O futuro da caligrafia na era digital

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A partir de setembro de 2016, assim que arrancar o ano letivo na Finlândia, os alunos do ensino primário deixarão de ser obrigados a aprender

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A partir de setembro de 2016, assim que arrancar o ano letivo na Finlândia, os alunos do ensino primário deixarão de ser obrigados a aprender caligrafia. Em vez disso, e a pensar no estilo de vida moderno, aprenderão a datilografar. Será isto uma sentença de morte para a escrita à mão?

Finlândia: Adeus à caligrafia

A Finlândia não está sozinha na abolição da aprendizagem da caligrafia do currículo escolar. O debate também se fez sentir nos Estados Unidos, mas será esta uma mudança positiva ou negativa?

Em Helsínquia, na escola primária Pelimanni, estudam cerca de duas centenas de alunos. Desenhar as letras é um verdadeiro bicho de sete cabeças para algumas crianças que aprendem caligrafia, mas muitos acabam por gostar e descobrem o interesse.

“Gosto porque é bonito e é um verdadeiro desafio”, explica Valma Tahvanainen. A aluna Patricia Alakotila acrescenta:“Gosto de caligrafia porque é bonito e consigo ler o que o meu pai e a minha mãe escrevem.”

A partir do outono de 2016, os alunos deixarão de se preocupar com o desenho das letras porque a caligrafia vai desaparecer do currículo escolar. Poderão desenvolver a própria escrita à mão usando letras separadas, se assim quiserem.

O tempo é o argumento invocado para justificar a decisão. Com tantos elementos associados à língua finlandesa para ensinar, como escrever num teclado, por exemplo, deixou de haver espaço para a caligrafia.

A professora Varpu Halonen desabafa: “É frustrante para o professor que devia ter tempo para tudo. Aprender a escrever não é suficiente para ensinar, mas também é preciso praticar e usar técnicas de escrita.”

A caligrafia é ensinada no segundo ano da escola primária. Pesquisas revelam que grande parte dos alunos em anos mais avançados ou não aprenderam caligrafia ou voltam a escrever à máquina, quando podem escolher a forma de escrever. O que significa que o currículo escolar falhou.

A digitalização é outro elemento importante. As crianças estão rodeadas de meios de comunicação que requerem diversos tipos de competências. Ainda leem e escrevem como antes, mas os textos são mais curtos e o processo de escrita é distinto.

“ Não vamos sobrecarregar os alunos aprendendo duas maneiras de escrever. Assim que aprenderem as letras à máquina podem começar a escrever textos mais longos. Quando chegar a altura de escreverem no computador teremos mais tempo para ensinar o processo de escrita e polir o conteúdo”, explica Minna Härmänen, do Conselho Nacional de Educação.

Os professores ainda têm a liberdade de ensinar caligrafia se assim entenderem. Mas com tantos conteúdos que integram o currículo escolar o tempo disponível para fazê-lo é cada vez mais curto.

Escrever à mão é coisa do passado?

A decisão, de abandonar a aprendizagem da caligrafia, em países como a Finlândia e os Estados Unidos, não gerou consenso, até porque algumas pesquisas indicam benefícios cognitivos adicionais gerados com o uso da caneta e do papel.

Consultámos dois peritos que elencam as vantagens e os inconvenientes da escrita à mão, do teclado e do ecrã tátil.

As opiniões dos peritos sobre a continuidade do ensino da caligrafia dividem-se. Para Isabelle Montésinos-Gelet é essencial manter esta prática enquanto que para Enrique Dans se trata de algo ultrapassado.

Ainda é preciso estudar caligrafia?

Isabelle Montésinos-Gelet, professora na Universidade de Montreal: “É verdade que cada vez mais pessoas fazem anotações no computador, mas existem estudos que mostraram que a retenção de informação se faz de melhor forma quando anotamos coisas. Existe desde logo uma pequena vantagem, ao fazer a lista de compras, por isso consideramos que a escrita à mão ainda tem futuro.”

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Enrique Dans, professor na IE Business School (Madrid): “A utilidade da escrita com caneta e lápis como a conhecemos atualmente é muito escassa. Resume-se a uma assinatura de tempo a tempo, que na verdade é um modo de autenticação muito fraco, facilmente falsificável. Caminhamos para uma utilidade cada vez mais restrita.”

A escrita à máquina é muito confusa para as crianças?

Isabelle Montésinos-Gelet, professora na Universidade de Montreal: “Quando os alunos aprendem a escrever têm muitas vezes a tendência de desenhar a letra e quando o fazem apoiam-se sobre os hábitos de desenho. Quando desenhamos a orientação não tem muita importância. Fazemos os traços gradualmente. Eles fazem a mesma coisa com as letras escritas por isso misturam, por vezes, a letra ‘B’, ‘D’, ‘P’ e ‘Q’.”

Enrique Dans, professor na IE Business School (Madrid): “Esta psicomotricidade fina ou este tipo de exercício para desenvolver as capacidades das pessoas deve continuar, mas seguramente com outros tipos de práticas. Claro que não estamos aqui a falar do abandono do ensino da escrita às crianças. É simplesmente um processo que consiste em dar mais importância à habilidade que será mais usada.”

A caligrafia é um bom exercício cognitivo?

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Isabelle Montésinos-Gelet, professora na Universidade de Montreal: “A caligrafia é efetivamente uma ferramenta cognitiva importante porque nos permite ter autonomia na materialização da escrita. É indispensável dominar a escrita à mão e a caligrafia com vantagem na fluidez do gesto e na rapidez.”

Enrique Dans, professor na IE Business School (Madrid): “Tenho uma filha de 20 anos que sabe escrever à mão, mas escreve muito pouco. Passa o tempo à frente de um teclado e é surpreendente constatar a rapidez com que usa o teclado do telemóvel.”

A caligrafia foi salva pelos ecrãs táteis e pelas canetas Stylus?

Isabelle Montésinos-Gelet, professora na Universidade de Montreal: “Não me oponho a que a tecnologia se desenvolva de forma a que a caligrafia também esteja presente a este nível. Mas não considero que isso seja indispensável, porque, no meu ponto de vista, a escrita à mão ainda tem belos dias pela frente.”

Enrique Dans, professor na IE Business School (Madrid): “O teclado, o computador, deve estar presente na educação desde a primeira hora, incluindo o smartphone. O que se está a fazer em Espanha é justamente o contrário. Existem comunidades autónomas que legislaram no sentido de impedir o uso de smartphones na sala de aula. Temos de questionar-nos sobre como integrá-los em vez de eliminá-los.”

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Japão: Um salva-vidas para os caracteres kanji

Vimos alguns argumentos sobre a manutenção, ou não, da caligrafia em alguns idiomas, mas será que as mesmas questões se colocam em relação a outros sistemas?

Tentámos perceber isso mesmo no Japão, um país em que o sistema de escrita é apontado com um dos mais complicados em todo o mundo.

Neste país, mais do que nunca, a linguagem escrita tornou-se presente no dia a dia. E a escrita digital converteu-se na ferramenta de comunicação favorita para as novas gerações. Graças à tecnologia escreve-se mais, de forma mais rápida e curta.

Mas num país como este, em que a linguagem escrita implica a memorização de milhares de sinais complexos e de ideogramas, os jovens podem estar a perder a capacidade de escrita, cada vez mais refém da tecnologia e dos telemóveis.

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A caligrafia é uma arte em movimento

O calígrafo Hiraku Sato é um acérrimo defensor da escrita à mão, porque melhora a arte a que se dedica mas também porque considera a escrita manual como parte de um processo físico que implica o uso de todo o corpo.

O significado correto depende do número de movimentos e da direção. Sato acredita que a capacidade das pessoas em recordar os caracteres mais complexos é penalizada com as tecnologias modernas: “Mesmo escrevendo com um teclado esquece-se a maneira de escrever o caracter. Os caracteres aprendem-se com o corpo: movimento acima, abaixo, à esquerda, à direita. Como o exercício. Aprende-se com o corpo e quanto menos se praticar mais se esquece.”

A multiplicação de telemóveis e computadores pode trazer boas notícias. Pelo menos no entender de Itsuki Nagasawa, investigadora de História da língua japonesa na Universidade de Tóquio, isso pode ajudar as pessoas a melhorar o vocabulário: “Apesar das pessoas terem perdido a capacidade de escrever kanjis, ou ideogramas, à mão, graças ao computador podem agora usar caracteres que antes não usavam. Não só no dia a dia mas também em jornais, documentos académicos ou dissertações. O caracteres que antes não podiam escrever à mão podem agora ser escritos.”

Num país no qual o futuro coexiste permanentemente com as tradições mais antigas, a mensagem parece ser a de que a tecnologia digital está a mudar a linguagem, mas nem sempre para pior.

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A questão impõe-se: É ou não boa ideia abandonar a caligrafia?

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