O sofrimento dos refugiados e dos gregos na ilha de Samos

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De  Valérie Gauriat
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Muitos gregos consideram que os migrantes vivem em condições miseráveis, o que propicia doenças e roubos.

A imigração é uma questão fraturante na Europa. Na ilha grega de Samos, uma parte da população está cada vez mais revoltada face ao número crescente de migrantes, enquanto a outra parte continua a ajudar os que fogem da guerra e da miséria.

Muitos gregos da ilha de Samos procuram ajudar as pessoas que chegam à ilha em busca de um futuro melhor na Europa. Mas, há também muitas pessoas que consideram que os migrantes vivem em condições miseráveis, o que propicia a proliferação de doenças e o aumento do número de roubos.

A euronews falou com um casal de reformados gregos que vive numa casa de verão colada ao centro de registo para requerentes de asilo.

"Estamos a passar um momento muito complicado. Tal como estas pessoas, que são forçadas a fazer as necessidades por todo o lado. É desesperante. É um caos sanitário. Já nos destruíram a cerca várias vezes. Recebo uma reforma pequena, é o que tenho para manter este lugar em condições", disse Manolis Mantas.

Pessoas dão comida aos migrantes

O casal grego ajuda muitos migrantes, dando-lhes comida.

"Cozinho todos os dias para eles. Aqui tenho sobras de ontem, mas hoje vou preparar comida fresca. Vou fazer macarrão com atum. Todos os que tentam ajudar são estigmatizados. As pessoas perguntam: porque estás a ajudá-los? Eles estão doentes e eles são isto e aquilo", contou Vasiliki Manta.

"De início, quase toda a gente ajudava os imigrantes. Mas depois, começaram a chegar cada vez mais migrantes, alguns criminosos, e as pessoas ficaram assustadas", acrescentou Vasiliki Manta.

"Este homem e a mulher dele têm bom coração. Peço a Deus que os abençoe e lhes dê uma vida longa", disse o migrante africano.

Para o casal grego, a União Europeia tem de tomar medidas urgentes. "Se a Europa acredita num ideal de igualdade entre Estados, precisa de gerir este problema e não deixar a Grécia tornar-se num enorme campo de almas perdidas, onde as pessoas vivem em condições degradantes. Aliás, tanto elas como nós".

Condições de vida degradantes para os migrantes

A ilha fica a menos de dois quilómetros da Turquia. O campo de Samos é um dos cinco centros de registo para requerentes de asilo, nas ilhas gregas, no norte do Mar Egeu.

O campo está preparado para receber seiscentas e cinquenta pessoas mas acolhe quase quatro mil.

Desde o acordo entre a União Europeia e a Turquia, em 2016, os migrantes ficam retidos no campo enquanto aguardam a resposta ao pedido de asilo. Um processo que pode levar meses ou anos. Apenas os mais vulneráveis têm a possibilidade de serem transferidos mais cedo para o continente europeu. Por isso, a fila de espera para ver o único médico do campo é longa.

"Se falar com a Europa, eles vão dizer que a crise acabou porque o fluxo de imigrantes diminui. Nós não vemos diferença. A esperança vai-se perdendo. A frustração aumenta. Tudo fica mais difícil. Até para nós", afirmou Manos Logothetis, médico no centro de retenção de Samos.

Diretora do centro de migrantes recusa falar a jornalistas

A responsável do centro de asilo recusa falar à comunicação social. A equipa da Euronews só foi autorizada a permanecer uma hora local.

"Como pode ver, isto é uma selva. Há lixo por toda a parte. Ninguém limpa, porque estas pessoas estão a viver do lado de fora. Há ratos. Às vezes, até vemos cobras. E como pode ver, não há água nem casa de banho. É muito frio no inverno e no verão é muito quente. É muito difícil viver nestas condições", disse Mohamad Malek Kassas, um requerente de asilo sírio que chegou à ilha grega há cerca de dez meses.

Uma espera interminável para os requerentes de asilo

A euronews ouviu vários testemunhos de pessoas desesperadas pela espera e pelas más condições de vida.

"Já requeri asilo há seis meses. Disseram-me que a grande entrevista poderá ter lugar em 2021. Veja só! 2021! Estou a ficar louco. Não comemos bem. Não dormimos em condições. Somos quase como animais. Não conseguimos entender", declarou um migrante africano.

"Venho do Iraque. Estou aqui há oito meses. Fui despejado aqui, à chuva, no meio de insetos e ratos. Tive uma doença de pele. Psicologicamente, estou muito mal. Se não estou dentro dos critérios deles para ser um refugiado, digam-me, para que eu não continue aqui a sofrer. Abram-me a porta e eu deixo a Grécia" , disse Sabah Al Maliki.

"O El Dorado tornou-se num inferno. O local onde pensava encontrar um refúgio e onde todas as preocupações, más memórias e pesadelos ligados ao meu país podiam desaparecer, é afinal um local similar ao sítio de onde fugi. O que ainda agrava mais as coisas. É triste, muito triste", afirmou à euronews um requerente de asilo africano.

A espera interminável é um sofrimento adicional para muitos requerentes de asilo. Para ajudar os migrantes, uma ONG abriu um centro comunitário. Além de reconforto, os voluntários de Samos fornecem aconselhamento jurídico e dão aulas de línguas. Os cerca de trinta voluntários vêm de vários países do mundo.

Alexandros Mantoglou dá aulas de grego a refugiados, em regime de voluntariado, mas está consciente da revolta da população face à questão dos migrantes.

"As pessoas sentem que nada está a ser feito para melhorar a situação. Sentem-se negligenciadas pelo governo grego e pelos políticos que lhes estão sempre a fazer promessas de melhoria e a dizer-lhes que os migrantes irão ser transferidos para outros locais. Já ninguém está disponível para ajudar. E os que estão dispostos a ajudar são apontados como pessoas que não se preocupam com o bem-estar e a prosperidade da ilha", contou Alexandros Mantoglou.

Gregos queixam-se de que migrantes prejudicam turismo

A euronews esteve em Vathi, capital da ilha de Samos, onde vivem cerca de cinco mil pessoas. A presença do centro de retenção para migrantes, a escassas dezenas de metros do centro da cidade, gera insatisfação.

"Todos os habitantes de Samos mostraram humanidade. Nos últimos cinco anos, ajudámos muitas das pessoas que vêm para a nossa ilha. Mas isto ja dura há muito tempo. Cinco anos é demasiado tempo. Isto tem de mudar", disse Michalis Mitsos, presidente da Associação de Bares de Samos.

"Quando as pessoas ficam a saber que quatro ou cinco mil migrantes oriundos de mais de cinquenta países vivem na cidade, alguns já não nos querem visitar. Preferem procurar outros locais em Samos", acrescentou o responsável.

"Também trabalhei na associação durante três anos. Parei de trabalhar porque eles não respeitam ninguém. Dão-lhes comida e eles deitam-na fora porque não gostam dela. Não foi há muito tempo que tivémos uma grande crise na Grécia e essas pessoas deitam comida fora", lamentou Manolis Chliaoytakis, residente da ilha.

O presidente da associação de bares de Samos afirma que houve vários roubos feitos por migrantes.

"Roubam as garrafas de bebidas alcoólicas que temos guardadas para o verão. Roubam a aparelhagem sonora, os computadores, roubam tudo o que conseguirem vender. Nove em cada treze vezes são apanhados em flagrante. São presentes ao juiz e saem em liberdade uma hora depois", disse o responsável.

Mais uma vez, a União Europeia é alvo de críticas. "O facto de termos aqui requerentes de asilo e migrantes encalhados nas quatro ilhas gregas do norte do Mar Egeu há dois anos, sem permissão de prosseguirem para outros locais na Europa ou mesmo na Grécia, leva os habitantes de Samos a pensar que a Europa sacrificou estas ilhas para se salvar a si própria", considerou Michalis Mitsos.

Pais tiram crianças da escola devido aos migrantes

Em abril, centenas de habitantes de Samos juntaram-se num protesto, durante a visita do ministro da imigração, para exigir o fecho do centro de registo para requerentes de asilo. A presença dos migrantes gera também o descontentamento da Associação de Pais de Samos.

Recentemente, os pais das crianças retiraram as crianças das escolas públicas, durante alguns dias, para protestar contra a presença de crianças migrantes.

"Eles enfrentam problemas graves todos os dias. Vivem em tendas no meio de ratazanas. Há pilhas de lixo ao lado deles. O receio de problemas de saúde pública aumenta. Nós dizemos: 'transfiram estas crianças para abrigos decentes e depois, sim, tragam-nos à escola.", explicou Stamatia Thomasouli, diretora da Associação de Pais de Samos.

"As nossas crianças, nos últimos anos, viram coisas bem longe do que era normal. Não estávamos habituados a ver crianças feridas a andar pela estrada sem sapatos. Nem a ver miúdos a sair de caixotes do lixo", disse Sonia Paschalaki, da Associação de Pais de Samos.

As crianças do centro de retenção têm aulas depois das crianças gregas já terem saído da escola e entram por um portão diferente. As mães e pais da associação rejeitam as acusações de xenofobia e garantem nada ter contra os migrantes. Uns dias antes da Páscoa, prepararam algumas prendas para as crianças migrantes.

"É um gesto de boas-vindas para lhes desejar uma boa estadia durante o curto espaço de tempo que vão ficar no nosso país", explicou Stamatia Thomasouli.

"Dessa forma, elas podem ficar com uma ideia das nossas tradições", disse Sonia Paschalaki.

"Queremos a nossa ilha de volta. De uma forma geral, nas nossas ilhas, o dia-a-dia foi afetado. O que queremos é que o campo seja transferido para outro sítio qualquer, para fora da cidade, ou que seja fechado de uma vez", sublinhou Vasilia Vakra, da Associação de Pais de Samos.

A hostilidade de uma parte da população face aos migrantes

O dia-a-dia dos migrantes em Samos é cada vez mais difícil. Por um lado, esperam meses ou anos pela resposta das autoridades aos pedidos de asilo, por outro, são alvo da hostilidade de uma parte da população. Muitos comércios da cidade não autorizam a entrada de migrantes.

O Chicha bar é um dos poucos comércios onde os migrantes são bem-vindos.Abdulrahman Al Diab fugiu da Síria, onde trabalhava como estilista de moda e abriu o café há um ano com uma sócia nativa de Samos.

"De início, tivémos alguns clientes gregos, mas não de Samos. Ninguém nos tolerava. Desde o verão, os nossos únicos clientes têm sido migrantes. Muitos dos locais, quando passam diante do café, viram a cabeça. Quando olham para os refugiados, abanam a cabeça, como se eles estivessem a fazer alguma coisa de mal. É isto que me deixa muito triste", disse Ionna Karpathiou.

Abdulrahman Al Diab chegou a Samos ha dois anos e ainda está à espera de resposta ao pedido de asilo. "Se decidirem repatriar-nos para a Turquia ou para a Síria, vou perder tudo. Da mesma forma que perdi tudo na Síria. vou perder tudo aqui outra vez", disse o requerente de asilo.

Há algumas semanas, os sócios decidiram colocar o espaço à venda para deixarem Samos.

"Podia ficar aqui, se quisesse. Mesmo que esta história dos migrantes acabasse e eu decidisse manter o espaço, não acredito que os habitantes da ilha me suportassem. Podia fazer outras coisas. Mas prefiro partir e fazer outra coisa da minha vida, noutro sítio, longe de Samos", confessou Ionna Karpathiou.

"Começámos este projeto juntos e temos mais ideias para trabalharmos juntos. Tenho mais sonhos, mais ideias e vou conseguir. Não me vão impedir. Algum dia vão ter de me aceitar", garantiu Abdulrahman Al Diab.

Governo promete transferir centro para outro lugar

O governo grego prometeu encerrar o campo de migrantes de Vathi e transferi-lo para Mytilinioi, uma localidade no interior da ilha, a doze quilómetros de Samos. A euronews falou com o presidente da vila, Georgios Eleftheroglou.

"Eram os antigos matadouros. A instalação do centro de migrantes está prevista para este sítio. Pode ver onde está a minha comunidade. A distância é de um quilómetro. Por isso, podemos facilmente prever que o problema atual de Vathi vai tornar-se no nosso problema.", disse Georgios Eleftheroglou, presidente da vila.

O assunto divide os habitantes da localidade. "Quando eu disse que não queríamos um segundo campo de migrantes na nossa zona, algumas pessoas ameaçaram-me. Aqui podemos ler: 'és tu a seguir'. Significa que me querem abater. Isto mostra a divisão entre as pessoas", disse o presidente da localidade.

A euronews falou com um grupo de habitantes de Mytilinioi revoltados com a decisão das autoridades.

"Não deixam os migrantes seguir viagem para onde eles querem ir. São mantidos aqui à força. Por isso, eles passam-nos a miséria deles. Ou seja, a miséria deles torna-se na nossa miséria", lamentou Alexandros Georgiadis.

"Não pode haver pessoas a deambular por aqui sem que saibamos quem são. Não podem andar por aqui à vontade sem sabermos se são criminosos, ladrões ou violadores", afirmou Eyaggelia Kokaraki, habitante de Mytilinioi.

"Não os queremos aqui. Este é o problema! Podem levá-los para onde quiserem mas aqui não. Está decidido", acrescentou Dora Kalogrea.

"Não podemos viver com estas pessoas. Têm centenas de doenças. O hospital está cheio de negros. Os migrantes roubam. Não é possível. Vamos fazer justiça com as próprias mãos.", garantiu Nikolas Moschonas.

"É bem possível que isto soe racista, mas não somos racistas. Por favor não nos associem a essa expressão, mas estamos fartos", lamentou Nikolaos Ftinogiannis.

"A Europa decidiu fechar as fronteiras e é a Grécia que paga a fatura", afirmou mitsos Eleytherios.

"Será que esses Europeus que decidem e que dão ordens não conseguem perceber que a unica coisa que vão conseguir é a subida da extrema-direita? Passo a passo, eles empurram as pessoas para os extremos. Foi isso que a Europa conseguiu. É isto que têm de lhes dizer", desabafou o autarca de Mytilinioi.

Nome do jornalista • Elza GONCALVES

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