Dos "Indignados" até Bruxelas: Retrato do fenómeno "Podemos"

Dos "Indignados" até Bruxelas: Retrato do fenómeno "Podemos"
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O nome deste partido espanhol evoca um conhecido slogan utilizado numa célebre campanha presidencial americana – “Yes, we can!”. Mas o caminho do "Podemos" é outro. Criado no passado mês de janeiro, em apenas quatro meses alcançou um fulgurante resultado nas eleições europeias de maio, obtendo quase 8% dos votos e 5 lugares no Parlamento Europeu. Um sucesso que tem o rosto do carismático Pablo Iglesias. Com 35 anos, tornou-se no símbolo de uma política de esquerda pouco convencional e pouco habitual nos corredores do hemiciclo em Bruxelas. “Para o nosso grupo, foi fundamental negociar a presença do partido grego Syriza numa das vice-presidências do parlamento, para mostrar que a situação está a mudar na Europa, e que é possível fazer as coisas doutra forma. Os europeus do sul não querem ser colonizados pela Alemanha, nem pela troika. Não queremos que sejam poderes financeiros, que não foram eleitos, a decidir o futuro dos nossos cidadãos”, declara Iglesias.

O Podemos emergiu do movimento de protesto conhecido como “Indignados”. Estávamos em 2011. Milhares de espanhóis vieram para a rua manifestar-se contra a austeridade, pedindo a renovação de todo o sistema político. Pablo e outros professores da Universidade Complutense de Madrid decidiram transformar esta revolta numa plataforma política concreta. Juan Carlos Monedero, outro dos fundadores do Podemos, garante que há alternativas: “Aprendemos que é um erro nacionalizar a economia. No entanto, há bens comuns que devem ser geridos de forma pública, o que não é o mesmo que dizer controlo estatal. A água, a energia, as finanças, são setores que têm de ser controlados. Os bancos têm de ser controlados. A água não é uma mercadoria. A energia não pode estar sujeita a oligopólios. Há setores que têm de ser distinguidos através desta noção de bem comum.”

No escrutínio europeu, tanto o Partido Popular, no poder, como os socialistas do PSOE tiveram os piores resultados eleitorais desde a era franquista. Juntos alcançaram menos de 50% dos votos. Em 2009, tinham atingido os 80%. As críticas que populares e socialistas dirigem ao Podemos são inúmeras. José Ignacio Torreblanca dirige o gabinete espanhol do Conselho Europeu de Relações Externas e não hesita em afirmar que o Podemos é mais um partido populista eurocético. Nas suas palavras, “ideologicamente, são muito radicais à esquerda, muito influenciados pelos movimentos latino-americanos, desde a Venezuela ao Peru. Foi daí que trouxeram uma retórica contra os países do Norte, anti-sistema, anti-capitalismo, e na mesma medida, contra a Europa. Mas, para poderem alargar a base de apoio, tiveram de fazer o que os outros partidos fazem, tiveram de tornar-se apelativos. Publicamente, defendem que não representam nem a direita, nem a esquerda, mas sim o povo, o povo contra o sistema de castas, contra o poder estabelecido. Só que, desta forma, estão a negligenciar a ideologia, para se tornar num partido populista.”

As críticas não ficam por aqui. Pablo Iglesias é, por vezes, apelidado de “excêntrico” e de “extremista”. Há quem acuse o Podemos de apoiar veladamente o terrorismo da ETA ou de receber dinheiro do governo venezuelano, denunciando ligações estreitas ao antigo regime de Hugo Chávez. Iglesias responde assim: “Fomos acusados de cometer crimes, de receber financiamentos ilegais. Um partido receber dinheiro de outro país, é ilegal. Apoiar terroristas, é ilegal. Há quem tenha afirmado que nós cometemos tudo isto. Mas trata-se de crimes. Se consideram que somos criminosos, que se dirijam a um tribunal ou à polícia para nos denunciar. Ninguém o fez. Acusaram-nos para gerar um alarme social, mas acabou por se virar contra eles.”

O partido não tem uma estrutura formal. Um dos modos de funcionamento chega-nos do bairro popular de San Blas, em Madrid, onde nas últimas eleições o Podemos atingiu 14% dos votos. Aqui, as pessoas juntam-se todas as semanas, num círculo, onde apresentam e debatem propostas que serão adotadas pelo partido, num exemplo de democracia participativa. Uma participante afirmava esperar “uma mudança nas pessoas. Precisamos que o Podemos seja como uma aula onde nos possamos informar, educar, transformar para poder fazer exigências aos que nos governam.”

Na cidade de Madrid, o Podemos ficou em terceiro lugar nas europeias. O próximo desafio consiste nas eleições municipais, em maio de 2015. Antes, têm de decidir o percurso a trilhar, até porque está marcada uma assembleia geral para o mês que vem. No entanto, o caminho que querem seguir em Bruxelas já está bem delineado. “Aquilo que mais há na Europa é uma casta política que se ajoelhou perante os poderes financeiros e os poderes externos, como os Estados Unidos. Nós não queremos a presença militar dos americanos na Europa. Para quê? Porque é que os europeus têm de ser controlados militarmente de fora? Pretendemos uma Europa de liberdade, uma Europa de justiça social, uma Europa de solidariedade, e isso implica enfrentar o novo fascismo, esteja ele disfarçado de que forma for, e o autoritarismo dos defensores da troika do Banco Central Europeu e do FMI”, salienta Iglesias.

Uma pergunta gira em torno do fenómeno criado por este homem: estamos perante uma proposta política que é apenas fruto das circunstâncias ou que veio mesmo para ficar?

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