Irlanda do Norte: Longe de Bruxelas, perto da turbulência

Irlanda do Norte: Longe de Bruxelas, perto da turbulência
De  Euronews
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Dentro de 2 anos, as fronteiras da UE vão mudar. Mas os habitantes junto à fronteira da Irlanda do Norte não querem o regresso de postos de controlo.

O que parece um cenário profundamente pacífico, é na verdade uma fronteira onde reina a discórdia. De um lado, a República da Irlanda, um Estado-membro da União Europeia; do outro, a Irlanda do Norte, parte integrante do Reino Unido, que se preparapara deixar o bloco europeu. E nestas comunidades vizinhas tem-se assistido a sucessivas manifestações de protesto contra o Brexit.

Dentro de dois anos, esta será uma das fronteiras externas da União Europeia. Mas os habitantes da região não querem ver o regresso de postos de controlo fronteiriço.

As barreiras que anulam “a esperança e a confiança”

A localidade de Clones situa-se no sul, junto à fronteira. Até aos anos 90, toda esta área viveu décadas de violência e declínio económico, num conflito entre unionistas e nacionalistas que fez milhares de mortos. Na altura, era difícil contornar os postos de controlo na fronteira. Donald McDonald teve de abandonar o negócio de têxteis que pertencia à família.

“Mais de 50 pequenas empresas tiveram de fechar portas. Não quero voltar a ver isso. Não quero voltar a ver barreiras que anulam os sentimentos de esperança e confiança, por causa de decisões políticas protecionistas tomadas pelo Reino Unido”, diz-nos.

Insiders: filming in Belfast, Northern IrelandDurante o conflito, uma ponte local foi bloqueada pelas autoridades em dezenas de ocasiões. Eram os habitantes que vinham remover as barreiras. Os postos de controlo fronteiriço podem voltar a ser uma realidade aqui? “Isso para nós é um pesadelo. Recentemente, ouvi dizer que as autoridades aduaneiras irlandesas estão à procura de sítios e terrenos para instalar novamente esses postos de controlo… Acho que as pessoas vão reagir de uma forma que não ajuda ao Acordo de Belfast, nem à população, nem à ilha como um todo…”, responde Donald McDonald.

“A violência pode regressar?”, insistimos. “A instabilidade desencadeia outras coisas. Infelizmente, é uma hipótese que tem de ser tida em conta nesta situação…”, afirma Donald.

“Estão à espera de uma desculpa para cair de novo no terrorismo”

Passamos para o lado norte da fronteira. Durante o conflito, a taxa de desemprego nesta região era de 30%. Hoje em dia, situa-se nos 3%. Conor Patterson trabalha para a Câmara de Comércio local e fornece aconselhamento a empresários preocupados com o Brexit. Levou-nos até a um antigo posto de controlo. Perguntamos-lhe se considera mais realista um acordo de livre comércio entre as partes ou um regresso efetivo das tarifas aduaneiras e de controlos rigorosos.

“Se não houver um acordo, será necessário este tipo de infraestruturas… Toda esta área tem uma postura histórica de desafio perante as fronteiras, uma vez que se trata de colocar barreiras à livre circulação de bens e pessoas. E já temos problemas suficientes na Europa com a radicalização de jovens. Não precisamos de criar mais radicalismos. Existe um risco concreto que as forças dissidentes nacionalistas possam começar a radicalizar os jovens da comunidade local, sobretudo os mais influenciáveis, que se possam sentir atraídos por uma ideologia de violência e contestação. Não queremos ir por esse caminho. É uma ameaça demasiado perigosa”, considera.

Avec le deal entre Theresa May et le DUP, menace de réaction en chaîne en Irlande du Nord… #GoodFridayAgreementhttps://t.co/GlyRZVfhZA

— alegal (@alegal2) 17 juin 2017

O partido republicano Sinn Féin posiciona-se claramente contra o Brexit, clamando pela sua reivindicação histórica, que é a reunificação entre as Irlandas.

Os unionistas do DUP pretendem exatamente o oposto: Brexit e ficar junto a Londres#. O facto é que a integração no bloco europeu acompanhou o apaziguamento das tensões ao longo dos últimos anos. E agora? Falámos com Sammy Wilson, representante do DUP.

“Não podemos ser alarmistas. O pânico que está a ser criado pode vir mesmo a gerar confrontos físicos no terreno. Mas o Sinn Féin não se importa com isso. O grande perigo que o processo de paz enfrenta vem da histeria que o Sinn Féin está a tentar criar para obter resultados políticos no curto prazo. Eles deviam era pensar no impacto que tudo isto tem nas suas comunidades e nos extremistas que só estão à espera de uma desculpa para cair de novo no terrorismo”, declara.

Perante o contexto político atual, qual é então a solução mais plausível- para acalmar os ânimos? Segundo Sammy Wilson, “uma solução pode ser a vigilância eletrónica dos veículos de mercadorias nas fronteiras. Não é preciso criar postos de controlo, nem parar as pessoas. As inspeções só devem ocorrer em casos de verdadeira necessidade”.

Sem Bruxelas, as tensões regressam?

Em Newry, na Irlanda do Norte, uma infraestrutura militar foi desmantelada para se tornar numa zona industrial graças aos apoios da União Europeia, que atribuiu financiamentos massivos a esta região, de forma a ajudar a impulsionar iniciativas como esta e a economia local. Myrddin James instalou aqui uma empresa de equipamentos de mobilidade.

“A nossa grande preocupação é o sítio onde estamos implantados: estamos do lado do Reino Unido. Já nos organizamos para a eventualidade de nos mudarmos para o lado sul da fronteira. Temos de saber se eles pretendem instalar ou não postos de controlo. Nós atravessamos a fronteira 20 vezes por dia. Ou seja, é mais um problema em termos de tempo e de custos…”, aponta.

A agricultura e a indústria alimentar serão possivelmente dos setores mais afetados pelo Brexit. Antes do referendo, a companhia de laticínios dirigida por Gabriel D’Arcy investiu 45 milhões de euros numa nova fábrica na Irlanda do Norte, beneficiando dos acordos comerciais da União Europeia para produzir farinhas lácteas para África e o Médio Oriente. A pergunta agora é: será que o Reino Unido vai conseguir implementar acordos idênticos que permitam o funcionamento desta empresa?

“Se isto se tornar numa fronteira internacional, se não houver um acordo de livre comércio para os setores alimentar e da agricultura entre a União Europeia e o Reino Unido, este leite, por exemplo, será sujeito às tarifas da Organização Mundial de Comércio, que ascendem a 50% do valor atual do produto. Isso mata toda a nossa atividade”, afirma Gabriel.

Num registo diferente, dirigimo-nos para Rostrevor, uma pequena localidade costeira na Irlanda do Norte. Matthew McGrath é um cantor e compositor local que nos leva até um pub para um debate informal sobre as consequências do Brexit.

É Michael Gray-Sloan, um membro do Sinn Féin, quem toma primeiro a palavra: “O Brexit é um desastre: política, económica e socialmente. Ninguém sabe o que aí vem. O facto de os ingleses nos terem arrastado para fora da União Europeia é quase criminoso, é uma loucura completa”.

John McMahon, morador local, dizia que “a visão rigorosa que Theresa May tem do Brexit já não é sustentável… Ela está demasiado fraca politicamente para a fazer avançar”. Deirdre Murphy, outra residente, salientava que “um Brexit rigoroso, com fronteiras, é voltar para trás… É o abandono do processo de paz. É um pesadelo. Nem quero pensar nisso…”.

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