Os espanhóis sentem que o país vai melhor?

Os espanhóis sentem que o país vai melhor?
De  Nuno Prudêncio
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A Espanha regressou realmente ao caminho do crescimento? O governo aponta para o fim da crise. Mas, para grande parte da classe média, as coisas não são bem assim.

A região de Aragão, em Espanha, é considerada um barómetro eleitoral: normalmente, o partido que ganha aqui, conquista todo o país. No entanto, as eleições de 20 de dezembro trazem mais incógnitas do que é costume. O governo anuncia que a crise terminou porque a economia está a crescer a um ritmo de 3%.

Mas não é difícil encontrar quem não entenda a realidade dos números. Charo Martín vive em Saragoça. A reforma que recebe é relativamente reduzida, mas dá para ir ajudando o seu filho de 36 anos, que está desempregado. Ainda não foi necessário acolhê-lo de novo em casa, ao contrário do que acontece com alguns dos seus amigos.

“Os nossos filhos estão no desemprego. Tenho uma amiga que teve de receber em casa a filha, o marido e os filhos deles – ao todo, são cinco. Felizmente, o núcleo familiar em Espanha, como acontece noutros países mediterrânicos, ainda funciona. As pessoas colaboram, há solidariedade familiar”, considera.

Pela primeira vez desde 1999, a Espanha registou, durante o primeiro semestre deste ano, uma taxa de mortalidade superior à da natalidade. “Ficas sem trabalho. Até podes vir a encontrar qualquer coisa. Mas entretanto o tempo passa. Esperas meses, anos até arranjar emprego, até ter alguma estabilidade na tua vida, até poder ter estabilidade emocional. Por isso é que digo que o sistema em que vivemos é desumano”, declara Charo.

Os mais velhos têm de suportar uma carga que não parou de crescer. O aumento que o governo conservador previu para as pensões, em janeiro de 2016, volta a ser o mínimo legal, 0,25%, fasquia abaixo da inflação.

Pablo López tem 41 anos, está desempregado há seis meses e a sua família não o pode ajudar financeiramente. Recebe um magro subsídio mensal devido a um problema de saúde. Passa diariamente horas ao computador à procura de emprego, a enviar currículos. Pablo diz que tem havido um pouco mais de oportunidades no mercado, mas nada de muito significativo. O problema, salienta, é a idade: “Há subsídios para as empresas contratarem pessoas entre os 20 e os 30, 35 anos. Mas a faixa dos 35 aos 45, quando já se tem bastante experiência, é excluída. Só começa a haver subsídios de novo a partir dos 45… As pessoas com experiência não têm as oportunidades que deveriam ter.”

Partilhar casa, por exemplo – é algo que Pablo, como muitos outros, se vê forçado a fazer. Os velhos hábitos de vida moldam-se em torno das carências económicas. “As pessoas que estão ativamente à procura de emprego podem receber o subsídio de desemprego ou alguma ajuda… Mas têm sempre de eliminar rotinas do dia a dia. O que é preciso é pagar as despesas: a renda, a eletricidade, a água, a alimentação, o vestuário. Claro que há coisas que eu gostaria de fazer, mas que não posso: ir a um ginásio, passar um fim de semana com amigos, tomar um café de vez em quando. Também se gasta dinheiro a andar por aí a procurar emprego”, afirma.

Muitos jovens receiam mergulhar neste tipo de vivência. Nacho Serrano tem 20 anos e é estudante de Direito. O desemprego entre os jovens de menos de 24 anos em Espanha é superior a 50%. Para seguir a carreira de advogado, é obrigatório fazer um mestrado que custa cerca de 2500 euros. E é claro que, no final, o emprego está longe de garantido. Na verdade, Nacho pondera dedicar-se ao Direito Internacional para poder emigrar.

Segundo ele, “em geral, a visão do futuro aqui é muito pessimista. Mas também as pessoas tentam não pensar muito nisso. Dizem: ‘OK, por agora, as coisas estão bem. Tenho casa, os meus pais dão-me algum dinheiro, faço o meu curso, posso arranjar um biscate para ajudar…’ Não se pensa muito no que vem a seguir, porque as perspetivas não são as melhores.”

Nacho não esconde a frustração que sente quando compara a situação atual com as oportunidades e as expetativas que as gerações anteriores podiam ter. Nem ele, nem o seu círculo de amigos. Todos pensam em emigrar. Raul é estudante de mestrado em Engenharia; Alexandra também frequenta o curso de Direito; e Javier acabou de terminar a licenciatura em História.

Para Javier, “há uma grande diferença nas oportunidades que existem. Antes as pessoas quase que podiam escolher. Nem sempre era fácil, mas havia muito mais dinâmica. E os salários eram outros. Começava-se a trabalhar, recebia-se um salário que garantia a independência, podia-se sair de casa… Hoje em dia, é impossível.”

Já Raul considera que “se tiver de trabalhar numa área que não é a minha, vou estar a prejudicar a minha experiência no futuro. Para arranjar um emprego, perguntam-te que experiência é que tens. Se não tiveres porque estiveste a trabalhar noutra coisa completamente diferente, estás a perder a possibilidade de um dia vires a fazer aquilo que gostas. Mais vale ir para o estrangeiro e trabalhar na área em que estudaste, para continuares a aprender e a acumular experiência, do que ficar aqui só para ganhar a vida.” No entanto, salienta também que, lá fora, as condições também não são propriamente fantásticas: “Quando fiz Erasmus, conheci um belga que também estudava Engenharia e que dizia que os engenheiros espanhóis eram considerados… não vou dizer palavrões, mas que eram como párias na Bélgica, porque estavam dispostos a trabalhar por metade ou um quarto do salário de um engenheiro belga. Ou seja, no estrangeiro as condições são melhores, mas também não são fantásticas.”

Tal como noutros países, as gerações mais novas, mais qualificadas, vêem-se perante o caminho da emigração massiva, repetindo possivelmente o distanciamento que marcou as suas próprias famílias nos anos 60 e 70.

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