Lágrimas, sangue e coragem: uma viagem pela Ucrânia

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O testemunho da repórter de guerra da euronews, Valérie Gauriat, em Kiev, em plena invasão da Ucrânia pela Rússia.

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A repórter de guerra da euronews Valérie Gauriat esteve em Kiev nos primeiros dias da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Lembro-me da primeira vez que estive na Praça da Independência em Kiev. Foi em 2004. O local estava repleto de manifestantes. Eram os dias da chamada Revolução Laranja, um ponto de viragem na história da Ucrânia. Um forte contraste com o epicentro deserto da capital ucraniana, o ar pesado de fumaça e a tristeza silenciosa do dia 24 de Fevereiro de 2022, o dia em que a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia.

Com bandeiras azuis e amarelas à volta dos ombros, um punhado de pessoas tinha-se reunido na praça, em jeito de provocação. "Se for necessário, pegaremos em armas, para defender o nosso país, a nossa democracia". Queremos mostrar ao mundo que não estamos assustados", afirmou Artsiom, 25 anos.

Um estado de espírito que eu iria reeencontrar várias vezes ao longo das duas semanas que passei no país devastado pela guerra. Um espírito ensombrado por lágrimas e dor, devido às notícias diárias de destruição e morte.

Os alertas de incursões aéreas rasgam o silêncio do centro da cidade. "Sempre que vamos lá fora, ficamos muito nervosos, haverá uma bomba ou um rockets? Tentamos não entrar em pânico. Eu e os meus pais vamos ficar aqui até ao fim, até ser possível. Vamos ultrapassar isto", afirmou Anabell, uma jovem bailarina que se encontrava refugiada no metro de Kiev.

Valérie Gauriat
Ucranianos refugiam-se no metro de KievValérie Gauriat

Em busca dos "sabotadores pró-russos"

De volta ao histórico hotel Ukrayina, deparo-me com uma cena estranha. Todo o pessoal desapareceu. Grupos de jornalistas carregados com bagagens foram aconselhados a abandonar o estabelecimento antes do amanhecer, devido à notícia de um ataque iminente em Kiev.

Depois de enviar os meus últimos ficheiros para a redação, e pouco do recolher obrigatório das 22 horas, arrasto a minha bagagem com a ajuda de um colega turco, para outro hotel, no lado oposto da praça Maidan.

A noite cai sobre a cidade deserta que é acordada algumas horas mais tarde pelo grito de sirenes e explosões.

O sol tomou conta do céu, um estranho lembrete de que estamos perto da Primavera, na escuridão desta guerra. A tensão é palpável. Sons de tiros ecoam perto do centro da cidade.

As forças policiais estão em alerta. Aproximo-me de um grupo de carros da polícia que rodeiam dois carros civis perto de Maidan. Estão a revistar os veículos e os seus ocupantes à procura de armas. Foram encontradas espingardas automáticas não registadas, deitadas no chão. Um dos agentes diz-me que é a terceiro nesse dia nesse dia que encontrou armas. A polícia anda à procura dos chamados "sabotadores" grupos pró-russos infiltrados.

Pessoas amontoadas no metro de Kiev

Desço a passagem subterrânea para atravessar a praça e decido aventurar-me nas entranhas do metro de Kiev. O que vejo tira-me o fôlego. Parece uma recriação ao vivo dos arquivos da Segunda Guerra Mundial.

Dezenas de pessoas, famílias, cobertas com bagagem e sacos de plástico cheios de tudo o que conseguiram trazer estão amontoadas em pequenos grupos, sentadas em cobertores e tapetes, encostadas às paredes dos corredores do metro. Muitos trouxeram os animais de estimação.

A angústia e a raiva exprimem-se nos rostos cansados. "Tenho dezasseis anos", exclama Daryna, "e o meu irmão tem apenas dez anos! Devíamos ir para a escola, continuar com as nossas vidas! Não acredito que temos de dormir no metro, para salvar as nossas vidas. Que tipo de mente tem o homem que criou esta situação? Eu simplesmente não compreendo..."

Quando saio do metro, sou impedida de passar por pessoal de segurança nervoso; eles acalmam-se depois de verem os meus documentos, e levam-me para fora das portas trancadas do metro.

Valérie Gauriat
A praça Maiden en KievValérie Gauriat

Trabalhar para não pensar (demasiado) na guerra

Foi anunciado um recolher obrigatório total na cidade para os próximos dois dias. Passo algum tempo com Denis e Dima, 18 e 19 anos, que trabalham incansavelmente na recepção do meu hotel. Dizem-me que a maior parte do pessoal já foi embora. Eles têm de tratar de tudo, dos hóspedes que entram e saem, essencialmente jornalistas, com pedidos constantes. A comida está a esgotar-se, os circuitos de distribuição foram cortados.

Entre os check-in e check-out, e as chamadas sem fim, os rapazes apressam-se para encontrar comida nas poucas lojas que se encontram abertas. Os seus rostos estão brancos devido ao cansaço, com olheiras escuras sob os olhos. Revezam-se para poder dormir duas ou três horas por noite, nos sofás da entrada do hotel. "Alguém tem de manter as coisas a funcionar e isso afasta as nossas mentes da guerra", disse o Denis. "Eu costumava ser descuidado, não fazia nada mas esta guerra ensinou-me o contrário", confessou o Dima. Ambos concordam num ponto: não querem matar ninguém, mas, se for preciso, ajudarão as tropas. Não sei o que foi feito de Denis e Dima, já não consigo contactá-los. 

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Receção de um hotel em Kiev onde já só restam dois jovens para trabalhareuronews

Centenas de voluntários prestam ajuda a quem precisa

Na viagem de Kiev para a cidade oriental de Lviv, fiquei impressionada pela coragem e determinação expressas por todas as pessoas que conheci. Quer sejam as centenas de voluntários que prestam incansavelmente ajuda humanitária aos necessitados, quer sejam os que integraram a força de defesa territorial para apoiar o exército ucraniano, ou as dezenas de refugiados em busca de segurança nos países vizinhos, todos clamavam: "A Ucrânia erguer-se-á das cinzas".

"Estamos de partida, sem nada. Vamos regressar para construir um país melhor e mais forte. Ganharemos. Temos de ganhar", disse-me Gala, prestes a embarcar num autocarro para a Polónia.

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As palavras de Andrii, que encontrei numa manifestação de refugiados ucranianos na cidade polaca de Cracóvia, pouco antes de ir para o aeroporto, ainda ecoam na minha mente: "A NATO tem de fechar o espaço aéreo! Peço a todas as pessoas do mundo: não fiquem caladas! Precisamos da vossa ajuda! Eu digo a Biden, Macron, Johnson e a todos os outros: se não pararem Putin, o sangue do povo ucraniano estará nas vossas mãos"!

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