A jornalista russa que protestou contra a guerra foi multada outra vez, em 40 mil rublos, por desacreditar o exército e luta pela custódia dos filhos
Marina Ovsiannikova, a jornalista russa, que ficou conhecida por ter denunciado a invasão russa da Ucrânia e protestado contra a guerra em direto no Canal Um voltou a ser multada pela justiça russa.
Desta vez, em 40 mil rublos - cerca de 640 euros - de novo, por desacreditar o exército russo.
A jornalista, de 44 anos, que esteve fora do país e regressou no mês passado, diz ter consciência de estar a jogar a "roleta russa", mas decidiu regressar à Rússia por causa dos filhos, apesar de saber que pode ser detida a qualquer momento.
Despedida do canal estatal onde trabalhou 19 anos, trabalha como freelancer para órgãos de comunicação estrangeiros.
Para além dos processos do Estado, enfrenta uma batalha jurídica com o marido, fiel ao regime, pela custódia dos filhos.
As autoridades não anunciaram a abertura de qualquer investigação criminal contra a Ovsyannikova. Mas as repetidas condenações por desacreditar o exército russo podem levar a uma condenação criminal, punível com até 15 anos de prisão.
A crítica pública à intervenção da Rússia na Ucrânia foi ilegalizada, e a maioria dos críticos governamentais ou fugiram do país temendo uma acusação ou acabaram por ficar atrás das grades.
Ovsyannikova disse, no entanto, que continuaria a falar. "Sou uma combatente, continuo a denunciar ativamente a guerra", disse, numa entrevista à AFP, acrescentando: "Não tenciono parar, não tenho medo apesar da constante intimidação por parte das autoridades".
Desde o seu regresso à Rússia, Ovsyannikova saiu para apoiar o político da oposição Ilya Yashin em tribunal, encenou um protesto com um cartaz chamando Putin de "assassino" e publicou em linha postes antigovernamentais, chegando a ser brevemente detida pela polícia perto da sua casa em meados de julho.
O seu protesto tem atraído reações hostis de muitos quadrantes. Funcionários pro-Kremlin e antigos colegas acusaram a jornalista de trair o seu país. Críticos na Ucrânia e no Ocidente têm afirmado que ela é uma espiã ainda incorporada nos meios de comunicação estatais russos.
Muitos membros da oposição russa acusaram-na de saltar de navio num movimento oportunista e de procurar a fama.
A Ovsyannikova rejeita as acusações. "É conveniente que as autoridades criem constantemente novas teorias de conspiração à minha volta, as pessoas já não sabem em que acreditar", disse, admitindo ter cometido erros no passado e ter permanecido "demasiado tempo" na sua zona de conforto, sem "encontrar forças" para sair mais cedo da televisão estatal.
Para ela, a inção e a indiferença, abraçadas por muitos russos, são uma forma de "autopreservação" alimentada pelo medo.
"O nosso povo está realmente muito assustado", afirmou."Mesmo aqueles que compreendem o absurdo, o horror do que está a acontecer, preferem ficar calados", disse, prosseguindo: "Num regresso aos tempos soviéticos, muitos russos criticam agora as autoridades apenas "nas suas cozinhas", onde ninguém os consegue ouvir".
Para além de enfrentar críticas na Rússia e no estrangeiro, Ovsyannikova disse que também tinha de combater uma "guerra em casa", que a sua mãe se tinha tornado vítima da propaganda do Estado e que o seu filho se virou contra ela.
Marina Ovsyannikova sublinhou, contudo, que os seus problemas não eram nada em comparação com o sofrimento do povo ucraniano, confrontado com uma ofensiva que ceifou milhares de vidas e deslocou milhões de pessoas.
A jornalista diz que gostaria de poder deixar o país juntamente com a sua filha, mas não tem ilusões de que a pressão sobre ela diminua. "Eles vão intimidar-me ainda mais", afirmou, referindo que as autoridades sob Putin poderiam punir praticamente qualquer um, utilizando uma velha expressão soviética:"Dê-me a pessoa e eu encontrarei o crime".