População de bacalhau no Báltico oriental sob pressão de "esgotamento"

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De  Denis Loctier com Pedro Sacadura
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União Europeia tenta assegurar futuro da espécie, que também sofre o pesado impacto das alterações climáticas. A pesca foi restringida.

Há vários meses que pescadores de cidades do Báltico oriental como Kołobrzeg, na Polónia, se veem impedidos de abandonar os portos: a União Europeia proibiu a pesca de bacalhau na maior parte do mar Báltico para restaurar a população da espécie, em "esgotamento iminente", e assegurar o futuro da pesca de longo prazo.

As tripulações e os proprietários de bacalhoeiros de pesca de arrasto foram diretamente afetados. São pessoas como Tomasz Wójtowicz. Depois de sete anos de pesca na Noruega regressou à Polónia com a esperança de construir um negócio no país natal, mas nem tudo correu como o esperado.

"O meu barco, o equipamento, a infraestrutura, todo o orçamento que tínhamos destinava-se à pesca de bacalhau. Agora tudo mudou. Já não podemos pescar e também não está claro quando é que poderemos voltar a fazê-lo, nem o que podemos pescar em vez de bacalhau", disse, em entrevista à Euronews, o coproprietário da embarcação KOŁ-111.

A captura acidental de bacalhau também foi interdita até setembro. Por isso, as embarcações que tinham como objetivo a pesca de outras espécies do Báltico como linguados, solhas, arenques ou espadilhas também não puderam ir para o mar.

Os pescadores locais dizem que não tiveram tempo de se preparar e que só ficaram a saber das restrições dois dias antes de entrarem em vigor no início de junho.

"Para nós é como um punhal nas costas. Perdemos a melhor temporada do arenque este ano. Os melhores meses para a pesca são maio, junho e julho. Durante grande parte desse período tivemos de esperar no porto por causa de medidas de proteção do bacalhau. Poderemos pescar arenque no resto do ano, mas os volumes menores de pesca não tornarão a operação economicamente rentável", desabafou Marcin Mojsiewicz, presidente da Organização de Produtores de Peixe do Báltico.

População de bacalhau no Báltico oriental ameaçada

O bacalhau é uma das espécies mais populares e a mais valiosa a nível local. A instabilidade em mar é de tal ordem que uma fábrica, criada com o apoio da União Europeia e que processava 1500 toneladas de bacalhau por ano, tem agora de importá-lo da Noruega, operando uma pequena fração da capacidade total.

Este facto, combinado com o impacto da pandemia de Covid-19 nos mercados provocou o despedimento de um grande número de trabalhadores: de 75 para 43 funcionários.

"O que mais nos assusta é que quando as coisas voltarem ao normal já não teremos trabalhadores para processar o bacalhau do Báltico. Com as cadeias de distribuição afetadas, não conseguiremos vender o nosso produto. Pequenos estaleiros que servem a frota pesqueira por completo encerrarão e teremos problemas na reparação das redes. Todos os produtores de redes desaparecerão. Mesmo no nosso mercado local, em vez de bacalhau do Báltico teremos apenas bacalhau do Atlântico", lamentou Bartłomiej Gościniak, presidente da Associação de Pescadores de Kołobrzeg.

O pequeno estaleiro de Parsęta costumava construir um novo barco de pesca por ano. O hangar está, agora, vazio. Muitos clientes cancelaram as encomendas depois de saberem da interdição de pesca. Os proprietários do estaleiro dizem que se consideram uma parte do setor pesqueiro, mas sem qualquer apoio para compensar as perdas. Sentem-se abandonados pelo governo.

"Estou enojado com toda a situação porque somos um simples e único estaleiro. 100% da nossa atividade consiste em serviços para os pescadores. Mas temos sido privados de qualquer fonte de ajuda. E como somos um grupo pequeno, em vez de uma grande comunidade, não conseguimos ser ouvidos", denunciou Marek Cieślak, coproprietário do estaleiro Parsęta.

Restrições apoiam-se em recomendações científicas alarmantes

Os turistas, vindos maioritariamente da vizinha Alemanha, continuam a inundar as populares praias de areia branca de Kołobrzeg. Mas mesmo o turismo costeiro foi afetado pela interdição que proíbe a pesca recreativa e comercial de bacalhau do Báltico oriental.

Denis Loctier, Euronews - As restrições baseiam-se em recomendações científicas feitas pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar, uma rede de de cerca de seis mil cientistas de mais de 700 institutos marinhos em 20 países. De acordo com os dados, desde a década de 80 a captura de bacalhau do Báltico oriental caiu e durante muitos anos esteve dentro dos limites cientificamente aconselhados. Não havendo sobrepesca, como é que os cientistas explicam a baixa forma das populações de bacalhau no Báltico e em outros mares europeus?

Investigações científicas apontam para a necessidade urgente de reconstruir os stocks de bacalhau no Báltico oriental antes da extinção da espécie afetar ainda mais a saúde marinha e a pesca.

Atualmente, a causa de morte do bacalhau parece estar mais no ambiente. Um estudo recente sobre a idade e o crescimento do bacalhau identificou dezenas de milhares de peixes, pedindo aos pescadores que os enviassem. Os cientistas receberam significativamente menos amostras do que o esperado: um número impressionante de espécies identificadas morreu de causas naturais.

"Infelizmente, a mortalidade foi terrivelmente elevada. Do conjunto de 26 mil peixes, recebemos 400. Os resultados mostraram que fomos capazes de estimar a mortalidade. A mortalidade natural, não a relacionada com a pesca, é três a quatro vezes mais elevada do que a mortalidade provocada pela pesca", explicou Karin Hüssy, investigadora do Instituto Nacional de Recursos Aquáticos (DTU Aqua), na Dinamarca.

Investigadores deste instituto dizem não haver consenso em relação às razões pelas quais as populações de bacalhau não se conseguem reproduzir. Tudo indica que há vários fatores: o oxigénio em grandes partes do Báltico esgotou-se devido à poluição. Por outro lado, as alterações climáticas aqueceram os mares, empurrando, possivelmente, o bacalhau para norte. Também é importante considerar que um grande número de focas cinzentas se alimenta de bacalhau e espalha parasitas do fígado que afetam a saúde dos peixes.

"Basicamente, neste momento a natureza está contra o bacalhau. Não antevejo mudanças na próxima década. São más notícias para os pescadores dependentes do bacalhau. A única coisa que podemos fazer é preservar a espécie e os lugares onde a natureza lhe é favorável. Depois, então, poderemos ver se as condições estão a melhorar e se as áreas preservadas podem ser fonte de recolonização das áreas que até agora são basicamente inabitáveis para o bacalhau porque estão muito quentes ou porque não há oxigénio suficiente", explicou Stefan Neuenfeldt, chefe da secção para a ecologia marinha e oceanografia no Instituto Nacional de Recursos Aquáticos.

A pressão sobre a pesca é o único fator da diminuição de bacalhau que pode ser controlado efetivamente. Por isso, os cientistas aconselham a manutenção das restrições, incluindo uma redução adicional de 70% das capturas acessórias de bacalhau do Báltico oriental no próximo ano.

Entretanto, métodos e modelos de avaliação melhorados deverão ajudar a explicar a dinâmica alarmante da idade e do tamanho que estão a levar ao colapso dos stocks.

"[Os bacalhaus] estão a ficar mais magros. E o que nos preocupa muito é que estão a desovar em tamanho cada vez menor comparativamente ao que víamos no início dos anos 90. Normalmente, se estivéssemos apenas a olhar para o tamanho do bacalhau, esperaríamos que fosse muito mais jovem, mas atualmente podemos perceber que para o bacalhau acima dos 30, 35 centímetros houve um decréscimo em tamanho de quase mais de 50% comparando ao que víamos em anos anteriores", ressalvou Marie Storr-Poulsen, responsável pela secção de monitorização e dados do Instituto Nacional de Recursos Aquáticos

Os ambientalistas aplaudem a proibição de pesca, pedindo medidas importantes urgentes. A indústria pesqueira, por outro lado, critica a medida. Pescadores como Tomasz Wójtowicz veem-se obrigados a tomar decisões difíceis de carreira.

"Para mim, a situação parece indicar que se nada mudar terei de despedir toda a minha equipa e pagar o empréstimo para a compra do meu barco. Terei de voltar à Noruega e continuar a pescar bacalhau lá", lamentou o coproprietário da embarcação KOŁ-111.

Nome do jornalista • Pedro Sacadura

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