Cinco desafios para Macron face à fragmentação do eleitorado

Macron voltou a ser eleito presidente da França
Macron voltou a ser eleito presidente da França Direitos de autor AP Photo
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De  EURONEWS
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O mapa político francês está fragmentado em três tendências políticas dominantes: centro, extrema-direita e esquerda radical.

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A vitória de Emmanuel Macron é um alívio para quem temia o caos político em França e na Europa, caso a rival de extrema-direita Marine Le Pen tivesse conquistado o Eliseu. Mas nada nos deixa antever que o segundo mandato do presidente francês de 44 anos seja um percurso sem obstáculos.

O mapa político francês está fragmentado. Há três tendências políticas principais: centro, extrema-direita e esquerda radical. Macron continua a ser uma figura extremamente impopular para uma grande parte da população.

O primeiro mandato do presidente ficou marcado por uma série de desafios políticos: a revolta dos chamados coletes amarelos, os desacordos com a administração de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit, a pandemia de Covid-19 e finalmente a guerra da Ucrânia. E agora, quais são os próximos desafios?

1. Macron precisa de uma maioria no parlamento

Antes de mais, o presidente francês precisa de um novo governo maioritário. O país regressa às urnas em junho para eleger o parlamento. Em 2017, Macron obteve uma vitória esmagadora nas legislativas face ao desmoronamento dos partidos tradicionais mas desta vez o contexto é diferente.

O movimento de esquerda radical A França Insubmissa liderado por Jean-Luc Mélenchon foi o terceiro partido mais votado, na primeira volta, e ambiciona continuar a ocupar o terreno político.

Mélenchon já desafiou o presidente a nomeá-lo primeiro-ministro. Uma tentativa de criar uma dinâmica positiva para as legislativas e reforçar a presença da esquerda radical no parlamento. No sistema francês, o chefe de governo é nomeado pelo presidente, mas, a escolha deve ser aprovado pelo parlamento.

Mas o sistema eleitoral francês que prevê duas voltas nas eleições legislativas poderá favorecer o chefe de estado francês cujo eleitorado vai do centro-esquerda ao centro-direita.

Outro elemento a favor de Macron é a divisão da extrema direita. Um espaço político que Marine Le Pen partilha com o novo partido de Eric Zemmour.

"Penso que Macron vai sair-se muito bem, relativamente bem nas eleições de Junho. Não tão bem como da última vez que ganhou, porque nessa altura era um candidato novo, não precisava de justificar-se em relação ao trabalho anterior", afirmou à euronews Douglas Webber, professor da Escola de Gestão INSEAD.

"Para construir uma maioria no parlamento, ele terá provavelmente de ter o apoio de outros partidos políticos. Deverá ter o apoio de um número suficiente de deputados da direita e da esquerda tradicionais, incluindo dos deputados do Partido Socialista e dos Republicanos".

Michel Spingler/Copyright 2022 The Associated Press. All rights reserved
Jean-Luc Melenchon, líder do partido de esquerda radical "A França Insubmissa"Michel Spingler/Copyright 2022 The Associated Press. All rights reserved

2. Macron pode enfrentar reações negativas, apesar da vitória

Macron conquistou a presidência graças, em parte, aos votos "emprestados" para evitar a vitória de Le Pen, A mesma "frente republicana" que se uniu para rejeitar Jean-Marie le Pen, há 20 anos.

Os eleitores de esquerda que votaram em Macron para evitar Le Pen continuam a não aprovar as políticas do presidente.

Politicamente, não há um consenso alargado. Os resultados das eleições mostram que o eleitorado está dividido em três tendências: centro, extrema-direita e esquerda radical. “Em termos gerais, cada uma tem o apoio de cerca de um terço do público. A "esquerda" e o "nacionalista" têm pouco em comum para além da hostilidade para com o presidente. A oposição de dois terços dos eleitores não vai facilitar o governo. A França vai continuar a ser um país profundamente dividido. Macron tem o apoio de menos de um eleitor em cada três, o que representou cerca de 28% ou 27% na primeira volta", afirmou Webber.

O presidente já disse que pretende lançar a reforma do sistema de pensões a partir do Outono, com o objectivo de aumentar a idade legal da reforma para os 65 anos, embora durante a campanha tenha prometido ser flexível. Um tema sensível que poderá desencadear uma onda de protestos.

Webber afirma que Macron vai ter dificuldades em avançar ao nível da sua agenda política interna e fazer mudanças radicais.

"Mesmo que ele tenha uma maioria no parlamento para grandes projetos como a reforma do sistema de pensões, é provável que seja confrontado com uma oposição muito forte fora do parlamento sob a forma de movimentos de protesto. Poderemos assistir a um renascimento do movimento dos coletes amarelos se, em particular, o custo de vida continuar a aumentar ou acelerar".

3. A "planificação ecológica", com implicação direta do primeiro-ministro

Para cativar os eleitores de esquerda entre as duas voltas, Emmanuel Macron prometeu rever totalmente a política climática da França.

De acordo com o presidente francês, o próximo primeiro-ministro deverá ter uma responsabilidade direta ao nível do “planeamento ecológico”, apoiado por dois ministros para supervisionar a transição e implementação das decisões - uma ideia muito semelhante à proposta por Mélenchon.

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O programa de Macron inclui a aposta na energia nuclear (a construção de seis reactores de nova geração e estudos lançados para mais oito), grande investimento em energias renováveis com 50 parques eólicos no mar até 2050, o reforço do transporte de carga ferroviária e fluvial, o combate à poluição do ar, a plantação de árvores.

O presidente quer desenvolver um setor automóvel eléctrico exclusivamente francês com acesso facilitado à aquisição de um carro através de um programa de leasing.

Os defensores do ambiente questionam a sinceridade de Macron e descrevem-no como o "presidente da inacção climática" ou o "presidente dos pequenos passos" durante o seu primeiro mandato. Tanto Macron como Le Pen foram criticados por não terem abordado seriamente a questão ambiental durante o debate televisivo.

Francisco Seco/Copyright 2019 The Associated Press. All rights reserved
Os protestos dos "Coletes Amarelos" em 2019Francisco Seco/Copyright 2019 The Associated Press. All rights reserved

4. A ambiciosa reforma da União Europeia

Uma integração europeia mais profunda tem sido um tema chave para Emmanuel Macron desde a sua eleição em 2017. No seu programa, o presidente francês fala de "soberania nacional e europeia".

As ambições europeias de Macron incluem a autonomia "energética e estratégica", uma reforma do espaço Schengen para melhorar a proteção das fronteiras externas da UE e uma política comum de asilo. Macron quer também que os países europeus desenvolvam uma capacidade de defesa mais forte, um impulso concreto para impulsionar a indústria tecnológica europeia.

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Para relançar a economia, Macron propõe medidas com uma dimensão social e económica: um imposto sobre combustíveis a nível da UE, a aplicação das normas da UE aos acordos comerciais e uma diretiva sobre um salário mínimo e a igualdade de género.

Finalmente, para os jovens, Macron defende um programa de serviço cívico europeu de seis meses que ofereça intercâmbios académicos ou profissionais, ou trabalho de voluntariado.

Alexei Nikolsky/AP
A visita de Vladimir Putin ao Eliseu em 2017Alexei Nikolsky/AP

5. A guerra na Ucrânia

Emmanuel Macron apoiou as sanções da UE contra a Rússia por causa da guerra da Ucrânia. O presidente descreveu as atrocidades russas em Bucha como "crimes de guerra" e apelou a que os responsáveis pelos crimes sejam julgados, a nível internacional. 

No entanto, defendeu sempre um diálogo “firme” com Moscovo.

Em 2017, três semanas após a vitória eleitoral de Macron, Vladimir Putin tinha sido recebido em Versalhes com pompa e circunstância, apesar das tensões em torno das guerras na Síria e na Ucrânia. O presidente russo visitou a residência de Verão do presidente francês no sul de França, antes de uma cimeira do G7.

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Nem essas reuniões, nem os múltiplos telefonemas conseguiram aliviar as tensões com a Rússia nem impedir a invasão. Na sexta-feira, o presidente francês afirmou à rádio francesa que "não exclui" falar novamente com Putin, mas reconheceu que o objectivo da conversa pode ser relativamente modesto, tal como a obtenção de acesso humanitário para Mariupol.

Para Macron, é preciso evitar uma rutura permanente nas relações com a Rússia. Em caso de um cessar-fogo, "a Europa deve estar à mesa das negociações. Temos de estar muito atentos. É precso evitar uma situação em que, por termos decidido deixar de falar com o Presidente Putin, os negociadores serão os presidentes turco ou chinês, ou outros", disse Macron à rádio pública France Inter.

Macron afirmou que a França e a Europa devem evitar o envolvimento militar direto na Ucrânia, algo que seria visto como uma escalada do conflito ou mesmo como o início de uma "nova guerra mundial". E acrecentou: o envio de tanques ou aviões seria "co-beligerância".

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