Sérvia: caça aos intelectuais não-alinhados

Sérvia: caça aos intelectuais não-alinhados
De  Euronews
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As autoridades sérvias lançaram uma espécie de caça às bruxas mas contra intelectuais críticos do regime. A mais recente vítima é Sreten Ugricic que foi diretor da Biblioteca Nacional da Sérvia durante uma década.

Ugricic, escritor, é mundialmente conhecido por ter modernizado a instituição literária mais importante do país e por se ter batido pelos valores democráticos. Mas depois de ter assinado uma petição pela proteção da liberdade de pensamento e expressão foi lançada uma campanha contra ele.

“Uma das razões para ter sido afastado do cargo de diretor da Biblioteca Nacional da Sérvia foi política. O meu afastamento marca o início da pré-campanha eleitoral e esta campanha é dura. E o meu caso, chamo-lhe um caso, começou quando o Ministro da Polícia, o próprio, declarou publicamente aos jornalistas, que eu apoiava o terrorismo”, explica Sreten Ugricic.

Outros escritores sérvios assinaram a petição pela liberdade de expressão. Hoje têm medo que os média jingoístas e os decisores tentem destrui-los. As eleições são em maio e a tensão começa a subir.

A luta pela liberdade de expressão na Sérvia, e a demissão de Ugricic, levou a Federação Internacional de Associações de Bibliotecas a enviar uma carta oficial de protesto ao presidente e governo sérvios. Também a União Europeia tem uma comissão a analisar o caso.

No país há cada vez mais apoiantes desta causa, entre eles o jovem poeta Milos Zivanovic e a romancista Mirjana Djurdjevic.

“Durante o regime repressivo de Milosevic quando o sistema queria reagir, matava. Matou jornalistas. Hoje, quando o sistema quer reagir manda-nos embora. Foi o que fizeram com Sreten Ugricic que era diretor da Biblioteca Nacional”, afirma Milos Zivanovic.

Mirjana Djurdjevic conclui: “Podes escrever o que quiseres. Podes ladrar às estrelas se quiseres. Mas logo que tenham uma razão para agir contra ti, tudo, mesmo tudo, mudará em segundos e eles agarram em cada palavra que escreveste e a situação torna-se, em segundos, num verdadeiro pesadelo, é tal e qual como no livro de George Orwell, 1984.”

Milos e Mirjana dirigem-se para Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegovina, para se encontrarem com um escritor bósnio.

Viajar de Belgrado para Sarajevo é uma experiência única que passa por cruzar duas fronteiras e mudar três vezes de locomotiva.

O avô e o pai de Miroslav Stanic foram maquinistas. Ele embarcou no mesmo comboio mas sente-se triste por haver poucos passageiros a fazerem esta ligação entre Belgrado e Sarajevo.

“A reabertura desta ligação significa que as pessoas podem viajar novamente. Podem conviver, podem voltar a encontrar-se. Na ex-Jugoslávia, muitas pessoas viajavam neste comboio”, desabafa Stanic.

Ao atravessar a primeira fronteira a locomotiva sérvia é mudada para uma croata. Croácia que, no próximo ano se junta à União Europeia. Uma boa nova para as empresas de caminhos de ferro dos Balcãs que esperam viajar nos carris da UE até porque a Sérvia recebeu, também, já luz verde para se candidatar ao núcleo europeu. Isto apesar dos problemas persistirem. O fim da corrupção no país continua a ser uma miragem. E as questões da liberdade de imprensa são ainda um problema, como adianta Milos:

“Coisas que não seriam possíveis na Croácia, são possíveis na Sérvia, quando se compara a liberdade de imprensa em ambos os países percebemos que na Sérvia a maioria dos editores censura os artigos e manda embora jornalistas que sejam críticos. Isso acontece porque na Sérvia a maioria dos média pertencem a ou são controlados por políticos.”

Mira desabafa: “Há muitas mentiras publicadas. Por isso deixei de ler alguns desses jornais de má qualidade e de assistir aos programas de igual qualidade porque há muitas mentiras, bem… as más notícias vão chegar até mim de qualquer maneira…”

Millo conta: “Depois das últimas eleições publicámos uma fotomontagem, uma caricatura do Ministro do Interior Socialista, o velho partido de Milosevic, a atirar o Presidente da Sérvia, Boris Tadic, do Partido Democrático, pró europeísta, literalmente para os cornos do touro. No mesmo dia, o nosso redator-chefe recebeu um telefonema, muito desagradável, dessas pessoas que controlam os média, e compram espaços de publicidade, a dizer: “se quer virar-se para as touradas siga em frente mas nós não compramos mais publicidade no seu jornal.”

Mira e Milos chegam a Sarajevo já de noite e jantam com um conhecido escritor bósnio, Faruk Sehic, num restaurante na zona velha da cidade. Sehic escreve sobre a guerra como se se tratasse de uma espécie de catarse. Memórias de um momento que deixou feridas difíceis, mas não impossíveis de sarar mas que não permitem, ainda a reconciliação. Não por falta de vontade das pessoas em geral, diz, mas dos políticos.

“Entre os políticos não há vontade real de reconciliação, porque todas as suas declarações são meras “desculpas”. Estas declarações servem propósitos políticos… Talvez as pessoas em geral, como nós os artistas, estejam prontos para se reconciliarem, mas os políticos não”, afirma Faruk Sehic.

É altura de regressar a Belgrado mas não sem antes fazer uma paragem.

Na Bósnia muitas instituições culturais estão a falir porque as correntes nacionalistas não têm interesse em que sobrevivam. Apesar disso, há sempre um lado comercial que é impossível calar. Em Sarajevo há uma grande livraria que vende obras de toda a região, conseguidas graças a parcerias estabelecidas entre editores e livreiros.

De volta a Sérvia. Uma das questões tabu no país continua a ser o Kosovo. A União Europeia já deixou claro que este conflito regional tem que ser resolvido antes da Sérvia entrar na UE.

Milos tem uma opinião concreta sobre a questão:
“Penso que o Kosovo é totalmente independente da Sérvia há algum tempo. Mas estou convencido de que nenhum dos nossos políticos tem coragem suficiente para dizê-lo publicamente porque isso conduziria a uma perda substancial de votos nas eleições.”

Quando a máquina bósnia é mudada para uma sérvio-bósnia a velocidade diminui. É preciso um dia inteiro para unir Sarajevo a Belgrado, para percorrer cerca de 400 quilómetros.

Boro Brnjak, o maquinista, explica: “Na ex-Jugoslávia havia apenas uma companhia de caminhos de ferro, mudava-se a equipa mas não as máquinas. Hoje, cada país, cada empresa tem as suas próprias locomotivas.”

No periódico literário “BETON”, Milos escreve sobre romances contemporâneos, poemas, discursos, todo o tipo de fenómenos culturais e sociais que estão “contaminados” pelo pensamento nacionalista. Milos é um dos poucos escritores sérvios que trabalham em projetos com escritores albaneses kosovares.

“Em cooperação com colegas de Pristina publicámos, na capital sérvia, Belgrado, uma coleção de nova literatura albanesa do Kosovo, traduzida em idioma sérvio e a que chamámos: “De Pristina com amor.” Ao mesmo tempo publicámos, em Pristina uma coleção dos últimos contos escritos por jovens autores sérvios chamada: “De Belgrado com amor”, explica Milos.

O poema favorito de Milos chama-se “U Srcu” e relembra o seu sonho – talvez perdido – da coexistência de múltiplas identidades.

“No coração sou albanês”, começa o poema, “No coração sou muçulmano, cigano, árabe, hispânico, um jovem americano, um profeta, um padre, um latino, um bizantino…

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