Juncker: "O papel da Europa não é dar lições, é liderar pelo exemplo"

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De  Efi Koutsokostaeuronews
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O ex-Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, conversou com a euronews sobre o papel da Europa no mundo e o legado de Angela Merkel.

A chanceler alemã, Angela Merkel, é, de longe, a líder mais antiga da União Europeia. Ajudou os 27 a gerir a crise de migração, a crise do euro e a crise da Covid-19. Mas qual é o seu verdadeiro legado europeu? Para discutir o tema, convidámos outro político europeu muito experiente, o ex-Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

euronews: "Gostaria que partilhasse connosco os momentos memoráveis e inesquecíveis dos anos em que trabalhou com Angela Merkel".

Jean-Claude Juncker : “Ela é uma pessoa cheia de humor, embora seja conhecida na Alemanha como uma pessoa realista e séria. Ela estava sempre a imitar os colegas, imitava-me também. Nunca o fez quando eu estava presente. Mas ela imitou o Sarkozy, o Trump e outros políticos de uma forma maravilhosa. Ela era uma verdadeira artista a esse nível”

euronews: “Lembra-se de algum conflito que possam ter tido no passado durante a série de crises?”

Jean-Claude Juncker: “Houve momentos de confrontos. sim. Conflitos, grandes discussões, principalmente, na Grécia, porque os alemães, e, nomeadamente, o grupo parlamentar de Merkel e a imprensa alemã não respeitaram a dignidade do povo grego. Eu dizia-lhe que a Grécia era diferente da visão que ela tinha da Grécia”.

euronews: “Foi capaz de a convencer?”

Jean-Claude Juncker: “Não. Eu tentei fazê-lo. Consegui convencer outros líderes, principalmente, o presidente francês, François Hollande, naquela altura, e o próprio ministro das finanças, Schauble, que era um bom amigo e, já agora, um político muito pró-europeu. Ele queria excluir a Grécia, temporariamente, da área do euro. Opus-me fortemente a essa ideia. Merkel não concordava com essa ideia, mas, nunca negou que podia ser útil. Mas no final, como ela colocava sempre as coisas numa perspectiva de futuro, pensou que essa ideia podia causar problemas as outros níveis.

Não devemos dar lições ao mundo inteiro. É uma “não virtude” da Europa. Em África ou na Ásia, dizemos-lhes como devem fazer as coisas. Eles não gostam disso. O papel da Europa não é dar lições. É liderar pelo exemplo.
Jean-Claude Juncker
ex-presidente da Comissão Europeia

euronews: “Disse-nos que ela é pragmática e que é descrita como tal. Qual foi a maior conquista de Merkel? E o maior fracasso?”

Jean-Claude Juncker: “Penso que o seu maior fracasso foi a relutância durante a crise grega, por causa das hesitações e da relutância dela, perdemos tempo. Podíamos ter ajudado a Grécia mais cedo”.

euronews: “E, para além da Grécia, qual foi o maior feito de Angela Merkel? A nível europeu qual será o seu legado?"

Jean-Claude Juncker: “O maior feito foi, a meu ver, o papel que desempenhou durante a crise dos refugiados em agosto e setembro de 2015. Ela era totalmente contra a ideia de fechar a fronteira alemã entre a Áustria, o Tirol e Baviera. Porque mais uma vez ela uma perspectiva de futuro na forma como abordou esse crise enorme. Estávamos sempre a falar ao telefone em agosto e setembro, e encontrámo-nos muitas vezes, e, ela disse-me: qual será a imagem da União Europeia para o mundo exterior e qual será a imagem da Alemanha para o mundo exterior se fecharmos as fronteiras, se colocarmos o exército e a polícia na fronteira com a Áustria para rejeitar aquelas pessoas pobres ? Havia muitas pessoas da Síria, do Afeganistão de muitos países. Pessoas pobres, pessoas desesperadas. E ela fez isso contra a maioria da opinião pública alemã e contra a maioria do seu próprio grupo parlamentar, a CDU. Um líder é alguém que consegue dizer não ao seu próprio partido".

Merkel desempenhou esse papel de uma forma muito cuidadosa, sábia e inteligente, porque ouvia todos os países, os países grandes, os países médios e os países mais pequenos. Quando fui primeiro-ministro, nunca tive a impressão de estar a ser tratado com uma espécie de negligência benigna.
Jean-Claude Juncker
ex-presidente da Comissão Europeia

euronews: “Merkel foi uma líder naquela fase?”

Jean-Claude Juncker: “Sim, foi uma líder. Qual é o legado de Merkel na Europa? Merkel ancorou definitavamente a Alemanha na Europa. Deixou claro aos cidadãos alemães que a Europa faz parte da "raison d'Etat" alemã. Esse é o maior legado dela. Depois de Merkel, não haverá um chanceler alemão que não seja pró-europeu".

euronews: “Vamos falar do futuro. A Alemanha vai manter a liderança na Europa depois de Merkel?”

Jean-Claude Juncker: “Não há uma liderança alemã na Europa. Essa é uma visão alemã que é partilhada pelos gregos e por muitos outros, mas a União Europeia nunca foi um grupo de países liderado pela Alemanha. Isso não é verdade. A Alemanha tem um papel importante, é o maior país, a economia mais forte, o país com o maior número de vizinhos europeus. Por isso, a Alemanha deve cumprir o seu papel, no centro do continente. E a Alemanha está muito perto da Europa Central e Oriental. Por isso, a Alemanha tem um papel a desempenhar qualquer que seja o chanceler da Alemanha. Mas ela desempenhou esse papel de uma forma muito cuidadosa, e, devo dizer, sábia e inteligente, porque ouvia todos os países, os países grandes, os países médios e os países mais pequenos. Quando fui primeiro-ministro, nunca tive a impressão de estar a ser tratado com uma espécie de negligência benigna. Não, não, não. Ela fazia-me sentir que eu era tão importante como o Presidente dos Estados Unidos".

euronews: “Na sua opinião, como será a Europa nos próximos anos, neste cenário global em mudança?”

Jean-Claude Juncker: “O cenário global está a mudar, mas, a União Europeia não está a mudar o suficiente. Não nos estamos a adaptar ao futuro, ao mundo de que precisamos em 2030 ou 2040. O papel internacional da União Europeia deve ser maior, incluindo o papel internacional do euro, a nossa moeda comum. Não devemos ser demasiado modestos, mas não também não devemos dar lições ao mundo inteiro. É uma “não virtude” da Europa. Em África ou na Ásia, dizemos-lhes como devem fazer as coisas. Eles não gostam disso. O papel da Europa, não é dar lições. É liderar pelo exemplo".

euronews: “Temos líderes carismáticos para conduzir o barco?”

Jean-Claude Juncker: “Não é certo, veremos”.

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