Patricia Espinosa: O acordo climático "tem um caráter obrigatório que vincula os países"

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De  Nuno Prudêncio
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O Acordo de Paris pode realmente combater a ameaça que o nosso planeta enfrenta? A entrevista com a secretária da ONU para as Alterações Climáticas.

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OAcordo de Parissobre as mudanças climáticas vai conseguir passar de uma declaração de intenções e tornar-se num instrumento eficaz para combater aquela que os cientistas dizem ser a pior ameaça que o nosso planeta enfrenta? Em maio, o secretário-geral da ONU anunciava quePatricia Espinosaseria a responsável pela Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A ex-ministra dos Negócios Estrangeiros do México assumia assim o leme daimplementaçãodeste ambicioso acordo.

Marta Gil, euronews: A luta contra as alterações climáticas tornou-se numa corrida contra o tempo?

Patricia Espinosa: Diria que é uma luta que exige medidas urgentes. O que não significa que se trate de um processo que vá produzir resultados imediatos. Se tivermos em conta que atualmente a meta para a segunda metade deste século é alcançar um equilíbrio entre as emissões de gases com efeito de estufa e a sua remoção da atmosfera, torna-se evidente que estamos a falar de um processo de longo prazo. No entanto, a mudança não vai ocorrer se não tomarmos medidas urgentes.

Um acordo assente na boa vontade dos países

euronews: Demorou quase 20 anos até ser alcançado este compromisso global para lutar contra as alterações climáticas. A entrada em vigor decorre menos de um ano após a aprovação do acordo, em vésperas da COP22 em Marraquexe, na segunda semana de novembro. Ao contrário do Protocolo de Quioto, este acordo permite que os países tenham a liberdade de decidir o que fazer para participar no combate contra as mudanças climáticas. Isto não corre o risco de se tornar numa faca de dois gumes? Como é que vão garantir que os países irão cumprir os objetivos, nomeadamente o de tentar manter a subida da temperatura do planeta abaixo dos 2°?

PE: O Acordo de Paris assenta no princípio de que todos os países do mundo aceitam a sua parte da responsabilidade na luta contra as alterações climáticas. Ao mesmo tempo, estipula-se que cada país reveja as suas metas no sentido de as incrementar. Não se contempla a possibilidade de reduzir os objetivos que já existem.

The #ParisAgreement enters into force on 4 November! It's time to implement the world's big climate commitments. pic.twitter.com/6tsrp4hNhq

— United Nations (@UN) 2 novembre 2016

euronews: Mas não há sanções. O que é que acontece se os objetivos não forem atingidos?

PE: Uma parte significativa das regras que regem a coexistência internacional assenta na boa vontade e no interesse comum dos governos, no sentido de construir justamente um enquadramento comum internacional. A força do Acordo de Paris está relacionada também com a ampla mobilização que gerou no seio da sociedade em geral, das empresas privadas, da comunidade científica… Ou seja, é um movimento que vai além dos governos.

euronews: O que não impede que a base do acordo seja a boa vontade das partes envolvidas…

PE: Precisamente. Mas queria deixar este ponto bem claro. A Carta das Nações Unidas, a Declaração dos Direitos Humanos, dos direitos fundamentais do Homem – todos os instrumentos que a comunidade internacional construiu para criar um sistema de coexistência harmoniosa assentam no princípio da vontade, mas também na convicção de que essas regras são, de facto, necessárias.

A China e o compromisso a duas velocidades

euronews: Falemos então de casos concretos. Nos Estados Unidos, o programa de energia limpa do presidente Obama mergulhou numa espécie de limbo jurídico até às eleições presidenciais. O Senado está nas mãos dos Republicanos, o Congresso veremos… Se, porventura, os Estados Unidos não atingirem os objetivos ou se decidirem mesmo sair do Acordo de Paris, o que é que pode acontecer?

PE: Sete americanos em cada dez são favoráveis à tomada de medidas contra as alterações climáticas. Há muitas empresas americanas que estão a adotar mecanismos para se tornarem mais eficientes e a orientar-se para atividades que garantam a sustentabilidade.

euronews: Mas a resposta depende do governo…

PE: Não apenas, porque o governo tem de responder perante os cidadãos…

euronews: Contemplaram a hipótese de uma das partes abandonar o acordo?

PE: Essa hipótese é um direito que assiste a todos os Estados soberanos. Todos os países podem fazê-lo e, aliás, aconteceu no âmbito do Protocolo de Quioto. Mas o que denoto é que há uma mobilização no sentido oposto. Para além do Acordo de Paris, assinámos dois acordos fundamentais este ano que têm um impacto direto nesta questão. Um foi estabelecido com a Organização Internacional de Aviação Civil, no sentido de reduzir as emissões produzidas por este setor; outro decorreu no quadro do Protocolo de Montréal, para a eliminação progressiva dos hidrofluorocarbonetos, que são gases muito poluentes que agravam o aquecimento global.

Thank you UN</a> messenger of peace <a href="https://twitter.com/LeoDiCaprio">LeoDiCaprio for raising awareness about #climatechange with #BeforetheFloodhttps://t.co/94Qp96fbO4#COP22pic.twitter.com/OJO4PJtTgB

— Patricia Espinosa C. (@PEspinosaC) 30 octobre 2016

euronews: E no que diz respeito à China, o país que é o maior emissor de monóxido de carbono do mundo? Pequim declarou que vai continuar a aumentar as emissões até 2030 e só depois começar a reduzir. Os outros países fixaram objetivos já para 2020. Como é que o Acordo de Paris vai tornar este avanço a duas velocidades compatível?

PE: O que este acordo faz é reconhecer que a realidade de cada país é diferente. A China, com a população e a configuração económica que tem, definiu aquilo que é realmente viável fazer. E creio que há um reconhecimento geral que o governo chinês e a sociedade chinesa estão a fazer um grande esforço na transição para uma economia de baixo carbono. Para um país da dimensão da China, com as caraterísticas que possui, os objetivos que colocou em cima da mesa são ambiciosos.

“Não existe um tribunal para zelar pela implementação do acordo”

euronews: Há um certo ceticismo em torno do Acordo de Paris. Há quem critique a falta de um prazo para o abandono dos combustíveis fósseis, a ausência de menções às energias renováveis, o facto de não se estabelecer um plano concreto para financiar os 100 mil milhões de dólares que terão de ser angariados até 2020 para ajudar os países em vias de desenvolvimento… A cimeira de Marraquexe será a cimeira da concretização? É nesta cimeira que vamos encontrar as respostas a todas estas questões?

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PE: O lema da Conferência de Marraquexe é “implementação e ação”. No que diz respeito ao financiamento, os países desenvolvidos vão apresentar uma abordagem muito específica e muito clara. Houve um encontro preparatório que acabou de terminar no qual se constatou que já estamos muito perto desse objetivo. Segundo as estimativas mais moderadas, daqui até 2020 deveremos conseguir arrecadar quase 94 mil milhões de dólares. E, sim, o Acordo de Paris confere um papel fundamental às energias renováveis, fala de forma muito clara e incisiva sobre a necessidade de eliminar os subsídios atribuídos aos combustíveis fosseis e de transitar para economias de baixo carbono. Tendo em conta que o setor energético é essencial para a economia, isto significa o abandono progressivo dos combustíveis fósseis como fonte de energia e a transição para as energias renováveis.

euronews: No final, o que temos é uma declaração de intenções que assenta na boa vontade das partes…

PE: Mas trata-se de um acordo. Gostaria de deixar claro que o Acordo de Paris tem força jurídica, tem um caráter obrigatório que vincula os países. É óbvio que não existe um tribunal para zelar pela implementação do acordo. Todos os países vão exercer esse zelo uns sobre os outros, vamos todos acompanhar juntos a evolução da situação. Mas, sim, é um acordo que tem força jurídica.

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