O mistério de "Salvator Mundi"

A obra foi vista publicamente pela última vez em outubro de 2017 no âmbito do leilão da Christie's
A obra foi vista publicamente pela última vez em outubro de 2017 no âmbito do leilão da Christie's Direitos de autor TOLGA AKMEN/AFP
De  euronews com AFP
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A obra, atribuída a Leonardo da Vinci, é peça central de um documentário que questiona os interesses envolvidos na designação do mestre como autor

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Poderá o "Salvator Mundi", a pintura mais cara do mundo, ser uma fraude? A obra foi nos últimos anos atribuída a Leonardo da Vinci, mas a dúvida tem-lhe feito sombra e atinge um novo patamar, com a estreia de um documentário sobre o assunto. "O Salvador à Venda: A História de Salvator Mundi," assinado pelo realizador e jornalista Antoine Vitkine, põe o dedo na ferida.

O quadro foi vendido pela última vez em 2017 pela Christie's, nos Estados Unidos, como uma das obras perdidas de Leonardo da Vinci e vinha com uma certificação de autenticidade. Estabeleceu um novo recorde de valor pago por uma obra: 450 milhões de dólares (cerca de 380 milhões de euros). A Arábia Saudita, proprietária do quadro, quis dissipar dúvidas sobre a autoria do quadro e, dois anos depois, quando o Museu do Louvre, em Paris, fez a exposição retrospectiva de Leonardo da Vinci, estabeleceu uma condição para o emprestar: que fosse exposto ao lado da Mona Lisa, com uma atribuição clara de autoria. Tal não aconteceu.

"O Louvre assinou um contrato com a Arábia Saudita para a exploração de um museu que será três vezes maior do que o de Abu Dhabi, no qual o Louvre já é parceiro, e de onde provêm rendimentos consideráveis. Estão em jogo questões financeiras com a Arábia Saudita para o Louvre, e estão em jogo questões financeiras para o Estado francês no que diz respeito à Arábia Saudita, e isto cristaliza-se em torno deste quadro," afirma Antoine Vitkine. 

O realizador passou dois anos a investigar o assunto num documentário que examina a autenticidade do quadro e a relação entre arte, poder, dinheiro e política. "Tenho a impressão de que o Louvre, quando se trata de avaliar este quadro, é juiz e parte interessada. Um perito deve ser imparcial e neutro. Não estou a questionar a competência destes peritos - eles são provavelmente muito competentes - o que digo é apenas que o Louvre é simultaneamente juiz e parte interessada e tem um interesse neste caso, que é a sua relação financeira com a Arábia Saudita," declara Vitkine.

O Louvre abriga o C2RMF, um laboratório de última geração para a análise de obras de arte. O quadro esteve lá durante três meses em 2018.

"O Louvre e o C2RMF chegaram à conclusão oposta à do documentário: para eles, a pintura é de facto pela mão de Leonardo, e apenas por ele", escreve Didier Rykner na revista La Tribune de l'Art, o autor de várias revelações sobre o assunto. "A comunicação desta informação aos sauditas teria tido lugar em Setembro de 2019".

Num artigo publicado na segunda-feira, o New York Times acrescentou: "O Louvre certificou que a pintura era uma obra de Leonardo, mas manteve as conclusões em segredo após uma contenda com os seus proprietários".

De Leonardo da Vinci ou do Atelier de Leonardo da Vinci?

Num livro co-editado por Hazan e Les Editions du Louvre, o chefe do Louvre Jean-Luc Martinez e o curador da exposição Vincent Delieuvin confirmam a atribuição do quadro ao mestre italiano. Mas o livro estava à venda apenas por um dia na livraria do museu, antes de ser retirado precipitadamente, segundo Didier Rykner, uma vez abandonada toda a esperança de um empréstimo do quadro da Arábia Saudita.

Eric Turquin, especialista em pinturas antigas, relata que nunca ouviu os curadores do Louvre terem quaisquer dúvidas. "Certamente", disse à AFP, "o Salvator Mundi foi muito danificado e grande parte dele foi refeito por um restaurador americano, mas é autêntico. A mão de Cristo é grande, bela".

Foram as exigências sauditas que alegadamente impediram que a pintura fosse incluída na grande exposição Leonardo da Vinci no Inverno de 2019-2020.

O príncipe saudita Mohammed bin Salmane queria que o trabalho fosse exposto ao lado da Mona Lisa na Sala de Estados.

Os curadores do museu opuseram-se a isto, diz Didier Rykner, por causa de "questões de segurança", com estas duas pinturas de alto perfil lado a lado.

Por outro lado, enquanto sentiam que este quadro tinha obviamente o seu lugar na exposição, os curadores também pensaram que não havia razão para o tornar no quadro mais importante da retrospectiva, apesar de ter sido vendido a um preço recorde, acrescenta o jornalista e historiador de arte.

Comprado por 1175 dólares

Foi considerada a instalação do Salvator Mundi dentro da exposição e depois a sua montagem na Sala de Estado. Mas esta solução não foi retida e os sauditas recusaram definitivamente o empréstimo do quadro.

O documentário, que será transmitido na France 5, esta terça-feira, afirma que a perícia realizada no laboratório C2RMF conclui que a obra tem uma "contribuição" - e apenas essa - do grande mestre italiano.

O Louvre recusa-se a confirmar ou negar relatos da imprensa, citando a proibição de discutir a autenticidade de uma obra que não tenha sido exibida no seu meio: o director do documentário "Antoine Vitkine tinha perguntado ao Louvre mas não quisemos responder às suas perguntas, uma vez que o quadro não foi emprestado durante a retrospectiva", foi dito à AFP.

O quadro permanece um mistério e não foi mostrado em público desde a sua venda. 

Comprado em 2005 em mau estado por apenas $1,175 por um negociante de arte de Nova Iorque, o quadro tinha sido restaurado, exibido numa exposição na Galeria Nacional em 2011, comprado por um oligarca russo, que o revendeu depois.

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