Euroviews. Estado de Direito Europeu não pode ser instrumentalizado em disputas partidárias dos Estados-Membros

Ministra da Justiça Francisca Van Dunem
Ministra da Justiça Francisca Van Dunem Direitos de autor JOSÉ SENA GOULÃO/ 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
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De  Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça de Portugal
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Este artigo é um direito de resposta exercido pela Ministra da Justiça de Portugal à carta aberta assinada por Miguel Poiares Maduro e dirigida ao Parlamento Europeu através da Euronews

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Este artigo é um direito de resposta exercido pela Ministra da Justiça de Portugal à carta aberta assinada por Miguel Poiares Maduro e dirigida ao Parlamento Europeu através da Euronews.

Numa carta aberta patrocinada por Miguel Poiares Maduro, vários proeminentes académicos internacionais manifestaram a sua preocupação com a “forte suspeita” de que “a interferência dos governos nacionais” tenha prejudicado a escolha dos procuradores nacionais para a Procuradoria Europeia (EPPO).

A gravidade desta acusação e a credibilidade daqueles que formulam estas alegações tornam urgente esclarecer algumas preocupações de tão ilustres personalidades.

Em primeiro lugar, é crucial reafirmar que a proposta do Comité de Seleção não é vinculativa para o Conselho. A escolha final entre os três nomes é sempre do Conselho.

A opção do Governo não foi neutra, uma vez que, infelizmente, Portugal conhecera já uma situação, ocorrida em 2014, na qual o Governo em funções, por não se conformar com uma decisão do Conselho Superior do Ministério Público que renovou a comissão do magistrado nacional EuroJUST, fez aprovar uma lei para impedir o Conselho Superior do Ministério Público de se pronunciar sobre o mérito dos candidatos.

Com efeito, nos termos do artigo 16º, nº 2, do Regulamento do Conselho que estabelece o EPPO, o parecer do painel só se torna vinculativo se o painel considerar que um candidato específico não reúne os requisitos para ser nomeado Procurador Europeu.

E é assim também porque coexistindo no seio da União Europeia diferentes graus de autonomia das magistraturas em relação ao poder político, e podendo ser também distintos os critérios e métodos de seleção interna dos candidatos indicados por cada Estado, o Conselho deve poder ter, no final, uma margem de apreciação que pondere os aspetos não valorados pelo comité ou que os avalie diferentemente.

O Ministério Público português está, historicamente, entre os que possuem mais autonomia do poder político, e é considerado um exemplo não só dentro da União Europeia, mas a nível mundial.

Na sequência do Regulamento do Conselho, o Governo português propôs e o Parlamento português aprovou um projeto de lei que estabelece um modelo de seleção interna dos candidatos à EPPO que atribuiu ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) e ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) a responsabilidade pela escolha dos candidatos.

Os dois conselhos são órgãos constitucionais dotados de autonomia e independência e têm a missão normal de assegurar a gestão das carreiras dos magistrados, exercer a ação disciplinar e garantir o funcionamento independente das magistraturas.

A opção do Governo não foi neutra, uma vez que, infelizmente, Portugal conhecera já uma situação, ocorrida em 2014, na qual o Governo em funções, por não se conformar com uma decisão do Conselho Superior do Ministério Público que renovou a comissão do magistrado nacional EuroJUST, fez aprovar uma lei para impedir o Conselho Superior do Ministério Público de se pronunciar sobre o mérito dos candidatos.

Por coincidência, Miguel Poiares Maduro, que agora demonstra grande preocupação com o Estado de Direito, era então um membro destacado desse Governo que aprovou o projeto de lei em questão. Resta saber o que pensaria Poiares Maduro, o ministro, da carta elaborada por Poiares Maduro, o académico, e vice-versa.

Tratando-se, como se trata, de um lugar de magistratura, entende o Governo de Portugal que deve respeitar as escolhas dos órgãos de gestão das magistraturas cuja existência e missões resultam da Constituição.

O Conselho Superior do Ministério Público procedeu a uma seleção e hierarquizou em primeiro lugar o candidato nomeado para Procurador Europeu, com uma margem de diferença de 14 pontos para a candidata sugerida pelo Comité de Seleção, que foi posicionada em último lugar, entre os 3 candidatos selecionados.

O Governo português seguiu a recomendação feita pelo Órgão Constitucional responsável pela gestão das carreiras dos magistrados que é um órgão independente. O ranking elaborado pelo Conselho Superior considerou as carreiras dos três magistrados e, tendo em conta a natureza do EPPO, e a dimensão institucional do lugar a ocupar, fez uma classificação dos magistrados diametralmente oposta à que foi feita pelo painel de seleção. O Governo português expôs a situação ao Conselho, que procedeu a uma avaliação dos dois candidatos.

Com esta intervenção o Governo de Portugal reafirmou a autonomia do Ministério Público nacional e – ao contrário do que se pretende na carta – contribuiu também para o reforço da autonomia da Procuradoria Europeia e para uma melhor articulação entre a mesma Procuradoria Europeia e as autoridades nacionais responsáveis pela direção da investigação criminal.

A divergência entre a sugestão do Comité de Seleção e a decisão final do Conselho na nomeação do Procurador Europeu tem sido um tema convocado no plano interno pela oposição ao Governo, que requereu a presença da Ministra da Justiça no Parlamento para dar explicações.

Não surpreende que os académicos de outros países, não familiarizados com a legislação portuguesa, não tenham conhecimento destes fatores. Espera-se, no entanto, que o autor da carta tenha tido a lisura de lhes fornecer o quadro completo, antes de os envolver em alegações depreciativas.

O Governo português tem demonstrado sistematicamente o seu compromisso de manter os mais elevados padrões de transparência e respeito pelos órgãos da UE. O respeito pelo Estado de direito na Europa é uma matéria excessivamente crítica para ser usada como arma de arremesso com o intuito de influenciar debates políticos a nível nacional. Os que optam por fazê-lo, descontextualizando a realidade, estão a instrumentalizar instituições internacionais em seu benefício político partidário e, ao fazê-lo, degradam profundamente os princípios europeus que afirmam defender.

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