"Nuit Debout", a França levanta-se: Revolução ou ilusão?

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De  Ricardo Figueira com Valerie Zabriskie
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O movimento popular nasceu com a contestação à lei do trabalho e com o filme "Merci Patron!".

Ver uma manifestação em Paris é tudo menos raro. Mas estes últimos protestos, não só na capital, como em toda a França, marcam pela persistência. Da oposição à nova lei do trabalho da ministra Miriam El Khomri nasceu o movimento “Nuit Debout” (Noite de pé). O nome vem das vigílias na Praça da República, em Paris, e outros locais de França. O movimento está a ser um abanão sério para o presidente François Hollande e para o governo.

“A Nuit Debout representa o povo que toma consciência de que o sistema político já não serve e que está pronto para tomar as rédeas da política”, diz Sophie Tissier, uma das organizadoras. Héléna Aujames faz também parte e dá uma opinião: “Muita gente pensa que a força do movimento Nuit Debout é constituir uma ágora, onde a palavra pública volta a ser pública. Isso é um fim em si”.

Protestos e violência

Outra vista familiar é a dos confrontos entre a polícia e os manifestantes, entre nuvens de gás lacrimogéneo. Muitas vezes, são os participantes mais violentos a iniciar os confrontos, mas as consequências são sofridas por todos.

A passagem da lei sem votação no parlamento fez estalar a ira.

Depois da manifestação, a euronews encontrou-se com os membros da “Nuit Debout”, na Praça da República, que o movimento ocupa desde o dia 31 de março: “Os movimentos de violência são inerentes a todas as manifestações. Já estive em muitas e acontece sempre isso, no fim. Não é uma coisa que me preocupe muito”, diz outro dos membros do movimento, Jules Ragueneau.

Para Jules e para os outros militantes da “Nuit Debout”, o importante é devolver a voz ao povo.

Galeria de fotos (da repórter Valerie Zabriskie):Nuit debout

Um movimento aberto a todos?

Todos os dias, faz-se uma assembleia-geral em que todos podem falar. As votações são feitas de braço no ar. Hoje, a discussão centra-se no protesto e na continuação das greves. Também há comissões, que tratam de um grande leque de tópicos.

Nuit Debout é um movimento que reivindica a horizontalidade, a igualdade entre todas as pessoas. Não há prémios de antiguidade ou de experiência. Há pessoas que estão cá desde o início, há outras que chegaram depois, algumas a meio, outras que vão ainda chegar. É assim. Não é isso que determina a importância das pessoas”, diz Jules Ragueneau.

Um movimento de pessoas em que todos são iguais e todas as ideias são bem-vindas – pelo menos, é a imagem que os líderes do movimento querem fazer passar. Desde que começou, há dois meses e meio, a “Nuit Debout” apareceu em muitos sítios. As réplicas multiplicam-se como cogumelos.

Todos são iguais e todas as ideias bem-vindas? Nem sempre. O intelectual Alain Finkielkraut foi expulso das manifestações e agredido.

O filme na origem dos protestos

Aqui na Praça da República, há uma orquestra “de pé”. A ecologia está “de pé”, a anti-globalização também. Há comissões e comités, onde todos têm a palavra. Sem agenda política ou uma liderança, pode a Nuit Debout ter um impacto social?

Para tentar ter uma resposta, fomos a Marselha falar com François Ruffin, editor do jornal de extrema-esquerda Fakir e também realizador do filme Merci Patron!, que está a ser um sucesso de bilheteira em França.

O filme foi, em grande medida, o impulso decisivo para a criação deste movimento. Na senda dos documentários de Michael Moore, em especial “Roger & Me”, “Merci Patron!” confronta um casal de operários que perdeu o emprego, quando a fábrica de têxteis onde trabalhava foi mudada para a Polónia, com o dono da empresa, Bernard Arnault, patrão do grupo LVMH e homem mais rico de França.

François Ruffin diz que a “Nuit Debout” não é um movimento espontâneo, mas algo planeado: “Durante a digressão de antestreias do filme, sentimos muita energia nas salas. As pessoas no fim perguntavam o que podiam fazer. Daí nasceu a ideia de, no fim da manifestação seguinte contra a lei do trabalho, ocupar uma praça. Foi isso que aconteceu no dia 31 de março. Houve uma ocupação da Praça da República, que começou, nessa mesma noite, com uma projeção de Merci Patron!

A “Nuit Debout” rapidamente se estendeu a várias cidades em França e até a outros países. Para Kamel Bendjeguellal, membro do movimento, o importante é o povo: “Para mim, a Nuit Debout tem a ver com os cidadãos retomarem o controlo sobre as coisas. Com esses cidadãos há escritores, há peças de teatro, há o filme Merci Patron!, cada um coloca uma pedra, toda a gente está connosco. Há advogados que estão com a Nuit Debout. Há coisas que se vão fazendo. O importante é que o mundo intelectual convirja com o mundo social”.

François Ruffin acrescenta: “Defendo a política feita a pequenos passos, mas conheço o sentimento de impotência. Em primeiro lugar, é preciso mostrar às pessoas que podemos ganhar. O filme já faz isso, mostra que conseguimos ganhar e até contra pessoas poderosas. As pessoas começam a dizer que somos mais fortes do que pensamos e que os patrões são mais frágeis do que poderíamos imaginar. Podemos reproduzir esta ideia em massa, que é o que se está a tentar com estas lutas em torno da lei do trabalho”.

Vai a “Nuit Debout” criar um partido?

Fazer política passo a passo para vencer uma batalha social é algo que em França se faz há muito tempo. Uma questão persiste: Pode este movimento vencer sem um partido político?

Desde que começou, a “Nuit Debout” tem sido comparada com outros movimentos, como o “Occupy Wall Street”, mas também com os “Indignados” de Espanha, que esteve na origem de um partido, o Podemos.

Gaël Brustier seguiu a “Nuit Debout” durante vários meses e escreveu um livro.

Valerie Zabriskie, euronews: Pensa que a Nuit Debout precisa de um partido político francês, como o Podemos?

Gaël Brustier: “Há quem pense que o Podemos é o pior que pode acontecer à Nuit Debout. No fundo, o Podemos representa os novos partidos da radicalidade, os partidos que já traíram o espírito dos indignados. Ou seja, podemos mudar o mundo sem tomar o poder. Qualquer aspiração a tomar o poder é uma traição às aspirações progressistas revolucionárias. É algo muito presente na Nuit Debout, desde o início, mas é apenas uma das verdades. Há pessoas que pensam o contrário, que é preciso entrar nas instituições e é assim que mudamos, progressivamente, as coisas”.

Apesar da revolta dos cidadãos, a nova lei do trabalho deve ter a aprovação final do Senado no início de julho. A “Nuit Debout” promete ocupar a Praça da República até lá e mesmo para além dessa data.

Alguns acham que que chega de passar noites de pé e é melhor ir para a cama: “Não sei se a Nuit Debout vai continuar ou não. Não sei o que lhe vai por termo. Só sei que, aconteça o que acontecer depois, esta experiência vai fazer com que as pessoas tomem consciência de que têm alguma coisa a dizer, algo a investir no domínio político, que não seja uma coisa privada. Mesmo se a Nuit Debout falhar, haverá certamente outros movimentos contestatários nos próximos anos. As pessoas vão lembrar-se do que se passou aqui, vão lembrar-se de que têm um poder enquanto cidadãos. Seja qual for a forma que a Nuit Debout vai ter nos próximos dias e semanas, é já uma conquista nossa”, diz Héléna Aujames.

Devolver o poder aos cidadãos e, sobretudo, dar voz. É algo que o mais recente movimento de cidadãos na Europa espera que seja ouvido pelos políticos.

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