, mas que caminha a passos lentos. Cada vez mais, nos damos conta que a chamada guerra contra a droga levou afinal ao fortalecimento das máfias, deu-lhes a capacidade de cooptar o Estado e criou graves problemas sociais.

Alberto de Filippis:
Tem agora um segunda oportunidade. Quais são os seus planos ?

Gustavo Petro:
Continuamos sujeitos à instabilidade. Temos por cima das nossas cabeças a Espada de Dâmocles anti-democrática. Até agora, fui protegido pela justiça, mas permaneço em risco. O Procurador-Geral da República tem um poder enorme e influencia a magistratura, oferecendo aos juízes empregos para os filhos e os irmãos, construindo laços perversos de corrupção. O seu poder permitiu-lhe neutralizar garantias que fazem parte da legislação colombiana. É por isso que as medidas cautelares decididas pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos são tão importantes.

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O Presidente Santos colcocou-se numa posição fatal, pois primeiro recusou-se a implementar a decisão da comissão, e depois acatou-a, mas criando dúvidas e uma atmosfera de instabilidade em Bogotà. Por isso considero crucial a solidariedade democrática internacional.

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