"A fronteira entre a sedução e o assédio sexual é muito clara"

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De  Nuno Prudêncio
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Onde se situa a fronteira entre um ato de sedução e o assédio sexual no local do trabalho?

Onde se situa a fronteira entre um ato de sedução e o assédio sexual no local do trabalho? É uma questão de contacto físico ou basta um SMS a elogiar a forma como uma mulher está vestida? Como se prova que os limites foram ultrapassados? Conheça os depoimentos de quem decidiu quebrar o silêncio.

“Recebi mensagens de telemóvel muito explícitas, de caráter sexual, ao longo de vários meses. Eu não estava, de todo, interessada. Aliás, disse-o várias vezes, mas ele não parava.” Ellen Debost dá a cara nos seus testemunhos, assumindo publicamente o assédio sexual que diz ter sofrido no contexto profissional.

Debost pertence ao Partido Os Verdes francês e é adjunta do presidente da Câmara de Le Mans. O alegado agressor chama-se Denis Baupin, um alto responsável do mesmo partido. Debost manteve o silêncio até ao dia em que viu Baupin numa fotografia em que usava batom vermelho numa campanha pela defesa das mulheres contra a violência.

#Harcèlementsexuel au travail : prud'hommes ou pénal ? #AVFT#Cdenquetehttps://t.co/t1ffROVCC0

— Complément d'enquête (@Cdenquete) 24 juin 2016

“Fiquei enjoada quando vi a fotografia, vomitei mesmo. No mesmo dia, ele recebeu novas responsabilidades ao nível ministerial. De repente, tomei consciência de que, ao manter as coisas no silêncio, eu estava a cometer um erro monstruoso e estava a deixar que tudo isto continuasse. Porque fiquei calada, porque não disse nada a ninguém, ele pôde não só apresentar-se como defensor das mulheres, mas também assumir novas funções que lhe permitem mais margem de manobra, ter contacto com outras mulheres que não fazem ideia de quem ele é”, conta-nos.

França no topo do assédio sexual; Portugal no fundo da tabela

Até agora, são treze as mulheres que acusam Baupin de várias formas de assédio sexual, desde mensagens de telemóvel explícitas até à agressão física. Algumas afirmam também que ele as terá ameaçado de perderem o emprego. Baupin, que se demitiu da vice-presidência da Assembleia francesa a 9 de maio, nega as acusações. Apenas três das mulheres apresentaram queixa na justiça.

De acordo com Debost, “mais de 90% das mulheres que dizem ter sido assediadas no trabalho ou são despedidas ou demitem-se. E depois têm grandes dificuldades em encontrar um novo emprego.”

Segundo os dados estatísticos, a França é o terceiro país da União Europeia com mais prevalência de casos de assédio sexual no local de trabalho, logo a seguir à Suécia e à Dinamarca. No lado oposto da tabela, Portugal ocupa o quarto lugar dos países com menos ocorrências.

Contrariamente àquela que pode ser a perceção mais comum, os grupos profissionais mais afetados pertencem às mulheres que ocupam cargos cimeiros de direção e em profissões em áreas como Arquitetura, Medicina ou Direito.

A percentagem de queixas apresentadas é ínfima: em França, mais uma vez, ronda os 5%.

Ce ne sont pas les femmes qui sont muettes, c'est les autres qui sont trop sourds ! #AVFT M.Baldeckhttps://t.co/5GX6Fen8vD

— Caroline Plesnage (@C_Plesnage) 17 mai 2016

O sindicalista Christophe Dagues lançou um programa de prevenção que se chama “Respectées” ou “Respeitadas”.

“A fronteira entre a sedução e o assédio sexual é muito clara para nós. Aquele que assedia não pode ter margem para confundir uma coisa e outra. Podemos convidar uma funcionária nossa para tomar café, ou dizer-lhe que é bonita ou que não nos deixa indiferentes. Mas, a partir do momento em que ela mostra que não está interessada, STOP. É tudo. E, se não pararmos, torna-se efetivamente assédio sexual, pela simples razão de que essa funcionária não pode fugir do local de trabalho. Ela não pode deixar de relacionar-se com os outros trabalhadores ou afastar-se do coletivo. Isso dá um certo poder ao agressor”, afirma Dagues.

“Muitas vezes, são as vítimas que se tornam alvo de acusações”

Palácio de Justiça de Paris. Acompanhámos uma alegada vítima que garante ter sido assediada durante um ano pelo patrão da empresa onde trabalhava juntamente com uma dezena de empregados. A situação mergulhou-a numa depressão que a obrigou a meter baixa. Acabou por apresentar queixa. Seis dias depois, foi despedida. A sua advogada e a responsável por uma associação de defesa de vítimas pretendem convencer o tribunal a aceitar como prova as gravações que a mulher conseguiu fazer durante os presumíveis episódios de assédio.

“Temos provas diretas de que houve assédio sexual. Geralmente, o assédio acontece longe da vista das outras pessoas, é raro haver este tipo de provas. O nosso objetivo é demonstrar que não é um comportamento desonesto por parte da vítima gravar o assediador durante o delito. Trata-se de um crime de natureza pública. Esta gravação não é uma violação da vida privada. É uma forma de provar factos que são extremamente graves”, declara a sua advogada, Maude Beckers.

Marilyn Baldeck, da AVFT, a associação europeia de vítimas nestes contextos, aponta que “muitas vezes, são as vítimas que se tornam alvo de acusações nos tribunais. Esta mulher está a ser acusada de manipular toda a gente, de ter planeado tomar o lugar do seu patrão, de não deixar passar qualquer emoção e de não ser credível, porque toda a gente sabe que uma vítima de assédio sexual tem de chorar o tempo todo.”

Numa corrida de solidariedade, encontramos Lola, nome fictício. Foi assediada pelo seu chefe na esquadra de polícia onde trabalhava. Apresentou queixa no gabinete do presidente da Câmara local. Apesar de haver várias provas concretas a seu favor, a hipótese de um escândalo em vésperas de eleições autárquicas, considera, tirou-lhe a possibilidade de ver o agressor condenado.

“O meu estado psicológico começou a degradar-se à medida que ia vendo todas as aberrações judiciais que se iam sucedendo. O primeiro processo foi encerrado, sem qualquer tipo de recurso, mesmo havendo uma data de provas, incluindo filmagens da câmara instalada no gabinete da polícia municipal. O segundo processo, a mesma coisa. Em simultâneo, houve um conselho disciplinar que branqueou completamente um agressor que reconheceu ter-me enviado vídeos pornográficos e até ter-me oferecido uma arma em troca de sexo. Ele assumiu isto. E aquilo que é extraordinário é que o conselho disciplinar, por unanimidade, decidiu não o sancionar”, diz-nos.

Lola contactou a AVFT, que a ajudou. A Câmara foi considerada culpada de não a proteger e condenada a pagar-lhe 15 mil euros. Mas a autarquia apresentou recurso.

Regressamos ao Palácio de Justiça da capital francesa. A audiência terminou. A decisão será anunciada em setembro. O compasso de espera em casos onde os acusados alegam a força da ambiguidade é sinónimo de angústia.

Maude Beckers salienta “no geral, os juízes não costumam ser muito generosos nestes casos de assédio sexual. Até hoje, a condenação mais forte que obtive foi um pagamento de 15 mil euros por um caso de agressão sexual, uma mulher que foi praticamente violada. Uma indemnização de 15 mil euros. Muitas vezes, as mulheres que apresentam queixa são vistas como pessoas com motivos obscuros por detrás. Isso é totalmente falso. Fazem-no porque é essencial para elas verem o responsável condenado. Como diz esta minha cliente, é vital para ela enquanto mulher.”

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