Criar resiliência é o desafio maior na guerra "esquecida" da Ucrânia

Criar resiliência é o desafio maior na guerra "esquecida" da Ucrânia
De  Elena Cavallone
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O conflito no leste da Ucrânia continua a marcar violentamente a vida de muitos civis. Mas nessa região há quem se concentre em oportunidades para o futuro. Histórias de resiliência contadas em Insight.

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A guerra no leste da Ucrânia pode parecer congelada para o resto do mundo, mas a troca de fogo entre tropas enviadas pelo governo central de Kiev e os rebeldes independentistas alegadamente apoiados pela Rússia faz parte da rotina de milhares de pessoas, desde 2014.

Uma aldeia conhecida pelo nome de Nova Iorque (que lhe foi dado por uma comunidade alemã que ali chegou no século XIX), é um exemplo da dificuldade de viver na linha de contato que divide as forças governamentais ucranianas dos separatistas pró-russos.

O mesmo nome foi dado à pizzaria que Oksana Lenko abriu com ajuda de um subsídio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

"Eu já tinha intenção de abrir um negócio como este de qualquer maneira, mais tarde, mas, entretanto, surgiu a oportunidade de usar estas instalações. Queríamos abrir as portas, com ou sem guerra, era um desejo forte. Além disso, se é verdade que a guerra continua, a vida também continua", disse à enviada especial da euronews, Elena Cavallone.

Apesar da assinatura do acordo de paz de Minsk, em 2015, que proibiu o uso de armamento pesado, minas, morteiros e balas de atiradores furtivos continuam a fazer vítimas.

Medo do presente, mas esperança num futuro melhor são sentimentos que o rapper Kyrylo Demianov, de 17 anos, tenta expressar nas letras das canções que partilha com os amigos.

“Fazer músicas é como respirar ar fresco, depois sinto-me muito melhor. Quando sinto o peso da pressão por causa da rotina, dos estudos ou dos bombardeamentos, não tenho, literalmente, ninguém com quem conversar. Então, simplesmente, tomo notas sobre os meus pensamentos no meu telemóvel ou numa página do meu caderno. E quando os leio sinto-me muito melhor”, disse à euronews.

UE e ONU tentam ajudar a criar esperança e coesão

A vida nas povoações junto da linha de contato é difícil, com as famílias a viverem divididas e a falta de emprego. Os terrenos minados impedem que se retome a agricultura.

"No momento em que o conflito no leste da Ucrânia entra no quinto ano, a violência em curso é um obstáculo ao desenvolvimento do país e às possibilidades de ganhar sustento para milhões de ucranianos. Nesta região, a insegurança fez colapsar a indústria, criou desemprego e danificou as infra-estruturas. Também colocou maior pressão sobre os já deficientes serviços de segurança social da Ucrânia", explica Elena Cavallone.

A euronews visitou o hospital de Myrnohrad, no dia em que foi inaugurada uma nova máquina de raios X que ajudará nos diagnósticos numa unidade que atende 11 mil pacientes por ano.

A doação vem de uma instituição ligada à União Europeia, com a qual a Ucrânia tem um acordo de associação, desde setembro de 2017.

Jean Erik de Zagon, gestor local dos projetos do Banco Europeu de Investimento, refere que "se melhorarmos a vida dos cidadãos comuns, tal também ajudará a consolidar a democracia neste país. Quando há melhorias no sistema de educação e nos cuidados de saúde, as pessoas vivem melhor e a democracia sai fortalecida”.

Este é o único hospital que dá assistência médica especializada na parte que o governo de Kiev controla na província de Donetsk, principal bastião do movimento separatista.

Antes da guerra, o sistema de saúde já tinha graves carências, mas a situação agravou-se com os movimentos de pessoas que fugiram das regiões mais afetadas pelos combates como os rebeldes pró-russos.

“Quando o conflito eclodiu no leste da Ucrânia, um grande número de pessoas deslocadas internamente e soldados vieram ao hospital, sobretudo em 2014. Agora temos um maior número de pacientes mas, ao mesmo tempo, vamos tendo maior capacidade de ajudar as pessoas”, afirmou Roksana Khohlova, chefe da equipa médica.

Eleições em março de 2019

Pelo menos 1,5 milhões de pessoas vivem deslocadas do local de origem devido ao conflito nas províncias de Donetsk e de Luhansk, no leste da Ucrânia, e da anexação da península da Crimeia pela Rússia.

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Reconstruir a coesão social é crucial, diz Viktor Muntenau, responsável no país pelo programa do PNUD Recuperação e Promoção da Paz: “É necessária coesão entre os membros da comunidade, mas também entre a população e o Estado. Com essa aproximação podem sentir que fazem parte do grande esforço para reconstruir o que foi destruído no leste do país”.

Estas províncias na fronteira leste com a Rússia distam 650 km de Kiev, a capital, onde se concentrou a revolução Maidan, em defesa de maior proximidade do país à União Europeia (UE).

O movimento visou cortar com décadas de influência da antiga potência soviética, da qual o país se tornou independente em 1991, mas no leste há quem se queixe de total abandono pelo poder central.

Isso poderá ter impacto nas eleições presidenciais no país, já em março, diz a analista política Katharine Quinn-Judge, do centro de estudos International Crisis Group

"No caso dos forças políticas pró-russas ganharem terreno, existe a possibilidade dos esforços para a integração na UE ficarem paralisados. Penso que essas forças terão menos possibilidades se o atual governo provar que se pode ser pró-UE e, ao mesmo tempo, adotar uma abordagem inclusiva que beneficie todos os cidadãos do país", afirmou.

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A ascensão de forças populistas e pró-Rússia já é notória e a incerteza política não ajudará a pôr um fim ao conflito por muitos esquecido, mas que é o mais sangrento na Europa desde a guerra dos Balcãs, nos anos 90.

Nome do jornalista • Isabel Marques da Silva

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