O país anfitrião do Mundial tem sido criticado devido às restrições de direitos humanos, prometeu ser tolerante durante o torneio, mas esta proibição de última hora pode abrir porta à revisão de outras aberturas
O Qatar e a FIFA decidiram proibir, a dois dias do início do Mundial, a venda de bebidas alcoólicas dentro do perímetro dos estádios onde vão decorrer os jogos a partir de domingo. E este volte-face está a gerar receios de que outras promessas de tolerância, por exemplo aos adeptos estrangeiros da comunidade LGBT, possam também ser revistas.
Para já, um dos principais patrocinadores do torneio da FIFA, a cervejeira americana Budweiser viu-se obrigada a retirar todas as bebidas alcoólicas dos estádios e do respetivo perímetro durante a competição, o que poderá certamente afetar pela negativa as receitas previstas pela empresa.
A proibição da venda de bebidas alcoólicas nos locais onde vão decorrer, a partir deste domingo, os jogos do Mundial, foi conhecida esta sexta-feira. Primeiro, foi o jornal The Times a avançar a notícia. Depois, a confirmação da FIFA, num comunicado.
"Após discussões entre as autoridades do país anfitrião e a FIFA, a decisão foi tomada no sentido de limitar a venda de bebidas alcoólicas ao FIFA Fan Festival e outros destinos dos adeptos e locais licenciados, removendo os pontos de venda de cerveja do perímetro dos estádios do Mundial da FIFA 2022 no Qatar", lê-se na página do organizador.
A FIFA assegura no entanto que a decisão "não tem nenhum impacto na venda da Bud Zero". O consumo da cerveja sem álcool do patrocinador do Mundial "continua a ser possível em todos os estádios do mundial do Qatar",acrescenta a FIFA.
A Budweiser limitou-se a revelar que a decisão foi tomada "fora do controlo" da companhia e espera agora que a venda da Bud Zero compense a limitação imposta.
A Associação Inglesa de Adeptos de futebol (FSA, na sigla original) reagiu com críticas a uma decisão anunciada praticamente em cima do dia do íncio do Mundial e alerta para a eventual mudança de outras regras de tolerância com o que o Qatar se comprometeu quando decidiu organizar esta competição internacional.
"Alguns adeptos gostam de uma cerveja durante os jogos, outros não, mas o verdadeiro problema é o volte-face no último minuto que levanta uma questão maior: a total falta de comunicação e de transparência do comité organizador em relação aos adeptos", denuncia a FSA.
A associação alerta para o facto de que, se eles podem mudar de opinião em relação a isto a qualquer momento, sem nenhuma explicação, os adeptos deverão ter compreensíveis receios se eles irão manter também outros compromissos relacionados com a o acolhimento, transporte e diferenças culturais".
Em declarações à France Press, Ronan Evain, o diretor-geral da FSA, reforça as preocupações, questionando "se isto significa que tudo é revogável", dando como exemplo "a segurança dos adeptos LGBT quando estão nos estádios a apoiar as suas equipas ou a possibilidade de se beijarem na rua", atos proibidos pela lei em vigor no Qatar, mas que se esperam sejam tolerados durante o Mundial.
As tendas vermelhas e brancas da Budweiser já foram afastadas das entradas dos estádios porque "estavam muito visíveis". "Foi uma ordem que veio de cima", referiu uma fonte anónima da organização à AFP.
Os bilhetes de acesso aos espaços VIP dos estádios continuam a oferecer pacotes onde se incluem "cerveja, champanhe, vinho e bebidas espirituosas", a valores entre os 900 e os 29 mil euros.
Na zona principal da FIFA destinada aos adeptos, as bebidas alcoólicas podem ser adquiridas a partir das 18h30 locais. Nas zonas privadas destinadas a adeptos, as regras variam e o centro de imprensa em Doha, para o Mundial, integra um bar.
No Qatar, beber álcool é legal para os não muçulmanos com mais de 21 anos, mas com regras muito apertadas. A importação de álcool é proibida e os turistas apenas podem beber na maioria dos hotéis, onde uma cerveja ou um copo de vinho pode custar cerca de 10 euros e um cocktail mais de 15 euros.
No Mundial anterior, na Rússia, onde é reconhecido uma grave problema de alcoolismo, o consumo de álcool era permitido nos estádios apesar de várias outras competições internacionais anteriores terem proibido o consumo de álcool nos locais dos eventos.
Em 2014, o Brasil levantou durante o Mundial a proibição de consumo de álcool que tinha em vigor nos estádios de futebol.