Portugal: A Revolta Silenciosa

Portugal: A Revolta Silenciosa
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De  Nuno Prudêncio
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Porque não surgiu em Portugal um partido como o Syriza ou o Podemos?

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A ausência de partidos políticos alternativos em Portugal com uma base eleitoral expressiva, como o grego Syriza ou o espanhol Podemos, convoca interrogações. Houve milhares de portugueses a protagonizar cenas de protesto e violência no final de 2012, contra o plano de austeridade que o governo se preparava para aprovar. Episódios raros num país onde, habitualmente, o descontentamento com o poder é mais silencioso e se traduz sobretudo numa falta de participação em eleições.

Depois do programa de resgate e das imposições da Troika, Portugal assistiu a um aumento dos impostos sem precedentes: a carga fiscal é uma das mais altas da UE, apesar de ser um dos países com os salários mais baixos.

As medidas de austeridade provocaram uma emigração em massa. Estima-se que, desde 2011, aproximadamente meio milhão de portugueses terá abandonado o país. A escolha, mesmo dos licenciados, é a resignação ou a emigração.

A insatisfação entre a população mais jovem é preocupante. No entanto, estima-se que 60% dos jovens, entre os 15 e os 24 anos, não manifesta qualquer interesse na política. As percentagens de abstenção são tradicionalmente elevadas.

Depois de tanta provação económica e social, a paisagem política não mudou significativamente. O equilíbrio do poder mantém-se entre Socialistas e a Direita, que assumiu a governação em 2011 – estando a esquerda fragmentada em pequenos grupos, com pouca expressão nas urnas. Os movimentos de contestação não chegam a assumir-se como uma alternativa ao poder, não tendo conquistado fatias importantes do eleitorado, como o Syriza ou o Podemos.

O jornalista da euronews, Nuno Prudêncio, conversou com Raquel Varela, investigadora em História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

Nuno Prudêncio, euronews: Porque é que em Portugal não surgiu um partido saído da contestação com um eleitorado sólido, como o Syriza na Grécia ou o Podemos em Espanha?

Raquel Varela: Eu avanço com quatro explicações. Primeiro, é que nós temos uma situação de pacto social em que o centro dos conflitos sociais – normalmente, as fábricas ou as empresas, os locais de trabalho – foi amortizado pela família. Ou seja, o prolongamento dos filhos até tarde na casa dos pais garantiu essa estabilidade social. Mas isso é um fenómeno que também aconteceu em Espanha, na Grécia e noutros países do sul da Europa, nas últimas três décadas. Há a questão dos programas assistencialistas que têm sido muito ampliados. Não o Estado Social, porque o Estado Social é de todos para todos. Os programas assistencialistas, como o rendimento mínimo, tendem a ser uma gestão permanente das altas taxas de desemprego e isso tem um efeito amortizador dos conflitos sociais. Eu penso que a grande diferença de Portugal é que nós tivemos um processo revolucionário mais tardio, que constituiu um grande partido comunista e os movimentos sociais. O Partido Comunista Português tem um fator de contenção do regime democrático-representativo.

euronews: No final de 2012, assistimos a cenas de violência e de protesto raras em Portugal. A revolta dos portugueses continua a ser silenciosa, ou seja, através da abstenção nas urnas que é tradicionalmente elevada?

Raquel Varela: Um dos temas mais interessantes das sociedades europeias neste virar do século é a questão da abstenção. É um fenómeno de crítica institucional, de crítica à ideia de que o voto tem muito pouco efeito real na vida das pessoas. Isto no quadro em que instituições internacionais, com o acordo das instituições nacionais – portanto, a maioria dos parlamentos – decidem que há uma série de medidas que nem sequer passam por eleições. É o caso da Comissão Europeia ou do memorando de entendimento. Tudo isso leva a um desgaste profundo do regime democrático-representativo, que eu penso que ainda não é um desgaste definitivo. Nós não estamos à beira do colapso do regime democrático. Aquilo que os movimentos sociais reivindicam é que a democracia não pode ser meramente formal. Tem de haver democracia social, económica, deve haver controlo estratégico dos investimentos e das principais empresas da sociedade.

euronews: O envelhecimento da população e a emigração massiva de jovens explicam, em certa medida, uma resignação, uma ausência de rutura com o poder a nível nacional e com as instituições europeias?

Raquel Varela: Nós temos uma geração ou duas gerações que se tornaram adultas a partir do final da década de 80, no pacto social e, portanto, numa ideia de ausência de conflito, numa ideia de que as pessoas não se organizam politicamente. O questionamento dos partidos não surge no caminho da construção de outros partidos, surge no caminho da busca de soluções individuais. A ajuda familiar – a maioria dos desempregados em Portugal vive da ajuda familiar -, a emigração – nós temos hoje, provavelmente, a maior taxa de emigração de sempre, equiparável ou superior à década de 60. Ou seja, as saídas individuais têm permanecido sobre as saídas coletivas.

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