O mundo pós-pandémico de Fareed Zakaria

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O comentador sobre o Médio Oriente e autor Fareed Zakaria falou com a Euronews sobre a importância estratégica da região, num mundo cada vez mais pós-Trump e pós-pandemia.

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A Euronews, em colaboração com o Fórum Estratégico Árabe, apresenta o programa "Agenda Middle East". Através de uma série de entrevistas emblemáticas vamos colocá-lo frente a frente com alguns dos mais influentes decisores, líderes e especialistas no Médio Oriente e perguntar-lhes sobre o futuro geopolítico e económico da região.

Junte-se a nós, uma vez por mês, para conversas interessantes, opinião informada e análise aprofundada sobre uma das zonas mais importantes, do ponto de vista estratégico, no mundo.

Acho que os Acordos de Abraão foram fantásticos. Penso que foram essencialmente a mais significativa, se não a única, realização de Donald Trump, em termos de política externa.
Fareed Zakaria
Especialista em questões do Médio Oriente

O nosso convidado neste episódio é Fareed Zakaria, anfitrião do programa "Fareed Zakaria GPS", da CNN Worldwide, colunista do The Washington Post, editor em colaboração com a revista The Atlantic e autor de vários êxitos de vendas. O seu último livro intitula-se "Dez Lições para um Mundo Pós-Pandemia". Em entrevista à Euronews, Fareed Zakaria partilhou connosco a sua visão sobre o futuro da região do Médio Oriente e a influência dos Estados Unidos da América na região.

Chris Burns, Euronews: O início ano está a ser um pouco difícil. Espera um 2021 mais feliz?

Fareed Zakaria: Sim, tem sido um começo muito duro, mas de certa forma um começo que augura um futuro melhor. Tenhamos em mente que estão a acontecer duas grandes coisas. A primeira é que a democracia americana se reafirmou e triunfou. Sei que parece muito confuso, mas vejam, há muita raiva lá fora. Há muita tensão. Há muitas pessoas que sentem que discordam ferozmente umas das outras. O desafio, ou a questão era, será que isto acabará por ser resolvido num quadro democrático? E a resposta é: sim. Joe Biden vai ser empossado. Ele será presidente e por isso vamos avançar. Continuará a ser...

C.B.: Mas não considera também que o vimos acontecer, com o edifício do Capitólio a ser invadido, um aviso contra outros que enfrentam movimentos populistas nos seus próprios países?

F.Z.: Sim, penso que o desafio aqui é muito real. Desenvolvemos um grau de disfunção no mundo democrático, que quando temos paixões populares a despertar, há agora uma espécie de lealdade tribal ao nosso lado que supera a nossa lealdade à democracia, supera a nossa lealdade ao Estado de direito.

Estamos também a avançar para o fim da covid. Estamos a avançar para um mundo pós-pandémico. A primeira metade, a primeira fase, correu bastante mal. Sejamos honestos. Com exceção de alguns países do Leste asiático, em praticamente todo o lado as coisas têm sido muito mal geridas. Devo destacar os Emirados Árabes Unidos por ter tido outra realidade. Os Emirados Árabes lidaram soberbamente com a covid, tal como Taiwan, a Coreia do Sul, mas na maior parte [dos sítios] foi mal gerida. A segunda fase, porém, passa fundamentalmente do setor público para o setor privado: vacinas, terapias. E aí, penso que vamos ter um desempenho superior.

A Europa, enquanto entidade estratégica, é uma ideia. Não é uma superpotência
Fareed Zakaria
Especialista em questões do Médio Oriente

C.B.: Falemos um pouco mais também da região do Médio Oriente e desta espécie de nova desordem mundial, após os EUA terem reduzido o seu envolvimento em vários países do mundo árabe. E vemos outros atores a disputar o poder, como a Turquia, a Rússia, a China, como o Irão. De que forma é que isso complicou a situação tendo em vista algum tipo de estabilidade na região?

F.Z.: Colocou muito bem a questão, porque a maioria das pessoas não se apercebe da condição subjacente, o facto geopolítico aqui subjacente, que tem sido a retirada dos Estados Unidos.

Previ isso no meu último livro, “O Mundo Pós-Americano”, e disse que o mundo pós-americano não vai ser bonito. E o que está a ver no Médio Oriente é - e começou realmente com - o segundo mandato de Bush após a guerra do Iraque, certo? Depois Obama e agora Trump, todos a sair do Médio Oriente, tanto porque a guerra do Iraque gerou muita confusão e há uma reação popular, como porque os Estados Unidos são agora independentes do ponto de vista energético.

Mas o resultado, como diz, não é uma espécie de paz harmoniosa e tranquilidade para todos aqueles críticos do imperialismo americano. O que se nota é que a alternativa é a rivalidade local, a rivalidade regional e o caos.

C.B.: Portanto, os americanos não se vão envolver muito. E os europeus? Eles são os maiores doadores da região. Eles têm bons contactos. Mas até agora, não têm o peso que deveriam na região, certo?

F.Z.: A Europa não vai intervir. A questão fundamental é que a Europa, enquanto entidade estratégica, é uma ideia. Não é uma superpotência. Eles gostariam que ela fosse capaz de agir com determinados propósitos, mas não o fará. A Europa tem algumas áreas - e digo isto como grande fã da Europa – em que atua propositada e estrategicamente, como no comércio, em questões de direito da concorrência. Em questões centrais de segurança nacional, a Europa é uma ideia. Não é uma realidade estratégica e não o será.

O problema é [haver] uma sensação generalizada de que os palestinianos foram de alguma forma respeitados, de que lhes foi dada alguma dignidade e soberania. Podemos esculpir uma parte de Jerusalém oriental e chamar-lhe Jerusalém, ou chamar-lhe Jerusalém Palestiniana. (...) É para isto que os diplomatas são pagos.
Fareed Zakaria
Especialista em questões do Médio Oriente

C.B.: Ia perguntar-lhe sobre os Acordos de Abraão, com o nome do profeta de todas as fés abraâmicas. Há algum motivo económico por trás disto, em que possa ser do interesse de todas as partes envolvidas acalmar as coisas e fazer mais comércio. Poderá o comércio ser esse tipo de cola que conduz a uma região mais estável?

F.Z.: Acho que os Acordos de Abraão foram fantásticos. Penso que foram essencialmente a realização mais significativa de Donald Trump, talvez a única em termos de política externa. E é real. Temos de convir que provavelmente a sua origem esteve na seguraça nacional. A inimizade partilhada, a hostilidade partilhada em relação ao Irão e o medo partilhado do Irão. Mas isso não significa que a parte comercial seja insignificante. Seria maravilhoso se pudéssemos ver alguma verdadeira interdependência e harmonia.

**C.B.: É possível construir sobre esses Acordos de Abraão uma espécie de Camp David? Ou será que isto sou apenas ****eu **a sonhar?

F.Z.: Não, acho que tem toda a razão. Espero que a administração Biden tire proveito disso. E acredito que, pelo que disseram, o pretendam fazer.

C.B.: Em que medida é que o facto de Trump ter criado uma embaixada dos EUA em Jerusalém, pode ser um obstáculo a qualquer um desses planos?

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F.Z.: Não me parece. Os bens imobiliários não são o problema. O problema é [haver] uma sensação generalizada de que os palestinianos foram de alguma forma respeitados, de que lhes foi dada alguma dignidade e soberania. Podemos esculpir uma parte de Jerusalém oriental e chamar-lhe Jerusalém, ou chamar-lhe Jerusalém Palestiniana. Percebe o que quero dizer? É para isto que os diplomatas são pagos. Há aqui soluções.

Acho que Mohammed bin Salman tem sido um reformador extraordinário em casa. Ele tem feito coisas que as pessoas há muito vêm advogando na Arábia Saudita. Mas também teve muitas ações repressivas.
Fareed Zakaria
Especialista em questões do Médio Oriente

C.B.: Olhemos para estes agentes locais, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), o CCG como um bloco, especialmente agora, depois de a Arábia Saudita e os outros [países] terem levantado o embargo ao Qatar. Como é que olha para esta situação? Como vê terem proporcionando alguma liderança na região?

F.Z.: Penso que se a Arábia Saudita pudesse avaliar onde tem estado e perguntar a si própria se pode liderar o Conselho de Cooperação do Golfo da forma como tem sido tradicionalmente liderado, que é por consenso e moderação, penso que muito poderia ser alcançado. Acho que Mohammed bin Salman tem sido um reformador extraordinário em casa. Ele tem feito coisas que as pessoas há muito vêm advogando na Arábia Saudita. Mas também teve muitas ações repressivas. Prendeu muitos dos defensores das próprias reformas que está a propor.

C.B.: Mas deixe-me voltar à ideia de levantar o embargo no Qatar. Isso significa que, naquela região, as tensões suavizaram um pouco´? Ou seja, as tensões estão mais contidas. Israel normalizou as relações com os Emirados Árabes Unidos, com o Bahrein, com Marrocos. Poderá isso ter um efeito calmante e trazer mais estabilidade à região?

F.Z.: Absolutamente, e é um bom sinal. Aponta na direção fundamental. Gostaria de ver esta política externa saudita desaparecer. Porque o embargo ao Qatar foi um desastre; se nos recordarmos, anunciaram uma série de exigências que o Qatar tinha de cumprir para levantarem o embargo. O Qatar não cumpriu uma única dessas exigências e mesmo assim o embargo foi levantado. Se optassem por outro caminho, de consenso, que era a forma tradicional de funcionamento do CCG, penso que se poderia obter muito. E eu diria que os Acordos de Abraão são um grande passo em frente nessa direção.

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A administração Biden tem toda a razão em dizer que quer tentar trazer o Irão de volta ao acordo nuclear e depois negociar sobre todas as outras questões
Fareed Zakaria
Especialista em questões do Médio Oriente

C.B.: Falemos da questão nuclear iraniana e do facto de os EUA terem saído desse acordo nuclear e de o Irão, por seu lado, ter intensificado o programa nuclear. Em que medida é que isso impede Biden e os europeus de tentarem elaborar um novo acordo?

F.Z.: O problema da administração Trump foi ter conseguido exercer mais pressão sobre o Irão, mas ao mesmo tempo ter deixado a situação altamente instável, muito volátil. Portanto, penso que a administração Biden tem toda a razão em dizer que quer tentar trazer o Irão de volta ao acordo nuclear e depois negociar sobre todas as outras questões.

Creio que a melhor forma de o governo regular não é criar uma série de regulamentações complicadas. Tributa-se aquilo que queremos ver menos e coloca-se uma enorme quantidade de dinheiro nas energias renováveis
Fareed Zakaria
Especialista em questões do Médio Oriente

CB: Mas e o ambiente? Durante algum tempo, as pessoas acharam que era ótimo haver menos gente a conduzir, a voar menos. Agora, vamos obviamente ver Biden a aderir de novo ao Acordo de Paris. Mas muitas pessoas no mundo da ciência dizem que isso não vai ser suficiente.

F.Z.: A coisa mais simples, mais poderosa, mais eficaz que vai funcionar é uma espécie de preço sobre o carbono, uma taxa sobre o carbono, porque, em última análise, eu sou a favor do mercado livre. Creio que a melhor forma de o governo regular não é criar uma série de regulamentações complicadas. Tributa-se aquilo que queremos ver menos e coloca-se uma enorme quantidade de dinheiro nas energias renováveis, e veremos ao longo dos próximos 30 ou 40 anos de transição.

C.B.: E vamos ver também mais coletes amarelos, não?

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F.Z.: Levanta uma questão muito importante.

C.B.: Tem de ser uma transição justa. Como é que se faz uma transição justa com uma taxa de carbono?

F.Z.: Algumas destas tendências fazem sentido para todos em conjunto, mas os efeitos de distribuição são incómodos. Algumas pessoas beneficiam mais, outras ficam mais prejudicadas. Talvez precisemos de ter algum tipo de mecanismo de compensação. Talvez precisemos de subsídios para essas pessoas. Temos de reconhecer que temos de englobar toda a gente.

C.B.: E como pensa que vai ser daqui a 10 anos? Onde acha que estaremos?

F.Z.: Penso que vamos estar a passar por uma enorme transição. E é porque uma ordem antiga vai estar a mudar. Estamos a avançar em tantas frentes em simultâneo. Estamos a afastar-nos de um mundo dominado pelos americanos para um mundo em que não apenas a China, mas outros países estão a emergir. Estamos a mudar para um sistema genuinamente igualitário para as mulheres. Penso que vamos descobrir que reinventámos este mundo de uma forma muito mais inclusiva, muito mais diversificada, muito mais inovadora, muito mais produtiva. Vamos ter os nossos próprios problemas. Mas penso que, daqui a 15 anos, vou preferir estar a viver nesse mundo do que no mundo atual.

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C.B.: Portanto, está confiante de que o mundo terá aprendido com estas "Dez Lições Para Um Mundo Pós-Pandemia".

F.Z.: Será que vamos aprender tudo? Não. Vamos cometer novos erros? Claro que sim. Será que, por vezes, vamos voltar a cometer os mesmos erros? Sim. Mas fundamentalmente, sim, aprendemos e vamos aprender.

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