PRR da Polónia: termos, condições e omissões

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, visitou Varsóvia por ocasião da aprovação do plano de recuperação da Polónia. -
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, visitou Varsóvia por ocasião da aprovação do plano de recuperação da Polónia. - Direitos de autor European Union, 2022.
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De  Jorge LiboreiroEuronews
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Polónia compromete-se a implementar reformas para garantir a indepêndencia do poder judicial.

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A Polónia irá receber as primeiras tranches de financiamento do mecanismo de Recuperação e Resiliência da União Europeia (UE), apesar de o regime disciplinar dos magistrados polacos contrariar, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Estado de Direito. 

O Conselho disciplinar do Supremo Tribunal nacional é um órgão controverso, utilizado pelo governo para controlar o poder judicial.

A Polónia solicitou um total de 35,4 mil milhões de euros – 23,9 mil milhões em subsídios e 11,5 mil milhões em empréstimos com juros bonificados – do fundo europeu para a recuperação dos efeitos económicos causados pela crise pandémica.

A proposta apresentada esteve bloqueada por mais de um ano devido a preocupações relativamente à independência do poder judicial no país. Mas após meses de negociações entre Bruxelas e Varsóvia, a Comissão Europeia aprovou na quarta-feira o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) da Polónia, apesar de cinco comissários da UE, incluíndo Frans Timmermans e Margrethe Vestager, votarem contra ou terem expressado reservas.

De acordo com o mecanismo de condicionalidade do Estado de Direito para o acesso aos fundos, a Polónia compromete-se a implementar duas reformas principais:

• Reforma do regime disciplinar de membros da magistratura e substituição do conselho disciplinar do Supremo Tribunal por um novo órgão.

• Revisão dos processos disciplinares contra juízes por um tribunal independente e imparcial.

Em relação à primeira reforma, o governo polaco já apresentou planos para a criação de um novo orgão, o "Conselho de Responsabilidade Profissional," com competências tutelares sobre os magistrados, e não punitivas.

Segundo a maior associação de juízes da Polónia, Iustitia, o novo orgão "não impedirá o controlo do poder judicial por parte do poder executivo e não garante a independência judicial."

Relativamente à re-avaliação dos processos disciplinares, o atual Conselho disciplinar do Supremo Tribunal tem o poder de impor sanções, cortes salariais, suspensões e até o levantamento do estatuto de imunidade dos juízes. Em 2021, foram abertos mais de 200 processos, 122 dos quais envolveram juízes, e 25 juízes perderam a imunidade. As acusações de que são alvo são variadas, desde "crimes comunistas" à condução sob os efeitos de álcool e à corrupção.

A Comissão Europeia tinha insistido que a reabilitação de juízes ilegalmente afastados era uma condição sine qua non para a aprovação do plano de recuperação mas na versão final acordada o plano exige somente a reabertura dos processos.

"O processo de revisão pode ter início a pedido de um dos juízes afetados. A primeira audiência poderá ocorrer até três meses após o pedido e o processo pode ser concluído em 12 meses", explicou um funcionário da UE sob condição de anonimato. "Alguns juízes podem ser reabilitados, outros não", disse outro funcionário.

No ano passado, o conselho disciplinar foi considerado ilegal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, por causar "danos sérios e irreversíveis à ordem jurídica da UE". O tribunal ordenou a suspensão temporária do órgão e a reversão da maioria das suas decisões.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ordenou também a imposição de medidas provisórias no caso dos juízes polacos que foram acusados de abuso de poder por aplicarem jurisprudência comunitária.

Os termos do financiamento

A Polónia deverá receber uma primeira tranche de financiamento, no valor de cerca de 4 mil milhões de euros, até ao fim do ano. A segunda tranche, de valor semelhante, está prevista para o primeiro trimestre de 2023 e a terceira para o segundo semestre de 2023.

Em declarações durante a sua visita a Varsóvia, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que o acesso aos fundos "só será possível quando a nova lei estiver em vigor e preencher todos os requisitos estipulados." "Para além disso", acrescentou, "a Polónia deverá assegurar, até ao fim de 2023, que todos os juízes ilegalmente afastados regressam às suas funções. Ainda há muito caminho pela frente para o funcionamento efectivo do Estado de Direito na Polónia."

O primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, prometeu que não permitirá "um sistema judicial controlado pela anarquia" e declarou que pretende fazer modificações até 2025 para "salvaguardar o sistema de influências comunistas."

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A cláusula de garantia

O plano de recuperação incluiu uma cláusula de garantia segundo a qual o pagamento dos fundos será interrompido se o governo polaco anular as reformas acordadas entre Bruxelas e Varsóvia.

Mas para o eurodeputado espanhol e presidente da Comissão de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu, Juan Fernando López Aguilar, tal não é suficiente. "A Polónia não devia ter acesso aos fundos da UE até cumprir na íntegra as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia", disse López Aguilar à Euronews.

A reabilitação efetiva dos juízes era uma das condições referidas no passado e, para López Aguilar "o caso de afastamento devido à aplicação do Direito Comunitário é inaceitável." "Estas irregularidades não foram corrigidas pelo governo polaco," acrescentou.

Até 2026, o pacote financeiro de 35,4 mil milhões de euros irá financiar 49 reformas e 52 projetos de investimento, 42% dos quais dedicados à transição ecológica.

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O acordo entre Bruxelas e Varsória não aborda a decisão de 2021 do Tribunal Constitucional polaco que pôs em causa a primazia da lei da UE e levantou a possibilidade de a Polónia sair da UE, o chamado "Polexit."

Para Bruxelas, o compromisso assumido com Varsóvia é suficientemente forte para proteger os interesses financeiros da UE, e as violações do Estado de Direito devem ser resolvidas através da ativação de procedimentos legais contra Estados-membros. Segundo a UE, o acordo é um passo em frente em relação à proposta inicial da Polónia apresentada em maio de 2021, a qual não incluía qualquer reforma do poder judicial.

O funcionamento do Conselho disciplinar do Supremo Tribunal polaco está na origem de vários procedimentos legais contra o país. Em outubro passado o Tribunal de Justiça da União Europeia condenou a Polónia a pagar uma multa de um milhão de euros por dia por desrespeito contínuo do Estado de Direito.

Com a aprovação do plano de recuperação da Polónia, resta aprovar o plano da Hungria, que está bloqueado devido também a violações do Estado de Direito, e o da Holanda, que ainda não apresentou a sua proposta.

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