Durão Barroso: "Ainda não temos um sentido de responsabilidade verdadeiramente europeu"

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Ao fim de uma década à frente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso deixa a cadeira da Presidência. Sai de cena numa altura em que a economia do velho continente continua a evidenciar dificuldades, particularmente em alguns países da zona euro, penalizados com o desemprego em massa e a estagnação.

Frédéric Bouchard, Euronews: A União Europeia é atualmente mal amada por parte dos cidadãos porque é sinónimo de austeridade. Numa altura em que se prepara para deixar o lugar, não considera que esta insatisfação pode representar, de certa forma, um falhanço?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Evidentemente. Fico muito insatisfeito quando vejo os sacrifícios que grande parte dos europeus enfrenta. Mas ao mesmo tempo, tenho o dever de dizer aos europeus que a Europa não é a responsável por esta situação. Este cenário foi criado pelos responsáveis dos mercados financeiros – até porque a crise não começou na Europa – e também por erros acumulados por alguns Governos, que não pensaram em termos de equilíbrio, que acumularam dívidas excessivas. Por isso, a Europa não é a causa da crise, pelo contrário, é uma parte da solução. Graças à União Europeia salvámos alguns países que estavam perto da bancarrota.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Com um custo social considerável.

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “A situação continua a ser difícil, mas estamos muito melhor agora do que há dois anos, altura em que grande parte dos nossos parceiros colocava como cenário mais possível a rutura da zona euro.”

Frédéric Bouchard, Euronews: O que faria de diferente se pudesse voltar atrás?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Desde logo, julgo que houve um problema de comunicação e nesse sentido devo assumir a minha responsabilidade, porque apesar de todos os esforços julgo que não conseguimos – também porque, é preciso dizê-lo, muitas vezes os governos não colaboraram connosco – explicar aos europeus a origem da crise, as causas, o que estávamos a fazer. Na minha opinião, mas de um ponto de vista político, não havia muita margem porque tínhamos de agir, quero dizer a Comissão, num quadro complexo colocado pelos governos, que por vezes não quiseram, por exemplo, ser mais generosos com os Estados em dificuldade.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Fala na falta de solidariedade de alguns Estados-membros em relação a outros Estados com dificuldades?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Teria preferido assistir a uma solidariedade mais evidente.”

Frédéric Bouchard, Euronews: O que responde aos que lhe dizem que não foi suficientemente firme, que poderia ter tido mais iniciativa e que poderia ter levantado a voz quando alguns Estados mostravam falta de solidariedade, como por exemplo a Alemanha que tardou em reagir?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Para começar tomámos as iniciativas. A Comissão esteve na origem de todas as iniciativas legislativas. Se atualmente existe uma União Bancária é graças à Comissão. Lembro-me que da primeira vez em que falei da União Bancária algumas capitais me disseram que não podia fazê-lo porque não consta dos Tratados. Respondi que isso era verdade, mas que precisávamos de uma União Bancária para atingir os objetivos dos Tratados. É verdade que durante a crise, por causa de temas sensíveis com efeito nos mercados, não quis juntar a minha voz à cacofonia.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Não acredita que deveria ter tomado posição como Presidente da Comissão Europeia?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Fi-lo quando foi preciso. Fiz declarações firmes exigindo à Alemanha a ajuda à Grécia, lembrando o efeito dramático que se produziria à falta de uma decisão favorável para a Grécia. Ao mesmo tempo fui à Grécia dizer ao Governo que deveria por termo à confusão política se quisesse merecer a confiança dos outros Estados-membros. O que fiz, discretamente, com os nossos Governos, com os nossos parceiros, foi trabalhar para uma solução e no final encontrámos. Atualmente estes países estão muito melhores do que há dois anos.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Foi bastante criticado pela gestão da crise na zona euro. Como reage a essas críticas?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Quando as coisas estão bem, os homens políticos nacionais vangloriam-se, mas quando estão mal dizem que a culpa é de Bruxelas. É a realidade. Ainda não temos um sentido de responsabilidade verdadeiramente europeu e lamento. Disse a todos os chefes de Estado e de Governo que devem abandonar esta perspetiva, porque um dia vão precisar do apoio do povo à Europa, para que eles continuem na União Europeia. Não o conseguirão se continuarem sistematicamente a valorizar o que fazem a nível nacional e a desvalorizar o trabalho das instituições europeias.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Recentemente, durante a cimeira europeia, David Cameron disse que não pagará o contributo adicional para o orçamento comunitário exigido pela Comissão Europeia e justificado com o desempenho positivo da economia britânica. O que tem a dizer?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “É um caso exemplar do que não devemos fazer. A Comissão limitou-se a aplicar as regras que os próprios Governos definiram e existem regras objetivas para o cálculo das contribuições dos Estados-membros em função do Produto Interno Bruto. Nos últimos anos – desde já parabéns à Grã-Bretanha – eles aumentaram o Produto Interno Bruto, por isso devem aumentar proporcionalmente a contribuição. Em vez de apresentar isso como uma questão que deveríamos resolver, o primeiro-minsitro britânico saiu da reunião a atacar violentamente as instituições europeias.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Como reagiu a esta atitude?

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José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Não é aceitável.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Não está cansado de ser tratado desta forma?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Não concordo com este tipo de comportamento. Julgo que é um erro. Porquê? Porque Cameron, que diz sempre querer que a Grã-Bretanha continue na União Europeia, quer também organizar um referendo para confirmar a permanência do Reino Unido na União Europeia. Está a atuar talvez contra a vontade e por razões políticas devido a outro partido que o ameaça. Assim reforça-se o sentimento anti-europeu. É um erro básico.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Um sentimento anti-europeu que já é bastante forte.

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Que já é bastante forte e que se reforça. Quando os responsáveis políticos de um país atacam constantemente a Comissão e a União Europeia, é certo que as pessoas vão acabar por dizer que a União Europeia não é boa.”

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Frédéric Bouchard, Euronews: França apresentou uma retificação do projeto orçamental para evitar pontos de fricção com Bruxelas. Itália também. Está satisfeito com esta atitude?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Vimos por parte das autoridades francesas e italianas, apesar do que disseram os meios de comunicação social, um atitude positiva. Significa que reconhecem que a Comissão tem o direito, diria até o dever, de dizer alguma coisa quando considera que os orçamentos nacionais não se ajustam às regras.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Tem o dever, está no Tratado.

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Temos o dever. Um poder que nos foi conferido pelos Estados-membros. Justamente porque na zona euro, em que estamos integrados, não podemos ter uma moeda comum quando cada país faz o que quer.”

Frédéric Bouchard, Euronews: É preciso respeitar as regras e essas regras preveem multas. Acredita que será bom aplicar multas a Estados que saem do pacto de estabilidade e que já estão a atravessar dificuldades económicas?

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José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “É por isso que é preciso que os Estados respeitem as regras, para evitar este cenário, que é bastante negativo. A próxima Comissão deve continuar o trabalho e verificar as coisas com as autoridades dos diferentes países. São cinco países. Fala-se de França e de Itália, mas são cinco os países que suscitaram reservas por parte da Comissão.”

Frédéric Bouchard, Euronews: Falou no seu sucessor. Tem algum conselho a dar à nova Comissão?

José Manuel Durão Barroso, Presidente cessante da Comissão Europeia: “Não dou conselhos em público. Os sucessores não gostam de receber conselhos em público. O trabalho cabe agora ao novo Presidente, não a mim. Confio nele e desejo o melhor, a ele, à Comissão e à Europa.”

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