A União Europeia pode expulsar Estados-membros?

Neste momento há dois Estados-membros em rota de colisão com Bruxelas: Hungria e Polónia
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De  Alice Tidey
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O Estados-membros podem decidir abandonar a União Europeia, como aconteceu com o Reino Unido, mas até que ponto é que o inverso é possível?

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Os Estados-membros podem deixar a União Europeia (UE), mas será que o bloco os pode expulsar?

Nos últimos anos, Bruxelas iniciou processos punitivos contra a Polónia e a Hungria por violações do Estado de direito. Prepara-se, agora, para usar um novo mecanismo contra Budapeste, que permite reter fundos comunitários. Mas se isso não bastar para alterar a rota de colisão dos dois países, será que a União Europeia poderá, alguma vez, expulsar um Estado-membro?

A resposta curta é: Não. A resposta longa é: isso levaria anos e, provavelmente, seria um fracasso.

A razão é bastante simples: a União Europeia, simplesmente, nunca planeou essa possibilidade.

“Legalmente falando, não temos condições para expulsar um Estado-membro – ao contrário do Conselho da Europa, por exemplo, que expulsou a Rússia há algumas semanas atrás”, explicou Adam Lazowski, professor de direito da União Europeia na Universidade de Westminster, em entrevista à Euronews.

De seis para 27

A União Europeia nasceu como um projeto de paz, quando o velho continente tentava renascer das cinzas deixadas pela Segunda Guerra Mundial.

Na altura, a ideia era a de que ao criar laços económicos mais profundos entre os países, estes pensariam duas vezes em relação a conflitos futuros. Foi assim que nasceu, em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), com a Alemanha Ocidental, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo como membros fundadores.

A rápida expansão económica que se viveu na década de 1960, a queda dos regimes autocráticos em Espanha, Grécia e Portugal na década de 1970, as fortes mudanças sociais desencadeadas pelos protestos de 1968, as crises económicas como a crise do petróleo de 1973 e o colapso do comunismo transformaram o grupo de seis países numa União a 27 motivada não só por preocupações económicas, mas também por valores democráticos.

Já se passaram nove anos desde o alargamento mais recente – o último país a aderir à UE foi a Croácia em 2013 – e, na verdade, desde então, a União Europeia ficou menor.

O Reino Unido ativou o artigo 50.º do Tratado da União Europeia em março de 2017, nove meses após os eleitores britânicos validarem o divórcio do bloco comunitário. Iniciou-se uma tumultuosa contagem decrescente de negociações de dois anos que teve um efeito arrepiante nas relações UE-Reino Unido, com muitas questões importantes ainda sem solução à vista.

Mas o "Brexit" não foi a única grande mudança política vivida no bloco durante a década de 2010. Este período também foi caracterizado pela ascensão e pelo fortalecimento de partidos populistas de direita que propagaram a retórica anti europeia.

Regra da unanimidade tolhe Bruxelas

Entre esses partidos estão o Fidesz, da Hungria, e o partido Lei e Justiça (PiS), da Polónia, que foram repetidamente arrastados para os tribunais por Bruxelas, por causa de reformas que fizeram para restringir a independência do poder judicial, bem como dos meios de comunicação social, da sociedade civil, a par dos direitos dos migrantes, mulheres e minorias.

O Tribunal de Justiça da União Europeia ficou, invariavelmente, do lado da Comissão Europeia, que tem o papel de ser guardiã dos tratados e das leis comunitárias. Mas no terreno pouco mudou.

A Comissão Europeia iniciou o procedimento contra a Polónia ao abrigo do artigo 7.º do Tratado da União Europeia (para responsabilizar os governos que tomam ações que ameaçam o Estado de direito) em 2017. Já em setembro de 2018, os eurodeputados fizeram o mesmo contra a Hungria.

Este procedimento – muitas vezes referido como a “opção nuclear” – abre a porta a medidas punitivas, incluindo a suspensão dos direitos de voto ao nível do Conselho.

Mas está parado. O problema é que avançar requer uma votação unânime dos líderes e como Viktor Orbán confirmou após a sua reeleição para um quarto mandato consecutivo, “com os polacos, temos uma aliança defensiva mútua.”

“Não permitiremos, um ao outro, a exclusão da tomada de decisões europeias”, acrescentou o primeiro-ministro húngaro.

Exasperados, os eurodeputados fizeram pressão para a criação de outro instrumento punitivo, o que levou à criação do mecanismo de condicionalidade do Estado de direito, que acabaria por ser, finalmente, validado em fevereiro de 2022 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

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Na prática, permite que os fundos comunitários destinados a determinados Estados-membros sejam retidos em caso de retrocesso no Estado de direito.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já disse que espera que o mecanismo seja acionado contra a Hungria em breve.

No entanto, não está claro que critérios serão usados ​​nem quantos fundos podem ser retidos, porque o mecanismo foi diluído da proposta inicial, uma vez que a Hungria e a Polónia ameaçaram vetar o orçamento da UE por causa disso.

"A União Europeia terá de dizer: não"

Além disso, as autoridades dos dois países fizeram referências veladas a um possível "Polexit" (saída da Polónia da União Europeia) ou "Huxit" (saída da Hungria da União Europeia) numa tentativa de aumentar a pressão sobre o bloco, ainda a sofrer com o impacto que o divórcio com o Reino Unido teve e continua a ter.

No entanto, tais eventualidades são improváveis.

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“Toda a operação do regime de Orbán – que se baseia na corrupção estratégica e no abuso de fundos da União Europeia – assenta num sistema político que não funciona fora da UE”, disse à Euronews Daniel Hegedus, investigador do think tank German Marshall Fund dos EUA.

Zsolt Enyedi, professor e investigador do Instituto de Democracia da Universidade Centro-Europeia, concordou: “Não acho que Orbán deixará voluntariamente a UE principalmente por razões financeiras.”

“Mas penso que ele pode criar uma situação em que a UE não terá escolha a não ser expulsar a Hungria”, acrescentou. “Muitas das agências de notação que monitorizam a qualidade da democracia consideram a Hungria uma não democracia e fazem isso por causa de vários fatos no terreno.”

“Se Orbán continuar por esse caminho, chegará um ponto em que será descaradamente óbvio que temos um regime ao estilo de Vladimir Putin – embora não violento, mas em termos de ideologia e de mentalidade – dentro da UE e então a UE terá de dizer não a isso”, insistiu Enyedi.

"Muita ingenuidade"

No entanto, não existe tal cláusula ou artigo nos tratados porque "a UE se baseia no Estado de direito e na presunção de que todos os Estados-membros cumprem os principais componentes", sublinhou Adam Lazowski, professor de direito da União Europeia na Universidade de Westminster.

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"Foi muita ingenuidade acreditar que a política de pré-adesão pode fazer milagres e que depois as reformas são definitivas. Mas, como testemunhámos na Hungria, e especialmente na Polónia, as coisas podem-se desenrolar muito, muito rapidamente", referiu.

Concretamente, se Bruxelas quisesse seguir esse caminho, provavelmente precisaria exigir uma revisão formal do tratado para adicionar tal procedimento.

O Artigo 50.º, por exemplo, foi incorporado no Tratado de Lisboa, que foi adotado em 2007, e entrou em vigor em dezembro de 2009. O trabalho para a revisão do tratado começou em 2001.

Uma vez revisto, o tratado teria de ser apoiado por unanimidade pelos Estados-membros, o que os governos na mira da UE sem dúvida rejeitariam de qualquer maneira.

“Foi realmente ingénuo não incluir um procedimento como temos no Conselho da Europa – o artigo 8.º do Estatuto do Conselho da Europa, que permitiu expulsar a Rússia no espaço de um mês ou menos de um mês a partir da invasão”, lembrou Lazowski.

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O que é que os eleitores querem?

Em última análise, para Bruxelas, o melhor cenário seria os eleitores chutarem esses governos, elegendo mais políticos liberais pró-UE, evitando assim a necessidade de expulsar os Estados-membros.

O anúncio de Von der Leyen sobre o acionamento do mecanismo de Estado de Direito contra a Hungria veio dois dias após a realização de eleições no país, sugerindo que Bruxelas poderia esperar um resultado diferente que anularia a necessidade de lançar medidas punitivas.

No entanto, embora a Hungria e a Polónia tenham provado que o desmantelamento das salvaguardas do Estado de direito pode ser feito à velocidade da luz, o inverso não é necessariamente verdadeiro.

No caso da Hungria, onde os partidos da oposição se uniram para apresentar uma frente anti-Orbán, quebrar o legado do Fidesz provavelmente será difícil.

“Durante os últimos anos, as regras e regulamentos foram alterados de tal forma que praticamente todos os decisores – aqueles que governam o poder judicial, o Ministério Público, a comissão eleitoral, os meios de comunicação, o desporto, o entretenimento, as universidades e qualquer setor da vida que se possa pensar – têm gabinetes que duram oito, dez, 12 anos ou às vezes por toda a vida”, sinalizou Enyedi.

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“Por isso, o novo governo não poderá remover essas pessoas. Essas pessoas continuarão a decidir o que importa” e continuarão “a fazer o que Orbán quer”, sublinhou.

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