Georges Dougueli: "É compreensível que o Exército se tenha colocado do lado dos manifestantes no Burkina Faso"

Georges Dougueli: "É compreensível que o Exército se tenha colocado do lado dos manifestantes no Burkina Faso"
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O Exército tomou o poder no Burkina Faso, depois dos violentos protestos contra a tentativa do presidente Blaise Compaoré para continuar no poder “ad eternum”.

Os “homens íntegros” – como se chamam no país – recusaram o roubo orquestrado dos direitos constitucionais.

No poder há 27 anos, o presidente tentava, por antecipação, fazer aprovar no Parlamento uma emenda constitucional que elevaria para três o número máximo de mandatos presidenciais.

Em 1983, Blaise Campaoré participava ao lado do capitão Thomas Sankara num golpe para tomar o poder. Sankara queria desembaraçar-se da tutela de França, rebatizar o país e torná-lo autosuficiente.
Compaoré discordou do projeto e destituiu-o com outro golpe, no qual o capitão foi assassinado.

Sob tutela e dependente da ajuda da antiga potência colonial, Compaoré cede às exigências francesas, nomeadamente a que François Mitterrand exprimiu em 1990: “Não há desenvolvimento sem democracia, nem democracia sem desenvolvimento”.

O presidente fez o seu melhor pelas reformas democráticas: uma nova Constituição, multipartidarismo e eleições livres. Mas fez-se eleger três vezes seguidas, com resultados que só se obtêm em ditaduras.

O país não prosperou e é um dos 10 menos desenvolvidos no mundo. É também um dos mais pobres: mais de 40 por cento da população e vive abaixo do limiar da pobreza. 80% da população ativa trabalha na agricultura. A população raramente se manifesta, mas desta vez os distúrbios em frente à Assembleia onde se devia votar a alteração constitucional degeneraram em violência.

Compaoré deixou de representar a figura paternal e de mediador internacional que conseguia manter até recentemente. O Exército anunciou a criação de um “órgão de transição”, que assumirá os poderes Executivo e Legislativo com o objetivo de restabelecer a “ordem constitucional” no prazo de 12 meses. A oposição qualifica o anúncio como golpe de Estado.

Sophie Desjardin, euronews: “Georges Dougueli é jornalista no semanário ‘Jeune Afrique’ e segue de perto a situação confusa e explosiva no Burkina Faso. Assistimos a cenas de uma população em cólera, destruição, mas não uma repressão brutal… Isto é normal em África? O que é que isso nos diz acerca do país?”

Georges Dougueli: “Sabíamos perfeitamente que uma parte do Exército não aceitaria que o presidente lance uma manobra como a que lançou a 21 de outubro, para alterar a Constituição. Compreendemos que este Exército se tenha colocado do lado dos manifestantes, ao recusar disparar sobre a população que saiu à rua. E também podemos compreender que uma parte dos amigos do presidente se tenham alinhado com os manifestantes. É uma evolução que era de certa forma previsível, quando observamos a política do Burkina Faso nos últimos anos.”

euronews: “Blaise Compaoré estava no poder há 27 anos. Um poder que exerceu frequentemente de forma questionável. A modificação da Constituição para lhe permitir recandidatar-se foi a gota de água. Mas por que razão é que a população nunca se tinha manifestado antes?”

Georges Dougueli: “Se não se manifestou até hoje, foi porque respeitava a lei fundamental e atualmente ela estava a um passo de ser violada, contra a vontade popular. Foi por isso que se manifestou, para impedir que o Parlamento ratifique essa modificação.”

euronews: “Existe um sucessor credível para Compaoré?”

Georges Dougueli: “Há vários… A oposição política está cheia de personalidades capazes de assumir o cargo. Penso, por exemplo, em Roch Marc Kaboré, que era bastante próximo de Compaoré, mas que acabou por virar as costas ao partido no poder, criando uma formação na oposição. Penso também em Salif Diallo, no veterano da oposição Ablassé Ouedraogo e em muitos outros. Simon Compaoré também podia ser o sucessor. Existem várias personagens de envergadura no Burkina Faso, capazes de assumir o cargo e dirigir o país, depois de Blaise Compaoré.”

euronews: “O que está a acontecer no Burkina Faso poderá dar início a uma espécie de ‘Primavera Africana’?”

Georges Dougueli: “Efetivamente, o que se está a passar no país pode, através de um efeito de bola de neve, conduzir a uma espécie de ‘Primavera Africana’. O próximo país da lista pode ser a República do Congo. Ainda não sabemos, mas aí o processo pode estar já em curso… O presidente ainda não se pronunciou, ainda não disse se pretende manter-se no poder, através de uma modificação constitucional. O Benin também é uma hipótese, pois existe aí uma tentação para modificar a Constituição, para eliminar a limitação de mandatos. Esses dois países poderão viver uma situação semelhante.”

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