Recuperar, reciclar e vestir o plástico perdido nos oceanos

Em parceria com The European Commission
Recuperar, reciclar e vestir o plástico perdido nos oceanos
Direitos de autor Photo by Denis Loctier, Euronews
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De  Francisco MarquesDenis Loctier
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Diversos projetos europeus estão a desenvolver forma de mitigar o impacto da poluição nos mares provocada pelos resíduos dos equipamentos de pesca

Vários projetos europeus estão a trabalhar para mitigar o impacto do plástico nos oceanos, nomeadamente o das redes de pesca perdidas no mar, que ameaçam a vida marinha e a própria sustentabilidade do planeta pela consequente e recorrente exploração de combustíveis fósseis.

Algumas das pesquisas em curso estão inclusive a dar aos oceanos um papel mais ativo no esforço de acabar com a já longa dependência humana do petróleo, um dos mais poluentes recursos naturais.

Novos materiais e tecnologias inovadoras estão a colocar a chamada Economia Azul europeia mais próxima deste objetivo.

Para conhecer um destes projetos visitámos a localidade basca de Mutriku, no norte de Espanha, onde cientistas do centro de pesquisa AZTI procuram substituir o plástico usado na aquacultura por materiais mais amigos do ambiente.

Imanol Gurruchaga tem uma exploração de mexilhões em mar aberto, ao largo do País Basco. A plataforma utiliza o método habitual de produção: os mexilhões são criados em longas cordas, submersas em suspensão, com uma rede a proteger os mexilhões dos predadores.

As cordas e a rede são de plástico. Quando a utilidade de ambos se extingue, tornam-se um problema.

"Todos os projetos de aquacultura provocam resíduos. Seja a produção de salmão ou de dourada. No nosso caso, utilizamos esta cordas para o cultivo de mexilhões. Temos muitas cordas e muitas cordas degeneram em muitos resíduos", diz-nos Imanol Gurruchaga, o dono da Matxitxako Moluscos.

Autoridades exigem mudança

As autoridades locais têm vindo a aumentar a pressão por uma mudança nos equipamentos. "Já nos estão a pedir para que daqui a um ou dois anos tenhamos toda a nossa produção em modo ecológico utilizando cordas biodegradáveis", explicou-nos Imanol Gurruchaga.

Já há uma solução em perspetiva. Os investigadores do projeto europeu BIOGEARS desenvolveram umas cordas compostáveis para uso na aquacultura.

"É o primeiro protótipo desenvolvido no BIOGEARS. São materiais bioplásticos provenientes de fontes naturais e, por isso, biodegradáveis. Os resíduos gerados por estas cordas são mais sustentáveis, são amigos do meio ambiente e representam valor acrescido para o sector", explicou à Euronews Leire Arantzamendi Egiguren, do centro AZTI

No lugar de petroquímicos e combustíveis fósseis, os cientistas desenvolveram plásticos compostáveis a partir de materiais naturais derivados de biomassa reciclável como o açucar vegetal.

As experiências com várias receitas resultaram numa coleção de materiais com potencial para se tornarem cordas. O objetivo é encontrar novos plásticos que não se decomponham no mar antes de deixarem de ter utilidade.

"Os plásticos não são apenas petróleo. Têm outros tipo de componentes que também podem ser naturais. Têm alguns pequenos aditivos que também podem ser de origem biológica e tudo isso forma parte da composição dos plásticos", afirmou Mari José Suárez, investigadora de polímeros funcionais e sustentáveis na aliança Gaiker, um centro tecnológico sem fins lucrativos para juntar empresas do setor.

Mas pode a indústria usar este material biológico na produção de linhas?

A alguns quilómetros de distância, e também parte integrante do projeto BIOGEARS, visitámos uma fábrica onde são produzidas três a quatro toneladas de cordas todos os dias. A maior parte da produção da Itsaskorda destina-se à pesca e à aquacultura.

As máquinas estão preparadas para trabalhar com pedaços de plástico tradicional. Os técnicos garantem que para produzir os protótipos de cordas compostáveis bastaram pequenos ajustes e os resultados parecem ser tão fortes quanto os equipamentos tradicionais.

"O grande desafio é acertar com os componentes e consegui-lo a uma escala industrial suficientemente intensiva, em volume e quantidades, para as nossas necessidades e com um custo competitivo", explicou-nos Mikel Aguinaga, um dos diretores da Itsaskorda.

As cordas compostáveis vão agora ser testadas numa exploração de mexilhões.

O fim das redes de pesca fantasma

As Nações Unidas estimam o abandono no mar, a cada ano, de cerca de 640 mil toneladas de equipamentos de pesca.

As chamadas "redes de pesca fantasmas", em particular, demoram séculos a desfazer-se. No processo, prendem e matam animais marinhos, poluem as águas com microplásticos e são também um risco para a navegação.

Assistimos a uma traineira que se preparava para deixar o porto de Vigo, na Galiza. Transportava cerca de 20 toneladas de redes plásticas a bordo.

Durante a longa faina de pesca no Atlântico, as tempestades e as rochas afiadas podem rasgar pedaços das redes. Em alguns casos, podem mesmo arrancar por completo as redes ao barco.

Os cientistas de outro projeto europeu, o OCEANETS, desenvolveram uma aplicação ligada à Internet para que os capitães das embarcações possam partilhar a localização onde perderam as redes.

"É uma ferramenta que nos permite, caso nos encontremos com algum problema, informar os restantes barcos para que saibam que nesta zona, a uma determinada profundidade, numas determinadas coordenadas, podem deparar-se com um obstáculo que lhes pode romper a rede ou mesmo faze-los perder o equipamento por completo", explicou à Euronews Ángela Cortina Burgueño, diretora de projetos de pesquisa e desenvolvimento na Cooperativa de Armadores de Pesca do Porto de vigo (ARVI).

Em relação às redes que não se perdem, mas que ficam danificadas, os pescadores estão constantemente a repara-las, cortando as zonas inutilizáveis. Essas sobras podem ser recicladas como matéria prima para novos produtos, contribuindo também para reduzir a extração de mais petróleo.

Numa semana normal, o Porto de Vigo pode ficar com um contentor cheio de sobras das redes de pesca. Um dos objetivos do projeto OCEANETS é também mostrar o valor comercial da reciclagem.

"Não se trata de um resíduo porque tanto a poliamida como o polietileno ou o poliéster são fibras que se podem reciclar. Devido à procura cada vez maior que temos por produtos reciclados, estas sobras estão a começar a entrar no mercado, não como resíduos, mas como produtos que se podem valorizar", acrescentou Ángela Cortina.

Algumas das sobras recolhidas no Porto de Vigo são enviadas para Valência, no outro extremo de Espanha, onde são aplicadas em experiências, no Instituto Tecnológico do Plástico.

O AIMPLAS é especialista em inovar no uso do plástico. O objetivo é reduzir o impacto ambiental e acrescentar valor às empresas do setor.

Em colaboração com outros parceiros no projeto OCEANETS, os cientistas desenvolveram formas mecânicas e químicas de reciclar as velhas redes de pesca, triturando-as em pequenas fibras que depois são fundidas.

Neste processo de compostagem são produzidos grânulos de plástico que podem ser reciclados em linhas para têxteis sintéticos. Algumas redes de pesca, por exemplo, já foram recicladas em vestuário desportivo.

"Tanto a qualidade do produto como o acabamento são bastante bons. Para além disso, pensamos que no futuro este produto reciclado a partir de poliamidas venha a chegar às lojas e ser comercializado por toda a Espanha e mesmo pela Europa", perspetivou Sonia Albein Urios, investigadora de reciclagem mecânica no AIMPLAS.

Com a crescente procura por artigos mais sustentáveis, os investigadores sugerem a certificação da origem com um aditivo especial de rastreio nas novas linhas têxteis.

Sob uma luz especial, os grânulos e os tecidos produzidos com essas novas linhas destacam-se a verde de outros materiais plásticos não reciclados.

"Isto acrescenta valor ao produto reciclado, permitindo distingui-lo da poliamida virgem, que pode ser mais fácil de usar. A segunda razão [para o seu uso] seria a proteção da marca porque [este identificador] ajuda a detetar possíveis falsificações, seja da concorrência ou do mercado negro", argumentou Vanessa Gutiérrez, investigadora de compostagem no AIMPLAS.

Da reciclagem já existente do plástico à aposta em alternativas biodegradáveis, as indústrias do mar estão a abrir caminho para um futuro menos dependente do petróleo e com os oceanos mais limpos, saudáveis e parceiros do Homem no estabelecimento do bem estar e do futuro do planeta.

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