Prisões francesas têm a taxa de suicídios mais alta da Europa

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Em França, por cada dez mil pessoas detidas, mais de doze suicidam-se por ano, de acordo com as estatíticas do "Conselho da Europa". Nesta edição de "Insiders", a euronews procurou perceber porque oco

Há, em França, por cada dez mil detidos, mais de doze suicídios por ano, de acordo com as estatíticas de 2013 do Conselho da Europa . É quase o dobro de um país como a Espanha. A média europeia é de 7,6. Os métodos mais utilizados são o estrangulamento, abuso de drogas e ingestão de objetos.
Muitos perguntam-se como é possível que haja tantos suicídios nas prisões em França.

Um caso de suicídio na prisão de Maubeuge

Rahma perdeu o irmão em 2010 por abuso de drogas psicoativas na prisão de Maubeuge, a cerca de 80 quilómetros de Lille. Morad Zennati, de 31 anos, tinha sido condenado a dois anos de prisão por posse de marijuana. A espiral descendente começou nesse momento. Morad Zennati sofria de claustrofobia. “Fui visitar o meu irmão e vi uma pessoa com um metro e noventa e 120 quilos numa cadeira de rodas. Não sou médica, mas percebi que tinha um problema. Disseram-me então que se tratava de um manipulador que chorava o tempo todo. Disseram-me para não me preocupar, que ele não corria riscos. Um dia, voltei e não o vi”, afirma Rahma Zennati.

Morad tinha sido enviado para o hospital. As condições em que Rahma o encontrou deixaram-na chocada: “Quando cheguei, ele continuava com convulsões, após 48 horas, com respiração assistida e algemado à cama com um polícia ao lado. Perguntei ao polícia se achava mesmo que o meu irmão iria fugir. E percebi que havia outros pacientes na mesma situação. Fiquei sobretudo chocada quando vi a máquina que o ajudava a respirar”.

Rahma conta-nos: “O meu irmão não tolerava estar detido. Nunca tinha tomado benzodiazepinas ou anti-depressivos. Nunca foi adepto de drogas. O serviço médico do estabelecimento prisional forçou-o a tomar esses medicamentos, precisamente porque ele não suportava estar fechado. Para o serviço prisional é uma forma dos reclusos aguentarem o encarceramento”.
Nas coisas do irmão, encontrou pequenos sacos com 10 a 15 comprimidos valium, uma dezena de outros medicamentos, como xanax e todo o tipo de benzodiazepinas, antidepressivos e comprimidos para dormir. Rahma questiona-se: “Não poderia uma mistura como esta ser fatal para uma pessoa?”

Como funciona a distribuição de medicamentos

Há duas formas de dar os medicamentos aos reclusos. Todos são vistos por um psiquiatra à entrada para a prisão. Os que apresentam risco de suicídio são obrigados a tomar os medicamentos na presença de uma enfermeira. Os outros recebem-nos nas celas, duas vezes por semana, em quantidades suficientes para três dias. E o problema começa aqui. Muitos reclusos trocam entre eles medicamentos por cigarros. É um mercado negro que pode facilitar o suicídio. Além disso, alguns médicos prescrevem medicamentos com uma certa facilidade, como explicam estes enfermeiros da prisão de Longuenesse.
“Durante um ano os médicos chegam e partem, chegam e partem”, afirma Caroline Peret. “Ás vezes não resistem sequer duas semanas”, acrescenta o enfermeiro Farhi Rabah. Caroline continua: “Alguns, com menos ética, até receitam tudo o que os detidos lhes pedem. Os números registados na enfermaria permitiriam concluir que há cada vez mais medicação a ser receitada. Algo que os reclusos sabem: vai ao médico, dizem uns aos outros. Ele vai dar-te o que precisas.”

Nas últimas décadas a população prisional mudou, tornou-se mais frágil. “Há pessoas mentalmente frágeis, já vi algumas. Mas antigamente, víamos menos este tipo de pessoas. Os hospitais psiquiátricos são mais caros e, por isso, mantêm-nos nas prisões. Já vi várias vezes a acontecer e tenho a impressão que é cada vez mais habitual”, explica um recluso.

O número de pessoas com problemas mentais, como a esquizofrenia, nas prisões é cada vez maior. Cyrille Canetti, uma psiquiatra com largos anos de experiência em prisões, critica o sistema: “Isto leva-me a pensar que algo se passa com a França. As pessoas mais incómodas vão parar à prisão, sem a preocupação de saber o que realmente se passa com elas. Falo, sobretudo, do número de pessoas com problemas mentais, que tem aumentado nos serviços prisionais. Estes doentes começaram a ser excluídos da sociedade. São vistos como pessoas perigosas e não como pessoas em sofrimento. Por isso, a tendência é enviá-los para a prisão. E o lugar destas pessoas não é na prisão.”

Morad Zennati suicidou-se poucos meses antes de sair da prisão. As estatísticas mostram que casos como este acontecem com frequência. Talvez a saída da prisão seja um momento de grande angústia. Talvez a saída dos reclusos não seja bem antecipada ou preparada. Talvez.

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