O lado sombrio do turismo: Quando os residentes procuram a televisão para saber se podem sair de casa

O lado sombrio do turismo: Quando os residentes procuram a televisão para saber se podem sair de casa
De  Euronews
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O turismo tem vindo a crescer de ano para ano desde o fim da crise nos Balcãs. Agora, é quase impossível viver em algumas cidades.

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Mašenjka Bačić, em Dubrovnik

O número de turistas aumenta de ano para ano em Dubrovnik. Os mais residentes mais jovens deixaram de ir aos bares do centro da cidade e instalaram-se num associação de apoio a deficientes. Há igrejas que deixaram de dar missa. E há residentes que seguem um circuito fechado de televisão para saber se é boa altura para sair de casa.

Marija Grazio tem o hábito de tomar um café todas as manhas num dos mais antigos estabelecimentos do centro histórico de Dubrovnik. O café, perto da igreja de São Brás, fica a dois minutos de sua casa e a dois minutos da escola onde dá aulas de piano. A cinco minutos, fica a praia.

A casa de Marija é ideal para ela. Pela localização, sobretudo. Mas esse é um aspeto que a torna ideal também para milhares e milhares de turistas que visitam Dubrovnik todos os anos. E Marija, embora não tenha nada contra os turistas, quer recuperar o centro da cidade para quem lá vive. E não está sozinha.

Limites ao número diário de visitantes

Vivem pouco mais de 42 mil pessoas em Dubrovnik. A cidade é Património da Humanidade da UNESCO e tornou-se ainda mais popular depois de ter sido escolhida pelos produtores da conhecida série A Guerra dos Tronos como local de rodagem. As autoridades locais falam num aumento anual de visitas na ordem dos 10%.

Um aumento de visitas que deveria traduzir-se num aumento de rendimentos. Há realmente mais empregos, embora apenas no verão. E os lucros em pouco ou nada beneficiam os residentes do centro histórico. A UNESCO pediu que fosse limitado o número de turistas e as autoridades instalaram pórticos que filtram os visitantes. A Câmara Municipal diz que são agora um máximo de sete mil por dia. A UNESCO pedia um limite de nove mil.

Mato Franković, presidente do Município de Dubrovnik reconhece que é importante reduzir o número de visitantes por dia. “O nosso objetivo é reduzir os visitantes para 4 mil por dia”, disse à Euronews. “Em 2016, visitaram a cidade antiga quase 800 mil pessoas, vindas, grande parte, em cruzeiros”.

A maioria dos visitantes chega entre os meses de maio e outrubro. A média é superior a 100 mil por mês. Mas o problema reside no facto de não estarem bem distribuídas as visitas.

O ataque começa à quinta-feira

O “ataque” tem lugar todas as semanas, diz Mirjana Puhjera, jornalista. Vive num apartamento com vista para as muralhas de Dubrovnik. Conta à Euronews que os cruzeiros chegam entre quinta e sexta-feira. Uma vez, chegaram sete cruzeiros, com capacidade para nove mil pessoas. “São ocupações”. A polícia controla o fluxo de entradas. “Quando chegam, ficamos em casa.”

Os residentes observam como as ruas centrais do centro histórico de Dubrovnik se enchem com milhares de turistas e ficam em casa. Câmaras instaladas na zona dos pórticos permitem ter uma visão geral das artérias centrais.

Um setor que em nada beneficia os residentes

Tonči Ivanović, da agência MSC Cruise, é importante não esquecer os benefícios do setor para a cidade. “A autoridade portuária lucra cerca de 10 mil euros por navio, os concessionários, 5 mil euros, os serviços, 25 mil, assim como os museus. E cada visitante gasta cerca de 46 euros por dia.”

Mas os lucros, especialmente os dos restaurantes e lojas, em pouco ou nada beneficiam quem vive no centro histórico. “Deixámos de ter mercearias. Existem apenas duas ou três”, diz Marija. “E os preços são impossíveis”.

Em 2016, havia mais de 100 lojas de recordações no centro da cidade e quase 150 restaurantes. Muitos dos espaços de restauração são responsáveis pelo aumento de detritos, de poluição e de ocupação do espaço público.

“Quando entro nestas muralhas, sinto que cheguei à minha sala. E sentia-me assim durante a guerra. Se havia alguma situação de perigo, vinha para aqui e sentia-me logo mais segura. Por isso, quero que a cidade continue limpa e agradável, para nós e para os turistas”, continua.

As mesas dos restaurantes são outra coisa que muito incomoda os residentes. As suas chegam a ser demasiado estreitas para comensais e peões e muitas pessoas deixaram de passar em certas ruas. Há locais onde deixou de ser possível passar com uma cadeira de rodas ou com um carrinho de bebé.

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Não há espaço para nós

Ainda que vários restaurantes ofereçam menus a preços reduzidos para os residentes, muitos não se sentem particularmente atraídos pelo que estes estabelecimentos propõem para comer. Petra Marčinko é estudante e faz investigação sobre a cidade, o seu património e a revitalização do centro. “Não há espaço para nós. Não me sinto confortável nas saídas à noite, pelo que vou com os meus amigos para um centro que presta assistência a pessoas com deficiência, explica. “Tem um bar com preços acessíveis.”

No meses considerados de época baixa, a cidade torna-se num local praticamente abandonado. Uma cidade-fantasma. Ruas vazias, lojas sem clientes, restaurantes cheios de nada. E como quase não há vida cultural, torna-se aborrecido viver em Dubrovnik. Muitos jovens dizem que, depois de concluídos os estudos, pretendem ir-se de Dubrovnik, por falta de oportunidades profissionais.

Preços proibitivos

Para além dos preços nos bares e restaurante, alugar casa começa a ser cada vez mais complicado para quem vive no centro de Dubrovnik, cidade com os preços mais caros de toda a Croácia. O metro quadrado pode superar os 3.300 euros.

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Assim, muitos optam por ir-se embora. Foram cerca de 600, só no ano passado. Vivem, atualmente, no centro histórico de Dubrovnik, cerca de 1500 pessoas. Muitas dizem que não ficarão muito tempo, já que o preço das rendas não são para os seus bolsos.

“Nos nossos dias, tudo se rege pela lei do lucro”, diz Marija. A explosão do turismo começou há cerca de 17 anos, depois do final da crise no Kosovo. “As pessoas perderam o medo de vir aos Balcãs”, continua Mirjana. “No início, as pessoas estavam contentes, mas muita coisa mudou na cidade.”

“Agora, no verão, há igrejas que deixaram de dar missa, porque só há turistas nas ruas”.

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