Como funcionam as cimeiras da União Europeia?

Como funcionam as cimeiras da União Europeia?
Direitos de autor Francois Lenoir/AP
De  Euronews
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button

Negociações difíceis e compromissos fazem quase sempre parte das manchetes quando os líderes da União Europeia se reúnem em Bruxelas para lidar com questões urgentes. Mas como funcionam afinal as cimeiras europeias. O que é que se decide e porque é que duram tanto tempo?

PUBLICIDADE

Sempre que os chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE) se reúnem em Bruxelas há muita agitação.

Quer sejam um sucesso ou não, as cimeiras europeias tendem a ser elevadas a um estatuto lendário e a deixar uma marca na história do bloco dos 27 Estados-membros.

Mas, porque é que os líderes europeus se reúnem numa cimeira?

Como é que estas funcionam, ou não?

O que é o Conselho Europeu?

Uma cimeira europeia é uma reunião do Conselho Europeu. Este é composto pelo grupo de líderes que dirigem os Estados-membros da União Europeia.

Não deve ser confundido com o Conselho da União Europeia, que reúne ministros nacionais e lida com matérias de legislação e política.

Os 27 chefes de Estado e de Governo da UE reúnem-se pelo menos quatro vezes por ano para decidir o rumo da política europeia.

Não negoceiam nem adotam legislação, mas definem a agenda política.

A pessoa que preside às cimeiras desde 2009 é o presidente do Conselho Europeu.

Nos últimos tempos, a tarefa cabe ao antigo primeiro-ministro da Bélgica, Charles Michel.

É ele quem envia uma carta de convite formal para a cimeira, enumerando os problemas urgentes do bloco.

Mais tarde preside às negociações para adotar as conclusões, de onde sairá uma declaração final acordada pelos 27 Estados-membros.

Na verdade, grande parte do trabalho para uma cimeira europeia é feito semanas antes, por funcionários europeus e diplomatas, antes de os grandes nomes chegarem a Bruxelas.

Frequentemente, o rascunho das conclusões acaba por chegar ao conhecimento dos próprios jornalistas antes da cimeira.

Porque é que se realizam cimeiras europeias?

Na década de 50, quando os líderes da União Europeia queriam discutir assuntos importantes para Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), faltava um calendário de reuniões claro e os encontros eram improvisados.

Foi o antigo presidente francês Valéry Giscard d’Estaing que teve a ideia de criar um clube de líderes da União Europeia para conversar regularmente, em 1974.

No ano seguinte, os líderes da União Europeia começaram a reunir-se três vezes por ano.

© CE/ CE
Almoço no Palácio do Eliseu: Joop Den Uyl, Harold Wilson, Valéry Giscard d'Estaing© CE/ CE

A razão de ser de uma reunião de todos os líderes era ter uma forma de liderança coletiva. Independentemente da dimensão do Estado-membro, todos tinham um assento à mesa.

PUBLICIDADE

Atualmente, os líderes da UE reúnem-se pelo menos duas vezes por semestre e o presidente do Conselho Europeu pode convocar cimeiras especiais sobre qualquer assunto particularmente urgente.

As cimeiras europeias são essenciais para se alcançar um acordo sobre questões que importam em todos os países da UE - seja a moeda do euro (temores de "Grexit"), uma nova parceria comercial com um antigo país da UE ("Brexit") ou como lidar com as consequências de uma pandemia (Fundos de Recuperação COVID-19).

Regra geral, as cimeiras são mais críticas em períodos de crise. Motivo pelo qual muitas vezes degeneram em pontos de fricção e se prolongam no tempo.

Porque é que as cimeiras europeias duram tanto tempo?

As cimeiras da União Europeia têm a reputação de começar à hora do almoço e de se prolongar até às primeiras horas da manhã do dia seguinte.

Isto porque nem sempre é fácil chegar a um acordo entre os 27 líderes europeus.

PUBLICIDADE

“Penso que a história europeia está cheia de desacordos, negociações e, no final, compromissos,” disse, em 2015, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, numa altura em que decorriam as negociações sobre a crise da dívida grega.

No final, foi um compromisso grego que pôs fim à ameaça do "Grexit" (saída da Grécia da União Europeia), mas o mesmo trouxe medidas de austeridade dolorosas.

Geert Vanden Wijngaert/AP
12 de fevereiro de 2015 - Primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, faz uma pausa antes de responder a perguntas durante uma conferência de imprensa no rescaldo de uma cimeira.Geert Vanden Wijngaert/AP

Algumas decisões requerem apenas consenso ou votos por maioria qualificada, mas outras requerem um acordo unânime. Isso significa que apenas um país pode vetar as conclusões dos outros.

Em 2020, a Polónia e a Hungria ameaçaram vetar o orçamento de 1,8 biliões de euros do bloco comunitário por causa de preocupações com um mecanismo que condicionaria a atribuição de fundos europeus ao respeito dos Estados-membros pelos valores europeus fundamentais.

Um acordo de 11 horas acabaria por ser fechado com Varsóvia e Budapeste, evitando uma crise potencial.

PUBLICIDADE

No entanto, em 2011, quando o Reino Unido ainda era membro do clube europeu, o então governo de David Cameron exerceu o poderoso poder de veto para uma reforma do Tratado da União Europeia durante a noite, para a frustração dos seus pares.

Os 26 Estados-membros restantes finalmente seguiram em frente sem os britânicos, com o primeiro-ministro Cameron dizendo que o acordo não era do interesse do Reino Unido.

Todos sabemos como é que a história acabou.

A maior cimeira europeia de sempre

Outras cimeiras ficaram para a história simplesmente por causa da duração.

Em julho de 2020, uma reunião gigantesca em Bruxelas durou mais de 80 horas, entre a noite de uma sexta-feira e a madrugada de uma terça-feira.

PUBLICIDADE

As negociações envolveram o mesmo orçamento e o Fundo de Recuperação pós-pandemia que os húngaros e os polacos tentaram bloquear.

AP Photo - Olivier Hoslet/AP
11 de dezembro de 2020 - Presidente francês Emmanuel Macron depois de uma maratona negocial numa cimeira da União Europeia em Bruxelas.AP Photo - Olivier Hoslet/AP

A crise da dívida grega monopolizou as manchetes nas cimeiras da UE durante anos, até que, em 2015, se realizou outra cimeira tensa ensombrada pela ameaça de saída da Grécia da União Europeia ("Grexit").

“Ainda não chegámos a um ponto em que eu poderia dizer que temos um acordo, mas vou trabalhar até o último minuto, até o último segundo, até o último milissegundo, para evitar o fracasso do projeto europeu,” disse Jean-Claude Juncker, o antigo presidente da Comissão Europeia, em junho de 2015.

Em julho, houve um referendo na Grécia que se traduziu na rejeição dos termos do resgate financeiro.

Uma semana depois, após 17 horas de negociações em Bruxelas, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras cedia aos cortes e medidas de austeridade dolorosas.

PUBLICIDADE

Mas o prémio principal vai para a cimeira de Nice, em dezembro de 2000, onde os líderes da UE conversaram durante 90 horas. O compromisso resultante foi o Tratado de Nice - uma tentativa de reformar as instituições da UE para permitir a expansão para o leste, que aconteceria em 2004.

Braço-de-ferro financeiro - países frugais e os outros

Também houve momentos tensos entre os líderes, geralmente, quando se trata de dinheiro.

Em 1979, quando a União Europeia ainda era a Comunidade Económica Europeia (CEE), a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, conservadora, lançou farpas aos chefes de estado e de governo da CEE quando defendeu um desconto britânico, que impediria o Reino Unido de pagar mais no orçamento coletivo do que o que recebia do bolo comunitário.

A mais famosa dessas palavras foi: “quero meu dinheiro de volta.”

Não seria a última vez que a "Dama de Ferro" entraria em confronto com os homólogos europeus, com a disputa por fundos a prolongar-se durante cinco anos e acabando com uma vitória de Thatcher.

PUBLICIDADE
AP Photo - AP/AP1984
25 de junho de 1984 - Primeira-ministra britânica Margaret Thatcher participa numa cimeira de líderes europeus em Fontainebleau, França.AP Photo - AP/AP1984

Apesar de poderem mudar os atores, as batalhas por dinheiro continuam na atualidade.

Enquanto os líderes da UE lutavam por um Fundo de Recuperação da pandemia de Covid-19, o volume de doações e o respeito pelo Estado de Direito tornaram-se nos principais pontos de fricção.

Os chamados "Frugal Four" - Áustria, Suécia, Dinamarca e Países Baixos -  anunciaram uma contraproposta frugal, descartando a ideia de dívidas conjuntas e de aumentos de longo prazo no orçamento da UE.

Quando os líderes finalmente chegaram a um acordo após quatro dias de negociações, o presidente francês Emmanuel Macron saudou o acordo como um "dia histórico para a Europa".

A então chanceler alemã, Angela Merkel, disse, na altura, que "eventos extraordinários" exigem "novos métodos extraordinários", enquanto o presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, comparou o pacote de recuperação ao Plano Marshall do pós-guerra na Europa.

PUBLICIDADE

No entanto, a Hungria e a Polónia continuaram insatisfeitas com os termos do acordo, acabando por procurar a orientação do Tribunal de Justiça Europeu sobre a questão legal de vincular os fundos da UE ao respeito pelos valores europeus.

"O sinal de um acordo europeu bem-sucedido é que ninguém o ama," disse Rebecca Christie, investigadora do think tank Bruegel, em Bruxelas, sobre o acordo datado de julho de 2020.

Por isso, quando se trata de cimeiras da UE, embora muitas vezes sejam descritas nos títulos das notícias como batalhas épicas entre diferentes líderes nacionais, com vencedores e perdedores, é o compromisso que está sempre em jogo.

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Crianças ucranianas deportadas para a Rússia enfrentam um futuro incerto

Investimento chinês em infraestruturas europeias preocupa UE

Não há como parar as contas de gás da Europa