Alpes: O Novo Obstáculo dos Migrantes

Alpes: O Novo Obstáculo dos Migrantes
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De  Monica Pinna
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Durante quase dois anos, mais de 3 mil imigrantes enfrentaram a montanha para pedir asilo em França

A cidade de Clavière, na face italiana dos Alpes, é conhecida pelos amantes de esqui, no Inverno. Mas, neste dia de Primavera, um inabitual dispositivo policial foi mobilizado para as portas da Vila.

A poucas centenas de metros, dezenas de pessoas dirigiam-se para a o outro lado da fronteira franco-italiana. Franceses e italianos vieram expressar o seu desagrado, frente à estação da polícia, na fronteira da aldeia francesa de Montgenèvre.

"Uma mulher morreu, chamavam-lhe Blessing. Foi encontrada, quarta-feira, perto da represa de Presle, no rio Durance, que atravessa Briançon. Uma mulher negra, sem documentos, cujo corpo ninguém reclamou", diz uma mulher.

"Senhoras e senhores, autoridades policiais, não queremos que, depois do mediterrâneo se tornar num cemitério, a passagem desta fronteira se torne num novo obstáculo fatal para os que desejam vir para França", refere um homem.

Correndo o risco de serem processados, os montanhistas resgatam regularmente aqueles que arriscam as vidas para chegar à região de Briançon.

Benoit Ducos, montanhista e carpinteiro, conta: "Ajudámos a evitar muitos acidentes. Mas, hoje, com o fim do Inverno, percebemos que não são o frio nem a neve que causam estes problemas. É a presença policial e militar que está, fortemente, reforçada nesta fronteira. Que obriga os expatriados a fazerem mais e mais desvios, a correrem mais riscos para entrar em França."

A morte da jovem nigeriana, de 20 anos, está a ser investigada. Mas os manifestantes insistem: "De acordo com os testemunhos de colegas, o que lhe aconteceu foi a consequência de uma perseguição por polícias nas montanhas".

Quando questionado se tem mais informações sobre o caso, um polícia responde: "Não fomos nós, isso é certo. Estou a dizer-lhe, foi um traficante..."

Mas os manifestantes garantem: "Esta morte não foi uma fatalidade! Foi um homicídio, com mandatários e cúmplices bem identificados. Em primeiro lugar, os governos e a sua política de encerramento de fronteiras, e todos os homens e mulheres que os apoiam. Todas as polícias, incluindo as fronteiriças, os caçadores dos Alpes, e agora estes neofascistas ridículos da Geração Identitária, que patrulham os caminhos e estradas, à caça de imigrantes".

Durante quase dois anos, mais de 3 mil imigrantes enfrentaram a montanha para pedir asilo em França. A presença de forças de segurança e militares aumentou nesta região dos Alpes.

"A geração identitária" defende uma missão da Europa nos Alpes. Depois do ataque aos media por este grupo de extrema-direita, em abril passado, pedindo que a área fosse fechada, várias dezenas de ativistas ergueram uma fronteira simbólica no Col de l'Echelle. Um aviso aos imigrantes.

A repórter da euronews encontrou-se uns dias mais tarde com alguns militantes do grupo, que continuam na região. Estes, alegam que querem ajudar as forças de segurança a patrulhar a zona, à procura de imigrantes.

Aymeric Courtet, porta-voz da Geração Identitária, conta: "Realizamos missões de vigilância na fronteira. Também estamos a conduzir uma investigação, com o apoio maciço da população, recolhemos informações sobre contrabando e tráfico de imigrantes ilegais. Depois transmitimos essas informações à polícia. Nos últimos 15 dias, detivemos cerca de vinte... Denunciámos às forças da polícia cerca de 20 imigrantes ilegais. Indicámos onde se encontravam, para que os viessem deter".

Euronews: "E sentem que têm a legitimidade de bloquear a entrada a todos os que fizeram uma travessia, não só aqui, mas aos que vêm de longe e suportaram tudo?"

Porta-voz da Geração Identitária: "Sim, claro. Somos cidadãos vigilantes. Queremos defender a nossa gente. Defender os europeus. Por isso, sim, se o Estado decidiu abandonar o seu povo, nós estamos lá. Pelos europeus, pela defesa da nossa identidade".

De regresso a Clavière, em Itália, a repórter da euronews visita um dos pontos de partida de quem tenta atravessar em direção a França. Aquele é o limite, a partir dali, refere, não pode filmar. No entanto, conta que se veem voluntários franceses e italianos a cumprimentar pessoas vindas de toda a Itália.

O refúgio oferece-lhes um breve descanso, antes de retomarem a jornada perigosa para França.

Sujeitos a serem processados, por ajudarem imigrantes, os voluntários dizem que as forças policiais estão a violar a lei: "Normalmente, os requerentes de asilo devem poder apresentar-se sem documentos, numa fronteira, e dizer que precisam de proteção".

No entanto, o que acontece é que as pessoas que tentam atravessar, mesmo em circunstâncias normais, como para apanhar o autocarro, por exemplo, são levadas de volta para a fronteira. Isso obriga-os a percorrer caminhos muito perigosos para evitarem ser enviados de volta para Itália.

Um dos requerentes de asilo falou com a euronews sem mostrar o rosto para não ser identificado. Tentou atravessar no dia anterior, com o irmão menor. Foram intercetados pela polícia italiana. Apenas o mais novo conseguiu atravessar: "Perguntaram onde íamos. Respondi que íamos para França. Revistaram-nos as malas. Perguntaram que idade tínhamos. O meu irmão disse que tinha nascido em 2000. Disseram ok, isso é bom. Depois perguntaram-me a mim. Respondi que tinha nascido em 1999. Disseram, tu não, és um adulto", conta.

Quando questionado se tentaria atravessar novamente, responde: "Sempre. Sempre! Irei tentar. Como lhe disse, não quero viver aqui. O grande problema é a língua".

Tentou atravessar nesse mesmo dia com outras pessoas. Segui-los está fora de questão. A repórter da euronews prefere não o fazer com medo de aumentar o risco de serem apanhados.

O grupo, nesse dia, consegue atravessar...

É na cidade de Briançon, a cerca de 15 quilómetros de distância, que param para descansar.

A próxima visita é feita a um ponto de passagem para os refugiados, o campo Solidaire. Seis homens acabaram de chegar de Claviere. Estão exaustos.

euronews: Quando partiram?

Refugiado 1: Às nove horas da manhã. Chegámos às três. A pé, a pé...

Refugiado 2: Não podemos usar a estrada. Temos de percorrer outros caminhos, onde nos podemos esconder.

euronews: Esconder?

Refugiado 2: Sim, da polícia. Muitas vezes o carros da polícia pára. Se pararem, também temos de parar.

euronews: Parece difícil...está molhado e sujo...caiu?

Refugiado2: Estou molhado, sim. Não é fácil. Caí. Não é fácil. Não é fácil. Sofri muito.

Refeições, alojamento, roupas, cuidados médicos... Dezenas de voluntários trabalham por turnos para responder às necessidades de quem passa por Solidaire.

Depois de recuperar a força, a maioria fará o pedido de asilo noutras cidades francesas. O refúgio está, constantemente, ocupado.

Anne é voluntária no refúgio e conta: "Recebemos os recém-chegados, vamos ao hospital, nós tratamos do transporte, bilhetes de comboio, contactamos os familiares se tiverem algum lugar para onde ir. Precisam de muito conforto. Estão com muito medo de serem detidos em qualquer lado. Têm o direito de pedir asilo em França, mas mesmo isso tornou-se muito difícil. Estão cada vez mais preocupados e não lhes podemos garantir nada."

Justin, dos Camarões, pediu asilo político há sete meses. Enquanto aguarda por uma resposta, está impedido de trabalhar. Por isso, tem prestado ajuda no refúgio.

Entrou na Europa, através de Itália, e poderia ter sido enviado de volta para lá. O chamado "Regulamento de Dublin" permite que um requerente de asilo seja devolvido ao Estado da União Europeia por onde entrou.

"As pessoas acreditam que este é o único lugar bom para se viver. Mas, em vez de viver aqui, preferia viver no meu país, com a minha família, com o meu filho, ter a minha própria vida. Portanto, se estamos aqui é porque há um bom motivo", assegura Justin.

Criado para receber 20 pessoas, o Refúgio Solidário recebe regularmente cerca de uma centena.

Joel, um dos responsáveis no refúgio, insurge-se contra a falta de centros de acolhimento para os recém-chegados, a França, para os que ainda não conseguiram apresentar pedido de asilo:

"Não cabe à polícia decidir se o pedido de asilo é legitimo. Há um organismo chamado OFPRA, - Gabinete Francês para a Proteção de Refugiados e Apátridas -, que é suposto lidar com estes dossiers, analisá-los e decidir. Enquanto se espera, deveria existir uma política de acolhimento primário em França. É esse trabalho que não está a ser feito pelo Estado e que nós, voluntários, fazemos. Mas, não devia ser um trabalho feito por nós. Especialmente quando nos pedem para receber menores... Quando nos pedem isso... Significa que não estamos a cumprir a lei".

Na manhã seguinte, outros voluntários do refúgio decidiram acampar frente à esquadra de Briançon, com 23 menores. É aqui que os menores desacompanhados são registados.

O conselho do departamento da Polícia é obrigado por lei a responsabilizar-se pelos menores.

Mas, alguns destes jovens já estão no abrigo há 15 dias. O grupo decide não desmobilizar enquanto espera por uma resposta.

No final do dia, 18 dos 23 jovens partem para a cidade de Gap, onde fica o conselho do departamento da Polícia.

Próxima paragem: escola secundária de Briançon.

Movado chegou há um ano e meio. Está a fazer formação na área da construção civil. Foi salvo nas montanhas durante a travessia. O jovem da Guiné-Conacri foi acolhido por um casal da região. Agora vive com eles numa pequena aldeia, a cerca de vinte quilómetros de Briançon.

"A família que me acolheu é muito gentil. São muito simpáticos. Cuidam de mim. Ajudaram-me a regressar à escola. Não sou outro filho, mas cuidaram bem de mim. De qualquer forma, são como se fossem meus pais", explica.

Yves e Fanfan acolheram Movado doente e com queimaduras graves. Trataram-no e acompanharam-no durante o processo de pedido de asilo.

O deserto do Saara, as prisões da Líbia, a travessia do Mediterrâneo: todos conhecem o inferno pelo qual passou. Movado está seguro agora, mas apesar de tudo, o casal não esconde a sua preocupação.

Fanfan Guillemeau, conta: "O Movado e o Fousseini estão bem, mas o resto é desolador, porque... Hoje eles estão bem, e nós estamos felizes. Estão bem... Mas, até quando? As leis estão a mudar. Daqui a uns meses serão ainda mais duras. O que vai acontecer, em que é que se vão tornar?"

Yves Masset, carpinteiro e montanhista refere: "Eles trazem-nos, também, boa energia. Porque a persistência que eles têm demonstrado, desde sempre, isso também nos tem mudado, de alguma forma".

Aos 19 anos, Movado sonha tornar-se canalizador e estabelecer-se em França por um longo tempo.

Uma esperança que permanece dependente do pedido de asilo. "Não me sinto verdadeiramente livre porque estou aqui e não tenho os meus documentos. Tenho de esperar por uma resposta. Se esta for positiva, terei documentos. Se for negativa, isso exigirá recursos. São muitas coisas na minha cabeça, penso muito sobre tudo, mas também acredito todos os dias, que vai acontecer, pouco a pouco, passo a passo", partilha Movado.

Yves e Fanfan fazem de tudo para apoiar os seus protegidos nos seus esforços, com a ajuda de advogados. Mas sabem que nada está garantido.

​"Julgo que o mais importante é dizer-lhes que tenham confiança. Se tiverem confiança serão mais fortes. Se forem mais fortes, talvez tenham mais hipóteses. É tudo o que podemos dizer", diz Fanfan.

"A solidariedade dos montanhistas foi também importante, junto dos media, sobre esta questão... é verdade que se está a tornar anedótico, em comparação com os obstáculos que sentimos, a forma como os poderes políticos estão a agir. Por isso, estamos um pouco irritados", afirma Yves.

A mesma irritação, misturada com tristeza, invade algumas dezenas de habitantes do vale, na noite seguinte, enquanto prestam uma última homenagem à jovem nigeriana encontrada morta no rio.

"Não beberemos mais a água das nossas fontes, ou caminharemos, serenamente, na montanha porque sabemos que amigos exilados perderam a vida, foram caçados como uma presa", diz um montanhista.

"Oh Blessing, todo o mundo chora por ti, aqui em Briançon, todo o mundo chora. O que fez ela para merecer tal sorte?"

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