Obtiveram estatuto de refugiados. E agora?

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Mutea obteve o direito de residência como refugiado na Holanda há dois anos. Ainda não arranjou emprego. Ajuda voluntariamente os recém-chegados a

Mutea obteve o direito de residência como refugiado na Holanda há dois anos. Ainda não arranjou emprego. Ajuda voluntariamente os recém-chegados a Haia a dominar a bicicleta, um meio de transporte incontornável neste país. Antes, na Síria, Mutea dirigia uma empresa de transportes que contava com milhares de camiões.

“Não custa nada andar de bicicleta: basta arranjar uma e já está. Os transportes públicos holandeses são demasiado caros para os refugiados. Mais, faz bem à saúde. Posso ir a todo o lado, às lojas, à escola… Aqui na Holanda, até os ricos se deslocam diariamente em bicicleta. Não importa se és rico ou pobre: toda a gente anda de bicicleta”, diz-nos.

Pode, à partida, parecer um elemento irrelevante para a integração dos refugiados. Mas não é. Os códigos culturais e comportamentais de um país são muito diversos. Para entender o modo de vida holandês, este meio de locomoção é nada menos do que essencial. Said, outro refugiado, contava-nos que “na Somália, não há tantas bicicletas e não há regras nenhumas. Isso é evidente: as regras de tráfego são completamente diferentes aqui na Europa. E nós temos de as aprender, até por uma questão de segurança.”

As políticas holandesas de integração estipulam que os refugiados devem participar nas atividades comunitárias organizadas na zona onde vivem. A vizinha Alemanha recebeu mais de um milhão de refugiados no ano passado. Cerca de três mil foram enviados para Bielefeld.

Fares veio do norte da Síria. Também ele obteve o direito de residência. Mas ainda não conseguiu validar a carta de condução. É um dos seus objetivos agora, porque pretende arranjar um emprego como condutor para pagar o curso de Medicina que sonha fazer. A Cruz Vermelha alemã providencia aulas de condução a refugiados. Também ele ainda não se habituou a alguns procedimentos.

“Se virarmos à direita, e houver uma ciclovia, temos de olhar bem por cima do ombro: pode surgir uma bicicleta por detrás do carro. Na minha terra, não há faixas para ciclistas, não há sinais que nos obriguem a parar. Tudo isto é novo para mim”, desabafa.

INSIDERS - The challenge of integrationFares costuma frequentar o Rege-Port, o chamado “café dos idiomas”, um espaço onde os habitantes de Bielefeld vêm voluntariamente ensinar a língua alemã através de jogos, por exemplo. Na verdade, os refugiados têm direito a até 900 horas de aulas de alemão.

“Usamos imagens e trabalhamos muito a linguagem corporal, que é essencial. Mexemo-nos muito durante as aulas. E depois também interagimos de pé num círculo ou sentados no chão”, explica a professora da Rege-Port, Mari Ramishvili.

Já na Holanda, a política de apoio aos refugiados prevê uma espécie de retorno, ou seja, há sanções se não houver um envolvimento no processo de aprendizagem e se não houver resultados mínimos alcançados.

A coordenadora da escola de línguas Elycio, Lonia Troost, explica que “cada refugiado recebe um empréstimo de 10 mil euros do governo para poder pagar as aulas e aprender holandês. Ao fim de três anos, se conseguirem passar nos exames, o empréstimo transforma-se num donativo: caso contrário, têm de devolver esse dinheiro.”

Um estudo, apresentado recentemente por alguns grupos de reflexão, lança este alerta: apenas uma em cada três pessoas que obtiveram o estatuto de refugiados na Holanda arranjou um emprego. Este é apenas um dos estudos que denuncia décadas de políticas ineficazes.

Para o sociólogo Godfried Engbersen, a realidade é que se estão desperdiçar muitos trabalhadores qualificados: “No passado, a integração dos refugiados na Holanda foi um desastre. Eu liderei um estudo sobre pessoas que foram chegando a este país: elas demoraram cinco anos a entrar no mercado de trabalho. Nós temos de acelerar a integração nos primeiros três anos.”

Em Bielefeld, existe um gabinete municipal que serve de ponto de encontro entre refugiados que procuram trabalho e empregadores que buscam mão de obra. O diretor, Klaus Siegeroth, considera que “é difícil integrar refugiados no mercado de trabalho. Muitas vezes faltam qualificações profissionais e o domínio da língua. Um refugiado necessita de, pelo menos, quatro a cinco anos para obter as competências mínimas. É ilusório pensar que basta um ou dois anos para os incorporar. Quem acredita nisto está errado e vai enfrentar muitas frustrações.”

Fares conseguiu arranjar um emprego. Ajuda os recém-chegados a tomar contacto com a cidade e com as formalidades necessárias. A facilidade natural que tem em aprender línguas acelerou consideravelmente as coisas. Já se candidatou a uma universidade, mas foi recusado. Ann-Kathrin Zarfl dá-lhe aconselhamento para concretizar a ambição de ser médico. “Há formações muito interessantes: enfermagem, assistência hospitalar ou em serviços geriátricos… Assim, pode ir ganhando alguma experiência no terreno e melhorar as hipóteses de um dia entrar para a universidade”, diz-lhe.

Fares acalenta um plano muito claro: “Quando acabar o curso de Medicina e, esperemos, a situação melhorar na Síria, pretendo trabalhar como médico no meu país. Era isso que eu gostava de fazer.”

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Bónus web

Godfried Engbersen: ‘A integração dos refugiados tem sido um desastre’

Entrevista (em inglês) com um dos mais reputados especialistas holandeses em migrações.

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