Syriza: Como abandonar o calvário da austeridade?

Syriza: Como abandonar o calvário da austeridade?
De  Euronews
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Para surpresa de muitos, na Grécia, as profissionais da limpeza transformaram-se num símbolo das injustiças geradas pela austeridade. Grupos de

Para surpresa de muitos, na Grécia, as profissionais da limpeza transformaram-se num símbolo das injustiças geradas pela austeridade.

Grupos de mulheres começaram a protestar depois de perderem os respetivos empregos. Foram vítimas dos cortes orçamentais que o ministro das Finanças considerou necessários para cumprir com as metas da troika, mas recusaram baixar os braços.

Durante meses acamparam em frente ao ministério das Finanças, reclamado a restituição do trabalho. Votaram recentemente no Syriza, que prometeu voltar a contratá-las.

No ar fica uma mensagem de esperança para amenizar o verdadeiro calvário, destas mulheres e dos gregos em geral.

“As pessoas pagaram durante cinco anos por uma crise pela qual não foram responsáveis. Durante esta crise aqueles que ganharam muito dinheiro, continuaram a ganhar e até mais. Mas as classes média e baixa não tinham de ser culpadas por tudo o que estão a pagar. Passámos de um lugar que era um paraíso ao verdadeiro inferno”, desabafa Sophia Tsagaropoulou, empregada de limpeza.

Mas como varrer este inferno provocado pelas medidas de austeridade? Essa é a difícil tarefa que espera o Governo de Alexis Tsipras e o partido de esquerda radical Syriza, que chegou ao poder com a promessa de combater a miséria crescente, resultante do plano de resgate da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional.

“O veredito do povo grego, o vosso veredito, cancela de forma incontestável os acordos de austeridade e desgraça”, disse o agora primeiro-ministro Alexis Tsipras.

Desde a vitória nas eleições do mês passado, as atenções da Europa têm estado sobre Tsipras e o novo Governo, com uma pergunta inevitável que se impõe: de que forma é que vai encontrar dinheiro para eliminar uma dívida de 176% do PIB?

Outra questão que se coloca é a de saber como mudar as coisas num país em que um em cada quatro gregos está desempregado e também numa nação em que a economia encolheu 25% nos últimos cinco anos.

Uma das vias que Tsipras defende para acabar com a “injustiça da austeridade” é o combate à evasão fiscal, que custa à Grécia a perda de cerca de 20 mil milhões de euros em impostos por ano, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Mas como é que se podem cobrar impostos num país em que a “evasão fiscal” é apelidada por alguns de “desporto nacional”?

Harry Theoharis chefiou a agência grega de cobrança de impostos. Atualmente integra o Parlamento com o partido To Potami. Apesar de estar orgulhoso dos avanços feitos neste domínio, demitiu-se em junho passado. Rejeita que o tenha feito por causa de ameaças de morte, porque para ele o verdadeiro perigo era a política: “Entendi que uma vez que as prioridades do governo eram populistas isto tornaria o meu trabalho cada vez mais difícil. Para dar um exemplo, antes das eleições, os governos gostam de amaciar as respostas aos cidadãos que devem impostos. Em vez de se fazerem apreensões, obrigando-os a pagar, tomando medidas que socialmente são difíceis de aceitar, pedem-nos para sermos mais brandos.”

Se por um lado Theoharis acredita na honestidade e determinação de Tsipras, por outro considera que o primeiro-ministro subestima a complexidade que tem pela frente.

“O Syriza tem potencial para ser diferente.Os laços não são os mesmos, não esteve no poder muito tempo, mas na minha opinião terão dias difíceis para fazer uma limpeza e serem livres de todo o tipo de amarras”, diz Harry Theoharis.

A indústria naval grega foi, e continua a ser, um dos motores económicos do país. Contribui com 8% para o PIB da nação e meio milhão de empregos diretos e indiretos.

Não se registaram cortes salariais no setor durante a crise, mas por outro lado a indústria naval também está associada a imagens de oligarcas que tiram as fortunas da Grécia e beneficiam assim de alívio fiscal.

Essa não é a opinião de Michael Bodouroglou, presidente de uma empresa de transporte fora de Atenas. Para ele, o Governo deve centrar-se no setor público e deixar em paz o setor de transporte marítimo: “Não existem alívios fiscais para os donos de embarcações. Pagam impostos da mesma forma que os nossos colegas pagam em todo o mundo. Sinceramente, se tivéssemos alívio fiscal no país teríamos muitos europeus a mudar para aqui e a beneficiar das vantagens que temos, que não vimos.
O grande problema, a razão pela qual o país acumulou um défice elevado que já não era comportável, é a de existir um setor público demasiado caro. Muito grande, muito caro, ineficiente e hostil em relação aos negócios.”

A retrospetiva atual mostra-nos uma Grécia de luxo que a Europa já não pode comportar. Quando a crise da zona euro se agravou, a única saída encontrada para a Grécia foi a do resgate financeiro, associado a reformas estruturais.

Reformas às quais muitos gregos apontam o dedo, por causa da espiral de cortes salariais e de pensões penalizadas com impostos adicionais. A somar a isso a revolta contra a Europa, a Alemanha e a troika pelas condições estabelecidas está longe de ser serenada.

Elena Panaritis, economista, apoiou o primeiro resgate. Agora lembra o governo do Syriza de que a crise não representa a insolvência da Grécia mas sim da Europa: “Criámos uma experiência fantástica que funcionou enquanto tivemos excedentes, chamada euro e União Europeia. Quando as vacas eram gordas e existia leite estávamos todos felizes, mas agora que as vacas são magras e o leite secou ainda não encontrámos um rumo e o pequeno canário, a Grécia, está a morrer sozinha porque não há oxigénio. Em vez de se dizer que precisamos de sair desta mina de carvão está-se a fechar ainda mais a torneira.”

A troika argumenta que a Grécia teve um balão de oxigénio – mais de 240 mil milhões de euros – num momento crucial como em 2012, quando um segundo pacote de resgate impediu o cenário de incumprimento (default) do país e a saída do euro.

Mas com Tsipras a avisar que a atual dívida grega é insustentável, a palavra “grexit”, ou saída grega, reapareceu no léxico da zona euro.

“Aquilo a que assistimos nas últimas semanas faz parte de um clima de histeria em torno da discussão da saída da Grécia. Evito qualquer especulação na matéria, mas gostaria de lembrar que não é boa ideia testar a proposta de que a zona euro está melhor preparada para uma saída grega. Duvido que seja esse o caso. Pode ter-se uma nova arquitetura em relação ao resgate, novos recursos financeiros, mas aqui existe também uma sociedade e um processo democrático”, explica Jens Bastian, antigo elemento da task force da União Europeia responsável pela assistência técnica à Grécia.

Dimitra Mandikou é parte integrante desse processo democrático. Aos 53 anos de idade diz que perdeu tudo por causa da crise e do resgate. Perdeu o negócio, a saúde, não teve sucesso no casamento e em breve pode perder também a casa. Culpa os bancos e o governo por resgatar os bancos em vez das pessoas.

Votou Syriza porque não tem nada a perder: “Não era pessoa de roubar dinheiro ou de não pagar as contas. Não fujo às minhas responsabilidades e tudo isto criou-me problemas. Não conseguia dormir. Há dois anos, diagnosticaram-me cancro e os médicos disseram-se que se devia a stress psicossomático. A certa altura, como me aconselharam os meus amigos e como todos faziam o mesmo, deixei de pagar porque não temos dinheiro. Dissemos: trouxeram-nos até aqui, não podemos pagar coisa alguma, por isso não importa, ponham-nos na cadeia. Ponto final.”

Para os que votaram no Syriza e na postura anti-resgate a mensagem é a de que o plano de resgate falhou.

Enquanto o Governo grego e a Europa trabalham para reabilitar o país, se é que isso é possível, as empregadas de limpeza, à imagem de muitos gregos, esperam em suspenso. Esperam para arregaçar as mangas e voltar ao trabalho, mas acima de tudo por recuperar a dignidade perdida e que o Syriza prometeu devolver.

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