Sadiq Khan: as pessoas no poder na UE não refletem a sociedade atual

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Presidente da câmara de Londres: "Se não houver uma adaptação e uma evolução para acompanhar o ritmo das mudanças na Europa, os políticos ficaram cada vez mais distantes das pessoas e eles dependem da confiança dessas pessoas para sobreviver".

A Grã-Bretanha deixou a União Europeia. As negociações sobre o futuro da relação entre as duas partes começam em breve. Que forma deverá assumir essa relação numa cidade que votou esmagadoramente para permanecer na UE? A euronews entrevistou Sadiq Khan, autarca de Londres.

euronews: Está em Bruxelas para falar com vários políticos sobre a chamada "cidadania associada" à União Europeia. Obviamente, como a Grã-Bretanha deixou a União, os britânicos deixam de ser cidadãos da UE. O que é cidadania associada?"

Há milhões de londrinos e de britânicos de todo o país que ficaram de coração partido devido ao Brexit.
Sadiq Khan
Presidente da câmara de Londres

Sadiq Khan: "Muitos espectadores podem não se aperceber disso, mas há milhões de londrinos e de britânicos de todo o país que ficaram de coração partido devido ao Brexit. No final do ano, vamos sair do mercado único e vamos perder a livre circulação na União Europeia. Mas existe um conceito no Tratado de Maastricht, o conceito de cidadania da União Europeia. É um dos argumentos que tenho apresentado aos grandes decisores políticos europeus. Embora tenhamos saído da União e mesmo sabendo que vamos provavelmente sair do mercado único no final do ano, será possível permitir que todos aqueles que desejem ficar ligados à União Europeia tenham uma forma de cidadania associada? Eu aceito a ideia de que não teremos os mesmos privilégios que tínhamos quando éramos membros da União Europeia, porque vamos deixar o mercado único. Não podemos ter livre circulação de pessoas, de bens, de serviços e de capital. No entanto, daqui para frente, podemos manter um relacionamento particular entre os que desejam fazer parte da União Europeia através de uma cidadania associada, que permitisse, por exemplo, circular no espaço europeu, estudar na Europa, trabalhar na Europa e usufruir dos benefícios da União Europeia.

euronews: "Há pessoas que dizem que isso é apenas um truque e que não vai funcionar porque implica uma mudança do tratado europeu e isso não vai acontecer. Um político afirmou que a proposta não é séria, é uma quimera".

Sadiq Khan: "Bom, queremos plantar a semente na mente das pessoas, não apenas na do governo britânico. Ontem, escrevi a Boris Johnson para lhe pedir que discutisse a possiblidade uma cidadania associada quando as negociações começarem em março. Aceito a nossa saída do mercado único. Aceito o facto de o meu governo não querer a livre circulação de pessoas. Sei que há desafios sobre a questão da reciprocidade. Mas gostaria de falar com os políticos europeus para lhes explicar que muitos de nós tentaram, sem sucesso, encontrar um antepassado irlandês, italiano ou polaco para manter a cidadania europeia. Não conseguimos fazê-lo. Será que há outra forma de mantermos uma relação com a União Europeia?"

Eu não quero que os meus filhos regressem aos velhos tempos em que suspeitávamos dos franceses e dos alemães.
Sadiq Khan
autarca de Londres

euronews: "Vamos olhar para o longo prazo, para o Brexit, tendo em conta a opinião pública atual, o facto de a Grã-Bretanha já ter saído da União e de podermos levar anos a resolver a relação entre as duas partes. Já conseguiu aceitar o facto de que a Grã-Bretanha não fará, provavelmente, parte da União Europeia pelo menos durante uma geração?"

Sadiq Khan: "Penso também que, a curto e médio prazo, não é possível voltarmos a fazer parte União Europeia. É por isso que digo aos meus amigos que votaram pela saída, incluindo o governo: "temos que trabalhar juntos para que o Brexit seja um sucesso a curto e médio prazo e para que as coisas se passem da melhor maneira possível. Devo acrescentar que não creio que teremos tanto sucesso como teríamos se fossemos membros da UE. Talvez a longo prazo, quem sabe? Sou da geração que cresceu a ver os nossos vizinhos europeus como amigos, como aliados, membros da nossa família. Enquanto a geração dos meus pais suspeitava dos nossos vizinhos europeus. Eu não quero que os meus filhos regressem aos velhos tempos em que suspeitávamos dos franceses e dos alemães. Quero que nossos filhos os considerem como nossos amigos, parte da nossa família. Poderá haver no médio e longo prazo, uma discussão sobre a re-adesão à União, mas no curto prazo, deixámos a União".

euronews: "Quando foi eleito, há quase quatro anos, tornou-se no primeiro muçulmano presidente da câmara de uma grande cidade ocidental. Houve grandes avanços em certos países da Europa no que toca às relações entre pessoas de diferentes origens e religiões. Mas esses avanços não se refletem nas instituições europeias. No Parlamento Europeu, por exemplo, há menos de 3% de deputados que não são brancos. E, essa percentagem baixou com a saída da Grã-Bretanha. Todos os políticos da Comissão Europeia são brancos. Pensa que União Europeia não se preocupa tanto com essas questões como a Grã-Bretanha?"

Se não houver uma adaptação e uma evolução para acompanhar o ritmo das mudanças na Europa, os políticos ficaram cada vez mais distantes das pessoas.
Sadiq Khan
presidente da câmara de Londres

Sadiq Khan: "Se olharmos para a Europa, e não apenas para o meu país, vemos que muitos europeus sentem que há uma falta de ligação entre as instituições europeias e os povos. Por exemplo, a União Europeia não se parece conosco. Eu sou europeu. Há pessoas parecidas comigo em França, em Espanha, em Itália, na Alemanha. Somos um continente onde há uma grande diversidade do ponto de vista étnico, em relação à religião, à orientação sexual, às pessoas com deficiências. Mas, na União Europeia, as pessoas que estão em posições de poder e influência não refletem adequadamente a nossa sociedade em 2020. Se não houver uma adaptação e uma evolução para acompanhar o ritmo das mudanças na Europa, os políticos ficaram cada vez mais distantes das pessoas e eles dependem da confiança dessas pessoas para sobreviver.

euronews: "Penso que é apropriado dizer que teve alguns desentendimentos com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. É possível e até provável que ele seja eleito em novembro, por mais quatro anos. No seu caso, também pode ganhar as eleições para a câmara de Londres no final do ano. Arrepende-se do mau relacionamento entre os dois?

Sadiq Khan: "É claro que o Reino Unido e os Estados Unidos têm uma relação especial. O que significa que o que esperamos um do outro é diferente do que esperamos de outros países. É como ter um melhor amigo. Esperamos mais do nosso melhor amigo do que de pessoas conhecidas ou de estranhos. O objetivo de um relação especial é manter a relação na adversidade mas também chamar a atenção do amigo quando pensa que ele está errado. Quando olho para o mundo, vejo o surgimento de movimentos nativistas populistas. Vejo líderes a tentar dividir as pessoas em vez de uni-las. É preciso chamar a atenção dessas pessoas. O Donald Trump disse uma série de coisas sobre as pessoas que são gays, mexicanas, muçulmanas, mulheres, coisas de que discordo e não tenho medo de falar com ele sobre isso".

euronews: "Se um dos dois não for embora, tanto o Reino Unido como a União Europeia querem negociar acordos com os Estados Unidos. E temos a impressão que os Estados Unidos querem agora um acordo comercial com os dois blocos. Sendo assim, não seria melhor se se entendessem um pouco?"

Sadiq Khan: "Eu já disse a Donald Trump que ficaria feliz por recebe-lo em Londres para lhe apresentar mulheres que são iguais a ele, muçulmanos que se orgulham de ser ocidentais e muçulmanos, e para apresentá-lo aos membros da comunidade LGBTQ + que devem ser tratados da mesma forma que toda a gente. Ficaria feliz por mostrar-lhe, em Londres, mesquitas e sinagogas e explicar-lhe que é possível ser muçulmano e britânico, ser um ocidental orgulhoso e um crente orgulhoso da fé islâmica.

euronews: Para terminar, perguntas binárias, uma só escolha. Não vale fazer batota. Donald Trump ou Vladimir Putin?

Sadiq Khan: "Passo".

euronews: "Só pode passar uma vez. O antigo ou o novo passaporte britânico?"

Sadiq Khan: "O antigo sem dúvida".

euronews: "Merkel ou Macron?"

Sadiq Khan: "Boa pergunta. Conheci o Macron, não conheci a Merkel, acho que ele é um progressista, tem orgulho de ser europeu, fiquei muito impressiado quando o conheci".

euronews: "Batatas fritas verdadeiras, de pacote ou gofre?"

Sadiq Khan: "Batata frita de pacote!"

euronews: "Muito obrigado pela entrevista".

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