Os sonhos dos refugiados na Suécia

Os sonhos dos refugiados na Suécia
De  Hans von der Brelie com RICARDO FIGUEIRA
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A Suécia está com problemas em alojar muitos refugiados. O repórter Hans von der Brelie foi a Riksgränsen, uma pequena aldeia a norte do Círculo Polar Ártico, onde estão 600 refugiados.

O paraíso de Feven

Million, Snegh e Feven estão contentes – sentem-se de novo em segurança. Os pais vêm da Eritreia e a família encontrou refúgio na Suécia. Outra razão para estarem contentes é a subida na temperatura: Ontem estavam 40 graus negativos, agora estão “só” -20.

Estamos a norte do Círculo Polar Ártico, numa aldeia chamada Riksgränsen. A cidade mais próxima fica a duas horas, por uma estrada gelada. Apesar de tudo, estas meninas gostam do inverno europeu: “É a primeira vez que estamos a ver a neve. É fantástico. Mas está muito frio, não estamos habituadas”, diz a pequena Snegh.

Feven significa paraíso. Nasceu na Arábia Saudita, onde os pais se refugiaram para escapar à guerra entre a Eritreia e a Etiópia.

A família tem seis crianças. O pai trabalhou, durante 15 anos, como taxista na Arábia Saudita, um país muçulmano. A família é cristã. Feven e a irmã Snegh aprenderam a fé cristã em casa, em segredo, na língua dos pais, o tigrinya. Na escola, foram obrigadas a recitar de cor os versos do Alcorão, em árabe.

A pressão para se converterem ao Islão era forte: “Disseram-me que tinha de ser muçulmana, que os cristãos iam para o Inferno e os muçulmanos iam ter com Deus”, conta Feven.

“Somos cristãos, Mas quando saíamos de casa sem o véu, a polícia prendia-nos e tínhamos de ficar vários dias na prisão”, testemunha a mãe, Adhanet.

A situação de Snegh não era melhor: “A minha experiência na Arábia Saudita é que é muito difícil viver lá, por causa da religião. Não nos tratavam bem. Quando saíamos à rua, chamavam-nos nomes e, na escola, não nos ensinavam – durante dois anos, impediam-nos de ir à escola”.

Sarah, de apenas um ano, é o “chuchu” da família. Depois de uma viagem difícil através da Arábia Saudita para a Turquia, depois para a Grécia e finalmente para a Suécia, a família olha para trás, agora que está livre da opressão religiosa. A casa está decorada com algumas poucas coisas que conseguiram trazer do país de origem, como uma figura de Cristo plastificada.

“Antes de as crianças nascerem, vivíamos bem na Arábia Saudita. Mas desde há uns anos, a situação piorou. Há adolescentes cristãs que são raptadas e violadas. Decidi deixar o país e procurar um sítio para viver em segurança, antes que isso acontecesse às nossas filhas”, conta o pai, Brahane.

A viagem foi um inferno para Adhanet: “Por causa da gravidez, fiquei doente durante esta viagem perigosa, sentia-me muito cansada, mesmo mal. Estava sempre a vomitar porque, com o bebé na barriga e o barco sempre na água, não aguentava. Vomitava muito. Era muito duro para mim”.

Um refúgio no frio

163.000 refugiados chegaram à Suécia no último ano. Um desafio para um país pouco povoado. Mais estão a caminho. Mas a Suécia começa a abrandar a política com os refugiados, ao mesmo tempo que a opinião pública está também a ficar mais fria. O apoio à causa do acolhimento é cada vez menor.

A maioria dos refugiados vem da Síria, Iraque, Afeganistão e, em menor número, da Eritreia. Sem outra solução, 600 refugiados foram alojados em Riksgränsen, a estância de desportos de inverno mais a norte, na Suécia.

Os refugiados à espera de asilo político fazem fila nos gabinetes da imigração. Entretanto, a Suécia aperta as fronteiras com os países vizinhos e prepara-se para limitar a vinda futura de refugiados: Os próximos vão ter direito apenas a vistos de residência temporários, válidos por três anos.

Esta inflexão na política sueca segue-se à feita pelos países vizinhos – Finlândia, Noruega e Dinamarca.

Os sonhos do “Rei dos Frangos”

Na cozinha, encontramos quatro amigos que chegaram ao Círculo Polar vindos da Síria e do Iraque: Ali, Mogdad, Wael e Wela, que nos falam sobre as mudanças na legislação sueca. Estão preocupados, já que muitos deles deixaram os filhos em casa. A nova legislação torna o reagrupamento familiar mais difícil.

“Saí do Iraque há três anos porque estava ameaçado. Primeiro fui para a Jordânia, onde pedi proteção às Nações Unidas e disse que queria ir para a Austrália, França, Itália, Canadá e outros países. Tentei em todo o lado, mas nenhum país me deixou entrar. Até que cheguei à Suécia, que é agora a minha segunda casa”, conta Ali Hussein, um dos quatro amigos cozinheiros.

“O importante é ter o visto de residência e poder trazer a minha família, os meus filhos. Só depois vou começar a pensar no futuro que quero construir, onde vou querer trabalhar”, diz Mogdad.

Mas é Wael quem sonha mais alto: “Bastam-me cinco anos na Suécia para construir uma reputação. Vou criar 50 receitas de frango diferentes, porque sou muito bom a cozinhar frango. Esta nova vida vai trazer uma grande mudança. Vou ser o mestre das receitas de frango. Vou ficar famoso, graças a elas”.

Wela, o outro elemento deste quarteto, sorri apesar do que viveu: “O problema no Iraque é que rebentaram com o meu restaurante três vezes e houve sempre grandes prejuízos. Primeiro, chamámos-lhe Velho Califado e puseram uma bomba. Depois chamámos-lhe Lua dos Hachemitas e rebentaram com ele também. Quando o restaurante foi reconstruído, outra vez, voltaram a destruí-lo à bomba. O dono é o meu tio. Rebentaram com o restaurante três vezes e agora está completamente destruído”, conta.

Wela vê um vídeo da filha mais nova. Espera obter um visto permanente e assim ter a certeza de a voltar a ver, mesmo se o visto temporário também permite trazer os filhos. Só a família alargada fica excluída com a nova lei.

Mas não são só as boas notícias que chegam ao telemóvel de Wela. Também as más – um primo e vários amigos que morreram. A situação é difícil de aguentar.

Torturado no Irão, esperançoso na Suécia

Decidimos sair e apanhar algum ar fresco. Encontramos Ghafor e a filha Pareya, do Afeganistão, que experimentam pela primeira vez o esqui.

Estiveram privados do sol durante todo o inverno. Hoje, está sol, mesmo se dura apenas duas horas.

Sorte? Destino? A família conseguiu. De Kandahar a Riksgränsen. Primeiro, a família foi para o Irão, mas sem um visto de trabalho, Ghafor acabou na prisão: “Levaram-me para o pátio, onde me deram murros e pontapés e me chamaram mentiroso. Levaram-nos para um campo que parecia um estábulo. Éramos uns 60 ou 70. No início do corredor, onde havia só uma lâmpada, estava uma sanita. Era o único lugar livre e eu dormi ao lado da sanita”, conta.

“Somos todos seres humanos, temos todos direitos. Temos de nos respeitar uns aos outros. Não há diferença entre nós. Temos as nossas raízes noutro país, não queríamos sair de lá, mas fomos obrigados a isso. Todos aqueles que imigram, fazem-no por desespero e para fugir à miséria”, diz Forozan, a mulher de Ghafor.

Hoje é um dia importante para a família: Foram realojados.

Em novembro, a agência sueca para as migrações disse que não podia encontrar mais abrigos e que os refugiados tinham de encontrar um lugar para morar. As famílias com crianças têm prioridade. Os 600 que tinham sido acolhidos em Riksgränsen estão agora a ser distribuídos por toda a Suécia. A partir de meados de fevereiro, estes quartos vão ser ocupados pelos turistas da neve.

Ghafor, Forozan e Pareya apanham o comboio para Hoting, uma localidade no centro da Suécia com 700 habitantes. É o início de uma nova aventura.

Reporter - Asylum in Sweden

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