Mutilação genital feminina: O crime do qual muito poucos falam

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Cerca de 200 milhões de mulheres já foram vítimas de mutilação genital. O Insiders apresenta relatos inéditos de quem decidiu travar a vontade da família.

O seguinte dado não deixa de parecer inconcebível nos dias que correm: segundo um relatório da Unicef,cerca de 200 milhões de mulheresno mundo inteiro foram vítimas de mutilação genital. O Insiders apresenta relatos inéditos de quem decidiu travar a vontade da família e terminar abruptamente a adolescência contra tudo e todos à sua volta. Uma reportagem da autoria de Damon Embling.

“Fui amarrada, afastaram-me as pernas e senti que havia um objeto afiado. Na altura, nem sequer entendi o que estavam a fazer, senti apenas que estavam a tentar cortar algo das minhas partes íntimas. Foi um choque quando percebi. Nunca me passou pela cabeça que a minha própria família pudesse organizar uma tamanha violência contra mim.”

O relato é de Sarian Karim Kamare, de 39 anos. Vive em Londres, onde tem um supermercado. Com apenas 11 anos, os seus órgãos genitais externos foram removidos com uma faca, sem qualquer anestesia. Tudo aconteceu na Serra Leoa, o seu país natal.

Captured and cut: #FGM returns to Sierra Leone despite ban, highlighting the challenges facing anti-FGM campaigners https://t.co/p0wMEt0ppw

— Sarah Hyde (@SazBN1) 30 septembre 2016

“Eles fazem-nos isso como forma de nos integrar na comunidade e porque faz parte da cultura. Mas não está escrito em nenhum dos livros sagrados. Eles adotaram uma prática cultural que está errada. Submetem as mulheres a uma dor devastadora para as controlar, sobretudo as suas pulsões sexuais. E funciona. Destrói completamente o nosso apetite sexual”, conta-nos.

Para além das consequências físicas, o stress pós-traumático

É difícil apurar a verdadeira dimensão do fenómeno da mutilação genital feminina. A vergonha e o medo impedem que muitas das histórias venham a público. No Reino Unido, as estimativas rondam as 170 mil mulheres e raparigas já sujeitas a esta prática. A maior parte terá sido submetida à excisão nos países de origem. A Somália, a Gâmbia e o Sudão estão no topo da lista.

Oficialmente, os serviços de saúde britânicos detetam uma média de 100 casos por semana. A médica Brenda Kelly dirige a Rose Clinic em Oxford, especializada nos diversos problemas de saúde que este tipo de mutilação provoca. “Se for uma criança, pode sofrer de dores, sangramentos, infeções. Mas a maioria das pacientes que aparece são mulheres adultas, que sofrem toda a amplitude das consequências. Podem ter grandes dificuldades em urinar, em libertar o sangue menstrual, em ter relações sexuais. Muitas dessas mulheres carregam também graves problemas psicológicos. Uma em cada seis sofre de stress pós-traumático ou de sintomas associados”, explica-nos Kelly.

A prática é proibida no Reino Unido, mas alguns ativistas denunciam a vinda de mulheres das comunidades em questão, mais velhas, responsáveis por efetuar as ablações. Por outro lado, as autoridades suspeitam que as famílias aproveitam também as férias escolares para o fazer no país natal.

“Achava que ia acabar como escrava de um homem qualquer”

“Zara”, nome fictício, conta-nos a sua história: “A ideia do meu pai era casar-me através do Skype e excisar-me antes ou logo a seguir ao casamento, antes de qualquer contacto sexual com o meu marido. Disseram-me que tinha de o fazer porque senão não era boa muçulmana, não obedecia aos preceitos do Islão e que podia cheirar a urina”.

Zara é de origem asiática e cresceu em Inglaterra. Revela-nos que houve dias em que pensou “acabar com tudo…”. Muitas mulheres e raparigas, como ela, sofrem em silêncio. Vivem aterrorizadas com a ideia de ter de confrontar a família e a comunidade. O caso de Zara foi diferente. Ela acabou por revelar as intenções do próprio pai às autoridades. A polícia interveio. Foi emitido um mandado de proteção para impedir a mutilação e o casamento forçado: aqueles que infringirem esta ordem serão levados perante a Justiça. O pai de Zara foi alvo de acusações formais, mas ela disse-nos que optou por não avançar com o processo.

“Eu quero fazer passar uma mensagem. Mas também quero ter a minha própria vida. Não quero perder o meu pai. Ele esteve sempre ao meu lado, era o meu melhor amigo, ouvia-me sempre que eu precisava de falar. Perdi o contacto com a minha mãe quando era pequena, ela tinha problemas mentais muito sérios. Ou seja, o meu pai tornou-se na única pessoa com quem eu podia falar. E não queria perder isso”, diz-nos.

No entanto, sublinha que antes se sentia “completamente de mãos atadas. Achava que nunca ia conseguir ter a minha própria vida, que ia acabar como escrava de um homem qualquer. Mas aprendi a ter consciência do que pode ser feito e do que não pode ser feito. Sinto que tenho mais poder”.

Prevenir através das mães

Karyne Tazi faz parte de um movimento ativista em Wolverhampton que luta pela erradicação da mutilação genital feminina. Considera que grande parte da prevenção se centra na educação das mães já submetidas ao ritual.

“Muitas das vezes, é uma questão de conseguir mudar a mentalidade destas mulheres, de desafiá-las a refletir e garantir que a geração seguinte não vai sofrer o mesmo. Porque, ao fim e ao cabo, são provavelmente essas mulheres que o terão de fazer às próprias filhas. Temos de mostrar-lhes que é uma forma de abuso e que é ilegal”, afirma.

Em Portugal, por exemplo, um estudo recente indica que mais de seis mil mulheres foram vítimas desta prática, sobretudo entre a comunidade imigrante da Guiné-Bissau.

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