TPIJ: O tribunal que julga a morte entre irmãos

TPIJ: O tribunal que julga a morte entre irmãos
De  Nuno Prudêncio
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Ao longo de vinte anos, o tribunal internacional de Haia julgou crimes de guerra na antiga Jugoslávia. Mas trata-se de um organismo que é alvo de muita polémica.

Foi o pior conflito na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Os Acordos de Dayton, que puseram cobro ao confronto que dilacerou os Balcãs, foram assinados há 20 anos. Depois disso começou uma outra etapa: a de encontrar os responsáveis pelos crimes de guerra e contra a Humanidade cometidos na guerra bósnia. A exigência pela intervenção da justiça internacional iniciaria um longo caminho.

“Presidentes, generais, primeiros-ministros, altos representantes políticos – todos estiveram envolvidos em crimes de guerra e contra a Humanidade. E foram levados a tribunal”, salienta Carla Del Ponte, a antiga procuradora suíça que estes processos catapultaram mundialmente.

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) foi criado em 1993, em pleno derramamento de sangue na Bósnia. Foi o primeiro organismo judicial internacional a ser estabelecido depois de Nuremberga.

“Estamos a falar de um processo de limpeza étnica, em mais de 40 localidades, entre 1992 e 95. Estamos a falar dos três anos que durou o cerco de Sarajevo. Estamos a falar do genocídio de Srebrenica. Estamos a falar do sequestro dos capacetes azuis. Estamos a falar das cerca de 100 mil vítimas que a guerra na Bósnia fez. Estamos a falar de mais de um milhão de páginas de documentos sobre o conflito. O que estou a querer dizer é que tudo leva o seu tempo. O papel de um tribunal internacional não é apenas o de condenar pessoas o mais rapidamente possível. É mostrar a magnitude dos crimes que foram cometidos e dar um espaço às vítimas e aos sobreviventes para contarem o que aconteceu” sublinha o procurador Serge Brammertz.

Ed Vulliamy, jornalista e testemunha nos processos, realça que “há uma espécie de intimidade macabra que diferencia o massacre na Bósnia. As pessoas conheciam-se umas às outras. Torturavam-se os amigos de infância, aqueles com quem se jogou à bola em miúdo. E depois voltaram a encontrar-se no tribunal. As testemunhas tinham de identificar os acusados. Pedia-se que os apontassem. E elas apontavam. Durante o julgamento de Tadic, por exemplo, ele vociferava coisas, ou tinha uma espécie de sorriso nos lábios, ou desviava o olhar se fosse uma mulher que tinha sido violada. Isto não é matéria para estudantes de Direito, isto é matéria para os escritores. A história da guerra continuava dentro do tribunal.”

Kada Hotic, uma das Mães de Srebrenica, revela sentir-se “desesperada perante o tribunal. Parece que estão sempre à procura de uma razão para não condenar. A maior parte das vezes, hoje em dia, é porque os réus estão doentes. Alguns têm cancro. Ou são já demasiado idosos e não chega a haver veredito. No caso do Vojislav Seselj, a Procuradoria e os advogados de defesa nem sequer viram uma sentença. Ele foi libertado por razões de saúde. Primeiro deviam ter apresentado o veredito e só depois o libertavam.”

O líder ultranacionalista sérvio Vojislav Seselj foi acusado de crimes de guerra em 2003. Invocando razões de saúde, o tribunal libertou-o, mas ele continua a protagonizar controvérsias. O processo ainda não terminou e Seselj deverá voltar em breve a Haia. Ele garante que não regressa. “Eu estava realmente doente, mas essa não foi a razão para me libertarem. Eles não sabiam o que fazer comigo. Passaram doze anos e ninguém conseguiu chegar a uma decisão. Ninguém conseguiu estabelecer uma ligação entre a minha pessoa e os crimes de guerra. Esse é que foi o grande problema no tribunal. Eu era uma espécie de ‘enfant terrible’. Provoquei-lhes vários problemas porque eu próprio era o melhor advogado que lá estava”, afirma Seselj.

O tribunal produziu mais de 160 acusações. Três casos resultaram em absolvição. O general croata Ante Gotovina foi condenado por crimes de guerra, mas depois ilibado no recurso. Foi recebido no seu país como um herói. O mesmo aconteceu com o general sérvio Momcilo Perisic. De acordo com Theodor Meron, o presidente cessante do TPIJ, “é sempre controverso absolver alguém nestes casos. E é ainda mais controverso porque se trata de uma questão muito politizada. Apesar de todos os progressos que foram feitos, continua a existir tensão entre os grupos étnicos e nacionais. Esses progressos devem-se, em grande medida, ao trabalho deste tribunal. A verdade é que um tribunal internacional tem de analisar cuidadosamente todas as provas e determinar, além de qualquer dúvida razoável, se alguém é culpado ou não.”

Para muitos, faltam ainda dois vereditos essenciais para conseguir começar a fechar este capítulo: o do antigo líder político dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, e o do líder militar, Ratko Mladic. Mas nem tudo gira à volta do que vai acontecer no tribunal, como relembra Kada Hotic: “Fiquei sem filho, sem marido, sem dois irmãos e sem o meu cunhado. Perdi 56 membros da minha família. Enquanto não houver um reconhecimento por parte dos que cometeram o genocídio – e, hoje em dia, eles continuam a negar tudo o que aconteceu -, não há perdão possível.”

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