Martin Schulz: "A UE encontra-se num estado lamentável"

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“Uma promessa quebrada” foi a expressão utilizada por Martin Schulz. Para um número crescente de europeus, a Europa tornou-se sinónimo de fracasso

“Uma promessa quebrada” foi a expressão utilizada por Martin Schulz. Para um número crescente de europeus, a Europa tornou-se sinónimo de fracasso, quer falemos da crise migratória, da economia ou da segurança. A jornalista Isabelle Kumar foi a Estrasburgo discutir estes temas com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz.

Isabelle Kumar, euronews: Parece que assistimos a um suicídio lento e doloroso quando observamos a Europa neste momento. Chegamos a um ponto de não retorno?

Martin Schulz: A sua descrição é absolutamente justificada. Encontramo-nos num estado lamentável no interior da União Europeia. Há forças centrífugas que ganham eleições, referendos… Se pusermos a Europa e a integração em causa por princípio, estamos a brincar com o futuro da próxima geração, porque o século XXI é um século de cooperação e competição das regiões mundiais e não de pequenos países como o meu… Sim, porque a Alemanha tem 80 milhões de habitantes, mas a China tem 1,4 mil milhões de habitantes. Como podemos sobreviver neste século XXI sós? Aqueles que me dizem que é preciso acabar com a Europa tal qual ela é e “renacionalizar” brincam com a segurança e o futuro de toda uma geração.

Isabelle Kumar, euronews: Falou de integração… Um dos grandes dossiês neste momento é o Brexit. Pensa que é verdadeiramente possível que o Reino Unido decida abandonar a União Europeia?

Martin Schulz: É bem possível. As sondagens dizem-nos que as duas campanhas estão taco a taco. Espero que isso não aconteça, mas não está excluído. A saída do Reino Unido da União Europeia será um desastre tanto para a União Europeia, como para o Reino Unido.

Isabelle Kumar, euronews: Mas, segundo algumas opiniões, o Reino Unido não é um membro que respeite as regras, que queira mais integração… Por que quer o Reino Unido dentro da União?

Martin Schulz: É um país do G7, uma potência com direito de veto no Conselho de Segurança, é a segunda economia da UE nos mercados internos. Nós precisamos do Reino Unido.

Isabelle Kumar, euronews: Há que lidar com isso?

Martin Schulz: Sim. O Reino Unido, por outro lado, deve compreender que pertence ao G7, porque é a segunda economia europeia, porque é um membro integrado nos mercados internos, ou seja, romper com isso vai reduzir a importância, a influência e a potência económica que é o Reino Unido.

Isabelle Kumar, euronews: Está disponível para fazer mais concessões ao Reino Unido?

Martin Schulz: Não. Nós negociámos com o Reino Unido um pacote que vai ser agora votado. Portanto, a mensagem de alguns de que é preciso votar não para conseguir um “better deal”, um acordo melhor, não é verdade. O acordo já existe. Cabe aos britânicos dizer sim ou não.

Biografia: Martin Schulz

  • Martin Schulz é o atual Presidente do Parlamento Europeu
  • Começou a carreira política, aos 19 anos, quando aderiu ao partido Social Democrata
  • Na adolescência queria ser jogador de futebol
  • Há rumores de que Schulz está interessado em concorrer à chancelaria alemã nas eleições federais de 2017

Isabelle Kumar, euronews: Pedimos aos internautas que nos enviassem questões para esta entrevista. Armin pergunta: “Caso o Reino Unido decida sair da UE a 23 de junho, qual será o principal desafio depois da sua partida?”

Martin Schulz: Penso que a zona euro deve reagir imediatamente. A zona euro, composta por 19 Estados-membros, tem uma moeda única, mas 19 políticas económicas diferentes para o trabalho, os impostos… É preciso pôr ordem na zona euro. Portanto, quer o Reino Unido saia ou fique, penso que a zona euro deve aprofundar a cooperação política.

Isabelle Kumar, euronews: Há um plano de ação para a saída?

Martin Schulz: Infelizmente não. Creio que um dos problemas da zona euro é o desequilíbrio macroeconómico, ou seja, o desenvolvimento bastante heterogéneo no seio da zona euro. É preciso acabar com isso, quer o Reino Unido permaneça ou saia. Mas creio que no momento da saída, os outros membros devem perceber que esse será o momento de agir e, de qualquer forma, depois de 23 de junho, é preciso discutir a futura estrutura da União Europeia.

Isabelle Kumar, euronews: É possível um divórcio amigável?

Martin Schulz: O divórico é sempre difícil. Creio que ainda é muito cedo para especular sobre o que se vai passar depois de 23 de junho. Não quero discutir isso agora. O que desejo é convencer a maioria dos britânicos a votarem pela permanência, porque é uma situação em que todos ganham, enquanto a saída é uma situação em que todos vão perder.

Isabelle Kumar, euronews: Passemos do Brexit ao Grexit. A Grécia é notícia todos os dias. Pensa que os novos sacrifícios que os credores estão a pedir à Grécia serão suficientes para tirar o país da crise e mantê-la na União Europeia?

Martin Schulz: Três respostas muito breves: primeiro, creio que na segunda-feira encontrámos um bom caminho para resolver o problema atual; segundo, penso que não precisamos de uma reestruturação da dívida… Foi a primeira vez que discutimos isso…

Isabelle Kumar, euronews: Contra a Comissão Europeia e a Alemanha…

Martin Schulz: A Comissão não está reticente a debater e mesmo a Alemanha aceitou o debate. Eu pertenço a um partido que integra o Governo alemão. Somos a favor desse debate e o ministro alemão das Finanças não o recusou. Terceiro, é preciso acabar com a ideia de que é possível pedir outros sacrifícios. Não podemos reduzir mais os salários, nem as pensões, nem as reformas. O que é preciso é reconhecer que a Grécia em 2015 teve um superávit primário, ou seja, os sacrifícios que pedimos aos gregos estão agora a dar resultados positivos.

Isabelle Kumar, euronews: Pensa que as medidas de austeridade aplicadas aos gregos foram demasiado longe?

Martin Schulz: Sabe muito bem que eu jamais apoiei essas medidas de austeridade. É preciso corrigir o orçamento, reestruturar a dívida soberana, mas sem crescimento ou emprego que aumente a parte das receitas de um orçamento, jamais vamos conseguir corrigi-lo a longo prazo.

Isabelle Kumar, euronews: Agora que a Grécia se bate contra essas forças económicas para salvar a economia, ela está também na primeira linha da crise dos refugiados. Sobre o acordo entre a União Europeia e a Turquia, o internauta Niko Kulik enviou-nos a seguinte questão: “O que é que vão sacrificar em nome desse acordo com a Turquia? Vão fechar os olhos às violações dos Direitos Humanos ou, pelo contrário, fazer pressão para que ela os respeite, mesmo que isso leve ao fracasso do acordo?”

Martin Schulz: Claro. Foi isso que fiz na semana passada. Parei o projeto para a liberalização de vistos que foi apresentado ao Parlamento pela Comissão, porque a Turquia não cumpriu as 72 medidas solicitadas. Entre estas, uma reforma do parágrafo antiterrorista, uma reforma da proteção de dados… tal como esse senhor mencionou, se a Turquia continuar nesse caminho, a dizer que não reforma a lei antiterrorista, não vamos começar aqui com as deliberações sobre a liberalização dos vistos.

Isabelle Kumar, euronews: O que pensa do facto de o presidente Erdogan ter dito “nós seguimos à nossa maneira e vocês à vossa”. Acha que é um parceiro fiável a longo prazo? Mas precisa da ajuda dele, não precisa?

Martin Schulz: Nós somos parceiros que necessitamos de uma cooperação mútua. Não imagino que o senhor Erdogan possa sair desta cooperação. Nós estamos dispostos a cooperar, mas a Turquia prometeu fazer as reformas, para que comecemos com a nossa parte do acordo.

Isabelle Kumar, euronews: Vai esperar por medidas concretas?

Martin Schulz: Apesar de ter feito promessas, a Turquia está agora a recuar. Esta é uma situação nova. Por isso, temos de discuti-la, mas se a Turquia não introduzir estas reformas, então, no Parlamento Europeu não podemos legislar. No entanto, se o senhor Erdogan considera o acordo suspenso, algo em que não acredito, será uma pena, nós vamos encontrar uma solução dentro do respeito mútuo e da cooperação mútua. Mas o respeito mútuo quer dizer, e gostaria de sublinhar isto, que é preciso que respeitemos a Turquia, mas também que a Turquia respeite as nossas regras.

Isabelle Kumar, euronews: A Europa é fiel aos seus princípios de Direitos Humanos quando trabalha com a Turquia, porque há também a forma como ela trata os refugiados.

Martin Schulz: Criticamos a Turquia quando achamos que não respeita as regras internacionais. Mas há também um ponto em que devo ser sincero – a razão pela qual respondo à sua questão. Estive na Turquia, onde visitei vários campos de refugiados, e gostaria que, em muitos Estados-membros da União Europeia, os refugiados fossem tratados como na Turquia. É uma crítica que não está de todo justificada. Nos campos de refugiados da Turquia, o país faz de tudo para acompanhar os refugiados.

Isabelle Kumar, euronews: Um dos efeitos da crise dos refugiados são os muros que se erguem em toda a Europa para parar o afluxo de pessoas. Será que esta realidade faz parte da paisagem europeia? O que pode fazer contra estes muros?

Martin Schulz: Precisamos de proteger as fronteiras exteriores com as regras existentes, tratando todos os casos individualmente e precisamos de um sistema de relocalização entre os 28 membros da União Europeia.

Isabelle Kumar, euronews: Tendo em conta o estado atual da situação…

Martin Schulz: Não, esse não é absolutamente o estado que temos. Se existir um milhão de refugiados e se os repartir por 28 Estados-membros e 500 milhões de habitantes, isso não vai causar qualquer problema.

Isabelle Kumar, euronews: Foi esse o plano A, que não funcionou.

Martin Schulz: Porque a maioria dos Estados-membros não contribuiu para a relocalização como o fizeram a Alemanha, a Grécia, a Itália. Isso coloca-lhes problemas. A questão não é a Europa. A questão é o nacionalismo de alguns governos nacionais. Voltando à primeira questão, é isso que conduz a Europa à crise. Alguns países que não participam na relocalização, que levantam o problema pela sua ação nacionalista, dizem que a Europa é incapaz de resolver a crise migratória. É de um cinismo sem precedentes.

Isabelle Kumar, euronews: Volto à minha questão, os muros foram erguidos e vão continuar porque, de momento, não existe uma solução para a crise migratória…

Martin Schulz: A questão justifica-se. É verdade, existe uma maioria visível, talvez metade ou menos, dos Estados-membros que dizem que é um problema alemão, que eles não podem fazer nada. É lamentável porque o preço não vai ser pago por si, nem por mim, o preço vai ser pago pelos refugiados.

Isabelle Kumar, euronews: Mencionou as forças eurocéticas, falamos sobre a paisagem europeia… O que deve ser feito agora? Trabalhar com as forças eurocéticas porque passaram a fazer parte da paisagem política tradicional? Como é que se pode trabalhar com eles?

Martin Schulz: Tradicionalmente, não.

Isabelle Kumar, euronews: Saíram das margens e fazem parte de …

Martin Schulz: Mas a tradição europeia não é ser xenófoba, racista, antieuropeia.

Isabelle Kumar, euronews: Poderá tornar-se [tradição]?

Martin Schulz: Eles fazem-se ouvir, fazem muito ruído, mas não representam de todo a maioria. De qualquer forma, tem 650 deputados no parlamento europeu, repito 650 deputados, que são pró-europeus. Significa que a maioria esmagadora é pró-europeia. Recuso, com todos os meios, que aqueles que fazem mais barulho sejam considerados a maioria.

Isabelle Kumar, euronews: Existem partidos eurocéticos que ganham eleições na Europa…

Martin Schulz: Não, eles não ganham as eleições.

Isabelle Kumar, euronews: Preocupa-se com o aumento destes números…

Martin Schulz: Não é certo que esses números representem a maioria. É preocupante que tenham tantos votos. Mas concordo consigo quando diz que, se dermos espaço aos que fazem mais barulho e se a maioria silenciosa não se mobilizar, vão alcançar o que pretendem. Isto é, governar o país. A minha estratégia é, em primeiro lugar, mostrar que as forças eurocéticas não são a maioria e, em segundo, mobilizar a maioria contra essas forças.

Isabelle Kumar, euronews: Todas estas crises estão relacionadas. O terrorismo designado de “origem interna”, em que os cidadãos se viram contra os seus, será a representação física de um dos maiores fracassos da Europa.

Martin Schulz: Um fracasso da Europa porquê?

Isabelle Kumar, euronews: Porque se tratam de cidadãos da Europa que se voltam contra os seus concidadãos…

Martin Schulz: Não acredito que seja contra si ou contra mim. É contra um sistema, contra um estilo de vida. Mas a Europa não é responsável pelos subúrbios de Paris. Não foi a Europa que criou Molenbeek. Talvez se virem contra o modelo de vida europeu. A Marine le Pen também nega o modelo europeu. Não são apenas estas pessoas que são contra a Europa. Não podemos dizer que a única coisa que funciona são os governos das capitais nacionais e o que não funciona é a Europa. Não se trata de um fracasso da União Europeia, mas talvez de um ataque contra a sociedade europeia – nesse ponto concordo consigo. Mas, mais uma vez, a sociedade europeia é ameaçada por diferentes lados.

Isabelle Kumar, euronews: Comemorámos recentemente o Dia da Europa, uma data importante para alguns. George Kozi pergunta: “Porque é que os dirigentes europeus fazem um mau trabalho de comunicação sobre as coisas boas trazidas pela União Europeia?”

Martin Schulz: Não percebi a questão. Trabalho de manhã à noite com o propósito de passar uma mensagem construtiva na Europa.

Isabelle Kumar, euronews: Porque motivo não entendem a sua mensagem?

Martin Schulz: Não sei. Não lhe posso responder a isso. É uma questão absolutamente injustificada porque a minha mensagem, o meu objectivo, é recebido.

Isabelle Kumar, euronews: Porque não percebem os seus argumentos?

Martin Schulz: Mais uma vez, não posso responder a essa questão porque não acredito que aborde o problema principal. A questão central é que a União Europeia não é um Estado federal, nem a comissão um governo federal, nem eu sou o Presidente de um parlamento federal. Somos uma associação, uma união de Estados soberanos com governos nacionais. Os governos nacionais, como a França, o Reino Unido em particular, a Alemanha, a Itália têm a mesma estratégia. No caso de sucesso, o êxito é do país e no caso de insucesso, o fracasso é da Europa. É um dos maiores problemas para passar uma mensagem positiva porque após 20 anos adotámos esta estratégia: o sucesso é nacionalizado, o fracasso é europeizado. E talvez seja por existir esse problema que me coloca esta questão.

Isabelle Kumar, euronews: Passemos à última questão. Analisámos o futuro da Europa – e quanto ao seu futuro?
O seu mandato deverá terminar em 2017, por coincidência no mesmo ano das eleições federais na Alemanha e Friedel Koch, pergunta: “Está perto de se tornar o próximo chanceler da Alemanha?” Pedi-lhe que fosse sincero no início da entrevista e volto a pedir-lhe agora.

Martin Schulz: Antes de mais, deixe-me elogiá-la porque nunca ouvi ninguém que não é alemão pronunciar o apelido Koch de uma maneira tão precisa. É difícil.
Fui eleito até janeiro de 2017. Especular sobre o que se passará no outono de 2017…

Isabelle Kumar, euronews: Não falta muito tempo.

Martin Schulz: Sinceramente, a minha resposta à questão… Nós discutimos intensamente – é o meu estilo – os problemas graves da Europa. Sou presidente de uma instituição europeia que tem o dever de salvar este projeto único da história do nosso continente. O meu papel é salvar esse projeto.

Isabelle Kumar, euronews: Por enquanto. Isso não é um não…

Martin Schulz: Na vida política, e sabe isso porque é jornalista, tal como soube pronunciar Friedel Koch…
Na vida política, hoje em dia, uma semana corresponde a um ano no passado. Ninguém tem a certeza de nada. O meu lugar é aqui. Trabalhei na política europeia durante toda a minha vida política.

We're filming now with @EP_President & asking some of your #AskSchulz questions! On air & online tomorrow 19:40 CET pic.twitter.com/X0i0nkV7ur

— euronews (@euronews) 11 de maio de 2016

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