Entrevista: Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde

Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca
Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca Direitos de autor AMPE ROGÉRIO/ 2021 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
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De  Neusa SilvaJoão Peseiro Monteiro
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O presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, explicou o quão difícil foi alcançar um consenso político entre os países da CPLP, pertencentes a diferentes espaços regionais. O legado da presidência cessante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em entrevista exclusiva à Euronews.

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O presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, recebeu a Euronews em Luanda, durante a cimeira na qual transmitiu a liderança da Comunidade de Estados de Língua Portuguesa (CPLP) ao homólogo angolano, João Lourenço. Um testemunho para a história, na véspera da assinatura da Convenção da Mobilidade que, desejam os seus signatários, transforme definitivamente a relação entre os povos lusófonos.

Neusa e Silva, Euronews:

Bem-vindo à Euronews. Qual é o maior desafio deste mandato extraordinário de 3 anos, devido à pandemia?

Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

O maior desafio terá sido o de conceção, negociação e consensualização de uma convenção sobre a mobilidade da CPLP. Um desafio que a nossa presidência abraçou desde o seu início, debaixo do lema: “As Pessoas, a Cultura, os Oceanos”.

Essa convenção será um instrumento crucial para que, com vontade política, com determinação, possa dar um grande salto em frente na CPLP transformando-a, progressivamente, numa comunidade de pessoas, numa comunidade de povos, numa comunidade de cidadãos.

Neusa e Silva, Euronews:

Cabo Verde conduziu a maior parte dos trabalhos sobre este acordo de mobilidade. Quais são os termos gerais?

Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

Mais circulação, mais livre circulação dos cidadãos de um dos Estados no espaço dos outros Estados através, digamos, de uma espécie de geometria variável.

A convenção é de tal modo flexível que permite, por exemplo, que Cabo Verde, ao ratificar a convenção, aceite livre circulação em Cabo Verde de cidadãos dos oitos membros restantes da CPLP, portanto sem vistos, possibilidade aberta a todos os cidadãos desses oito membros, sejam eles estudantes, investigadores, empresários, advogados, universitários, artistas, desportistas.

Mas permite que outros, tendo em conta as suas condições, por exemplo, o país B, que aceite livre circulação, por exemplo, para seis dos restantes membros, e em relação aos outros três circulação [apenas] para certas categorias de pessoas, por exemplo, estudantes, desportistas, agentes culturais, empresários.

Portanto, em modalidades, uma espécie de um cardápio, de um menu, em que cada um escolhe a medida da sua adesão à mobilidade.

Neusa e Silva, Euronews:

Houve alguma dificuldade em conformar estas normas com Brasil e Portugal?

Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

Não vou nomear países, o que lhe posso dizer é que as negociações não foram fáceis.

Nós na presidência é que tivemos a iniciativa. Tivemos o apoio de outros países, um apoio mais ou menos acentuado, houve algumas reservas, dificuldades postas por alguns dos países membros e, portanto, nós fomos adaptando o texto da convenção de forma que o objetivo que nós queríamos fosse alcançado: que politicamente todos os estados assumissem a convenção.

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Não foi um processo isento de dificuldades mas fomos adaptando as reservas, as dúvidas, as dificuldades que alguns dos países foram pondo, de acordo com exigências, por vezes, da sua concreta inserção regional, isto é, Portugal está na União Europeia, o Brasil está no Mercosul, nós estamos na CEDEAO, outros estão na SADC, e, portanto, há compromissos e limitações de inserção regional. Conseguiu-se um quadro que foi capaz de ser aceite por todos.

Neusa e Silva, Euronews:

Não teme que, com este acordo e com a livre circulação, haja fuga de competências para outros países?

Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

Nós até somos uma comunidade fundada em princípios de respeito pelos Direitos Fundamentais, pela Democracia, de economias abertas e, portanto, a competição dentro de certas regras é sempre boa para qualquer um dos nossos países. Isso até estimula que, internamente cada país crie as condições para, sendo necessário, sendo desejado, fixe as suas competências e os seus cérebros no próprio país.

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Mas também, repare, eu falo de Cabo Verde, Cabo Verde é um país aberto nós pretendemos é ter um país desenvolvido, com uma educação muito exigente e qualificada, com grandes quadros que podem trabalhar em Cabo Verde mas que possam também competir com quadros em qualquer parte do mundo.

Neusa e Silva, Euronews:

O Brasil é visto como o gigante adormecido dentro da CPLP?

Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

Eu acabei há pouco de ter um encontro, recebi o sr. vice-presidente da república, o general Hamilton Mourão, tivemos uma conversa muito cordial, muito aberta, e ele transmitiu-me a opinião das autoridades brasileiras de apego, de determinação, para o avanço da CPLP, ele mesmo um entusiasta da CPLP.

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E posso-lhe dizer que, um outro sinal que nós tivemos, o Brasil foi um dos países que apoiou durante as negociações do acordo de mobilidade. Tivemos sempre o apoio claro, o apoio sempre crítico, condicionado, digamos, a propostas de alteração, mas o Brasil apoiou sempre esta iniciativa da presidência cabo-verdiana do acordo da mobilidade.

Agora, naturalmente, sendo o país que é, com a dimensão que tem, com o potencial de desenvolvimento que tem, nós desejamos que o Brasil cada vez mais se envolva, digamos, na potenciação de todas as condições para que a comunidade seja cada vez mais uma comunidade prestigiada, credível, no plano internacional e que propicie condições de desenvolvimento económico, social em todos os países da nossa comunidade.

Neusa e Silva, Euronews:

Relativamente a Moçambique e a Cabo Delgado, Cabo Verde assiste a uma situação semelhante em países vizinhos da África Ocidental...

Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

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Infelizmente, Cabo Verde faz parte de uma sub-região africana com muitos problemas que geram instabilidade política, institucional e social. Basta vermos que na nossa região temos atividades do Boko Harem, na Nigéria, mas também temos problemas de atos terroristas no Mali, até na Côte d’Ivoire, no Burkina Faso.

A União Africana nomeadamente e a própria CEDEAO têm algum capital de experiência que pode transmitir, se necessário e se for solicitado, digamos a outros países irmãos membros da comunidade, no combate a fenómenos como esse, que são fenómenos de prevenção e de combate difícil e complexo.

No caso concreto de Moçambique tudo depende, em última análise do que entendem as autoridades moçambicanas, de que tipo de apoio solicitam. Esse apoio pode ser concedido pelas organizações como um todo, ou também, eu estou a falar por exemplo da CPLP que tem uma natureza diferente do que tem a União Africana, a CEDEAO ou as Nações Unidas, é mais uma organização intergovernamental, com outro tipo de perfil, de natureza, mas vê-se por exemplo países membros da CPLP que diretamente e unilateralmente apoiam Moçambique, ou podem fazê-lo através da sua inserção noutros espaços regionais, por exemplo através da União Europeia, isso pode ser feito também pela via da União Africana.

Neusa e Silva, Euronews:

Qual foi o impacto da pandemia em Cabo Verde e na organização?

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Jorge Carlos Fonseca, presidente de Cabo Verde:

Cabo Verde terá sido, possivelmente, dos países, pelo menos africanos, que mais sofreram com a pandemia porque somos um país pequeno, um país arquipelágico, um país com poucos recursos mas sobretudo nós somos uma economia de serviços e uma economia sobretudo fundada numa atividade que é o turismo. O turismo representa perto de 25% do PIB de Cabo Verde e digamos, com o encerramento das fronteiras, com o condicionamento das fronteiras dos voos, os fluxos turísticos estão parados praticamente desde fevereiro, março de 2020.

Estamos a concentrar-nos no combate à pandemia com particular atenção nas ilhas turísticas, Sal e Boavista, de forma que ainda este ano possamos retomar atividade turística porque isto é que gera retomada da vida das empresas, muitas delas em condições muito difíceis e diria, concluindo, que o combate à pandemia tem exigido um esforço titânico do governo em Cabo Verde, do ponto de vista orçamental, do ponto de vista do acréscimo da dívida pública e esperamos que venham novos tempos, sabendo que a pandemia ainda está por desaparecer.

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