Manifestação foi convocada através das redes sociais por grupo de artistas. Sindicatos temem descida do nível de vida.
Grupos de opositores ao Governo do presidente argentino, Mauricio Macri, manifestaram-se em Buenos Aires contra o acordo assinado em maio entre o Executivo do país latino-americano e o Fundo Monetário Internacional.
O acordo prevê a transferência de 50 mil milhões de euros em três anos, assim como um conjunto de reformas estruturais, nomeadamente no que diz respeito à contenção fiscal e ao controlo da elevada inflação.
Os manifestantes concentraram-se na Avenida 9 de julho, no centro de Buenos Aires, no mesmo dia em que celebrava a independência da Argentina.
O protesto foi convocado com o tema "A Pátria não se rende."
A marcha foi convocada através das redes sociais por um conjunto de atores, numa iniciativa à que se juntaram grupos kirchneristas e de esquerda, assim como várias plataformas sociais e sindicatos.
Em maio passado, os mesmos grupos participaram num protesto semelhante contra o acordo entre o Governo e o FMI.
Depois de um período de crescimento em 2016 e 2017, a Argentina sofreu com uma forte desvalorização do peso face ao dólar, que trouxe instabilidade económica e a desconfiança dos consumidores.
**A história da Argentina está marcada por crises de endividamento, mas, agora, a verdade é que os cidadãos foram apanhados de surpresa, pelo que a manifestação desta segunda-feira contou elevada participação.
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A Euronews conversou com o economista argentino Pablo Wende, que nos explicou como o país, ainda com o trauma do corralito de 2001 bem presente, decidiu voltar a pedir ajuda ao FMI. A condições espartanas conseguidas pelo Governo do então presidente Fernando de la Rúa levaram mesmo à restrição de levantamentos nos bancos, dando origens a imagens de desespero correram o mundo.
Euronews: Porquê este pedido de resgate?
Pablo Wende: O programa económico do Governo argentino implica uma redução progressiva do regime fiscal, pelo que precisa de ajuda enquanto tenta alcançar uma situação de equilíbrio, o que deveria acontecer em 2021. Enquanto isso, é preciso tapar buracos nas contas públicas.
Algo que conseguiram fazer em 2016 e 2017, mas, em 2018, com as mudanças na situação financeira internacional, como o aumento das taxas de juro e uma postura mais conservadora da parte dos investidores, o Governo encontrou mais obstáculos para sair da zona vermelha. Primeiro, foram buscar dinheiro ao mercado externo, o que fez com que os mercados reagissem com desconfiança, pelo que foi decidido pedir ajuda ao FMI.
Euronews: Que sinais deu a economia argentina de uma nova tempestade?
Pablo Wende: Deu-se uma forte caída das ações argentinas e uma queda dos preços das obrigações. O preço a pagar que a Argentina tinha de pagar pela dívida já tinha subido muito, pelo que não poderia ser financiada. Subiram muito também os créditos relacionados com os fundos de garantia contra a bancarrota, o que poderia gerar uma crise especulativa e, caso não fosse travada a tempo, uma recessão. Assim, o Governo decidiu pedir ajuda ao FMI para cubrir as necessidades financeiras do país agora e durante os próximos dois anos.
Euronews: Poderia a situação ter terminado num novo corralito?
Pablo Wende: É um pouco cedo para falar disso porque o banco central tem reservas suficientes para a economia. O equivalente a 55 milhões de dólares. Ainda havia muito caminho pela frente, mas, claro que se não se fazia alguma coisa, poderia dar-se uma recessão, fuga de capitais, de grandes investimentos e a possibilidade de afetar o cidadão comum. E que poderia começar tamb'em a afetar a saída de depósitos, o que não aconteceu, mas, tendo em conta o passado do país, era um perigo real.
Euronews: Qual é o preço político a pagar pelo Governo de Macri?
Pablo Wende: Na Argentina, o FMI não tem boa fama. Em geral, os acordos com a instituição são sinónimo das más experiências económicas que o país viveu. O Governo trata agora de dizer que, se as coisas correram mal na Argentina nos últimos 50 ou 70 anos, a culpa não foi do FMI, mas das más políticas implementadas pelo país. Não devemos ver o FMI como culpado de todos os males do país, já que foram os próprios argentinos a gerar o problema. Claro que as pessoas se assustam porque tudo aconteceu de repente. O Governo não tinha pensado na necessidade nem urgência de acurdir ao FMI. (...) Agora, o que é preciso é esperar para ver as condições impostas pelo FMI (...) e saber se este acordo ajuda à estabilização das economia e ao crescimento, como tivemos no ano passado.
Euronews: Como foram afetados argentinos com a queda do peso?
Pablo Wende: Quando se mexe no tipo de câmbio e se dá uma subida do dólar, gera-se muita incerteza e as pessoas ficam preocupadas. Por isso consomem menos e as pessoas precisam de mais tempo para tomar decisões relacionadas com o consumo. Há quem comece diretamente a comprar dólares ou simplesmente deixe de consumir. As empresas aguardam então e tentam entender como será o câmbio de moeda para vender.
Euronews: E como reagiram os cidadãos?
Pablo Wende: Estão acostumados, mas isso não significa que as pessoas não queiram saber. A paralização e a incerteza acontecem de todas as formas. As pessoas não ficam indiferentes, quando o dólar sobre 20%, antes pelo contrário. As pessoas atuam mais rapidamente porque estão habituadas a este tipo de situações. E como sabem o que se passa, toda a gente se protege. Num país onde as pessoas não estão acostumadas a que o dólar suba 10%, nem se fala do assunto. Mas aqui, as variações cambiais são um tema dominante desde sempre.