Saad Hariri: "Penso no Líbano antes de pensar em mim mesmo"

Saad Hariri: "Penso no Líbano antes de pensar em mim mesmo"
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O primeiro-ministro libanês esteve à conversa com a jornalista Anelise Borges numa entrevista exclusiva para a Euronews

O Líbano é frequentemente visto como uma nação à beira do abismo. Os 15 anos de guerra civil deixaram marcas profundas e o frágil ajuste político que se seguiu é constantemente posto à prova pela guerra. É uma nação tão complexa como um puzzle.

Para muitos dos que se encontram no país o homem capaz de manter as peças juntas é Saad Hariri. O primeiro-ministro libanês esteve à conversa com a jornalista Anelise Borges, numa entrevista exclusiva para a Euronews.

Anelise Borges, Euronews - O ano de 2018 é importante para o Líbano. Houve eleições legislativas pela primeira vez em quase uma década. Isso foi em maio mas ainda não conseguiu formar Governo. Por que razão é tão difícil? Não quer dizer que será virtualmente impossível governar o país?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Não. Penso que vamos ter um Governo e que as pessoas precisam de entender que vai durar quatro anos. As eleições aconteceram, como disse, depois de quase uma década para que o Parlamento possa ter novos elementos e mudaram as dimensões de cada grupo político. O desafio de fazer um Governo de unidade nacional ou um Governo de consenso vai ser um pouco difícil porque existem muitos partidos diferentes aos quais é preciso agradar. Essa é a única razão pela qual estamos a enfrentar esta dificuldade.

Euronews - Governar um país como o Líbano não pode ser tarefa fácil. Existe uma história difícil, um acordo de partilha de poder complexo entre as diferentes religiões e neste momento o país está cercado pela guerra. Falei com várias pessoas que me disseram que Saad Hariri é o homem que mantém juntas todas as peças deste puzzle. Por que razão? Por que motivo é o homem certo para liderar o Líbano?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Penso no Líbano antes de pensar em mim mesmo. Julgo que o que precisamos é de uma pessoa que fala com toda a gente no seio dos partidos políticos que colocamos no Governo. Se queremos ter um Governo que faz concessões todos têm de se comprometer um pouco. Por vezes, tendo a comprometer-me mais porque acredito que o país é mais importante do que o meu partido ou do que os outros partidos políticos.

Euronews - No ano passado anunciou a demissão num discurso televisivo a partir da Arábia Saudita. O facto de se demitir e a forma como se demitiu chocou. Foi uma surpresa para os seus apoiantes e para o mundo. O que aconteceu para as coisas se processarem dessa forma?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Queria provocar um choque no sistema. O Governo estava a seguir um rumo de governação que levava as pessoas a falar e era impossível governar. A somar a isso, como sabe, estão os desafios da região. Precisamos que o Líbano esteja numa situação em que não toma qualquer posição. A minha demissão foi, basicamente, um choque positivo para alertar as pessoas. Para lembrar que o caminho que estava a ser seguido não era o indicado para avançar. A forma de avançar não consiste em tornar o Líbano neutro mas antes em dissociar o Líbano de todos os conflitos árabes interiores existentes.

Euronews - Mais do que o facto de ter enviado uma mensagem forte foi a forma como verbalizou as coisas e o lugar onde se encontrava. Pode falar-nos um pouco mais da sua relação com a Arábia Saudita?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - A minha relação com a Arábia Saudita é excelente. É para o benefício do Líbano e para o benefício da Arábia Saudita. É preciso perceber que atualmente o Golfo também está numa situação complexa com tudo o que se está a passar no Iémen. É por isso que o Líbano precisa de cuidar dos interesses nacionais. Quero dizer que ao envolver-nos no Iémen ou na Síria vamos apenas criar problemas para o Líbano. Percebo que existam partidos políticos no Líbano com outro ponto de vista. Era isto que costumava debilitar o país ao colocar as diferenças políticas à frente do próprio benefício do país.

Euronews - Falou em colocar de novo o foco no Líbano. Do que é que o Líbano precisa? Qual será o seu enfoque?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Precisa de reformas. Temos de nos focar na nossa economia. Existe um problema, o dos refugiados. Temos 1.5 milhões de refugiados. Esta é uma questão que precisamos de resolver com uma voz unida no país. Há algumas iniciativas que vão surgindo. Há a iniciativa russa. Devemos trabalhar com os russos e fazê-la funcionar. Ainda que desejemos que os refugiados regressem por iniciativa própria, precisamos do envolvimento do ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados. Precisamos de dinheiro, de garantir que o regime não fará mal a esses refugiados. É algo com que sofremos todos os dias. Se não começarmos a trabalhar numa estratégia de saída, o Líbano falhará. Falharemos em cuidar dos interesses dos libaneses.

Euronews - Ainda a propósito da demissão, no ano passado acusou, e passo a citar, o Irão de semear "desordem e destruição" no Líbano e disse que o Hezbollah era o braço do Irão no país, que usa o poder das armas para para impor um facto consumado. Agora o Hezbollah e os aliados controlam a maioria no Parlamento. O que é que isto significa?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Eles não controlam a maioria. Essa é a perceção que as pessoas deixaram passar para a comunidade internacional ou alguns meios de comunicação social locais. O Hezbollah tem apenas 30 ou 40 elementos no Parlamento. Penso que atualmente o Parlamento se encontra dividido em três ou quatro blocos. Há as pessoas que estão ao centro, à direita e à esquerda, próximas da direita ou da esquerda. Quando me demiti falei de tudo isso. Temos divergências políticas. O Hezbollah sabe disso e eu também. Nunca aceitarão as minhas políticas em relação ao Golfo tal como eu nunca aceitarei as políticas deles em relação ao Irão. Mas isso não significa que devamos paralisar o país. Estou a tentar alcançar um entendimento, mas teremos sempre essas diferenças e lutaremos sempre por elas. Mas o que fazer? Focamo-nos nas diferenças ou levamos o diálogo à mesa, para falar calmamente e para tentar perceber quais podem ser as soluções sobre como resolver esses problemas? O que nos une é muito mais do que nos separa. Podemos fazer muito pelo país, pela economia. Todos têm interesses em combater a corrupção, nas reformas.

Euronews - As forças da oposição praticamente capitularam na Síria. Há um último reduto na província de Idlib e há relatos de que está a ser planeada uma ofensiva em massa que pode precipitar o fim da guerra na Síria. Quais as implicações para o Líbano?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Que a Rússia teve sucesso e que a Rússia controla a Síria. Por isso lidaremos com os russos.

Euronews - Como é a sua relação com a Rússia?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Muito boa. Perfeita. Tenho uma ótima relação com a Rússia e com o Presidente Vladimir Putin, que respeito bastante. Penso que é uma pessoa com a qual podemos trabalhar.

Euronews - Acredita que não terá de lidar com Bashar al-Assad?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Prefiro lidar com o Presidente Putin.

Euronews - Existe um outro líder mundial com o qual se parece relacionar bastante bem. O Presidente dos EUA. Disse, e passo a citar, que aprecia a "liderança" dele na região. Considera que Donald Trump está a fazer um bom trabalho no Médio Oriente?

Saad Hariri, primeiro-ministro do Líbano - Penso que o Presidente Trump é muito claro. Faz o que diz. A questão em que tivemos um problema no passado prende-se com o facto de não sabermos quais eram as políticas. Pelo menos agora sabemos qual é a política. Sei como trabalhar com esta política e pelo menos há alguém com quem possamos conversar acerca da nossa situação. Como referiu, a Síria depara-se agora com uma situação mais próxima do fim da guerra mas isto deve-se ao falhanço da comunidade internacional em fazer algo pelo povo sírio. A comunidade internacional tem uma liderança que são os EUA e a Europa. No passado, penso que até 2015, não existia o Daesh ou a Frente al-Nosra, nada. Apenas pessoas que estavam revoltadas contra o Governo. Depois veio o autodenominado Estado Islâmico e estas pessoas malucas que merecem o que têm e que arrasaram com toda a revolução síria.

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