Quando é que a UE vai acabar com as alterações sazonais de horário?

Mudança de hora afeta a saúde, dizem os especialistas
Mudança de hora afeta a saúde, dizem os especialistas Direitos de autor AP Photo/Elise Amendola
De  Alice TideyIsabel Marques da Silva
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Vários estudos demonstraram que o seu impacto no consumo de energia é insignificante. No entanto, são cada vez mais evidentes os efeitos adversos na saúde.

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Este artigo foi escrito e publicado antes da mudança da hora a 30 de outubro de 2022

Apesar de existir, há muitos anos, uma proposta para acabar com as alterações sazonais do horário (adiantar ou atrasar uma hora), em toda a União Europeia (UE), os europeus terão de voltar a acertar os seus relógios no domingo, uma prática que, dificilmente, mudará em breve.

A Comissão Europeia revelou a sua proposta para abolir esta alteração, em setembro de 2018, na sequência de uma consulta pública. A esmagadora maioria dos 4,6 milhões de cidadãos europeus entrevistados defenderam o fim desta prática. A proposta foi aprovada pelos eurodeputados, na primeira metade de 2019.

Desde então, nada.

"Há uma espécie de "largura de banda" na ação política. O sistema político não pode lidar com todas as questões, ao mesmo tempo. Neste momento, o sistema europeu tem de lidar com muita coisa", disse Jakop Dalunde, um eurodeputado sueco dos verdes e relator-sombra sobre a proposta para acabar com as mudanças da hora no verão e no inverno.

Os líderes da UE estão, atualmente, a lidar com a invasão russa da Ucrânia, que fez disparar os preços da energia e dos alimentos para máximos históricos, atingindo duramente os consumidores e as empresas europeias e ameaçando empurrar a economia para a recessão.

A economia ainda está a recuperar, também, dos efeitos da pandemia de Covid-19, que causaram a morte de mais de um milhão de pessoas na UE. O tempo para discutir o fim das alterações no relógio tem sido, portanto, escasso.

O tempo voa

A hora de Verão (DST), na qual os relógios são adiantados uma hora no início da primavera, e atrasados uma hora no outono, foi introduzida, pela primeira vez, na Europa, em 1916. Ainda em plena Primeira Guerra Mundial, a Alemanha tentava reduzir o consumo de carvão para que pudesse ser utilizado nas fábricas de armas.

A maioria dos países vizinhos, bem como o Reino Unido, os EUA e a Austrália, seguiram esse exemplo.

A prática foi abandonada na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, mas foi reativada na década de 1970, devido ao choque petrolífero. O objetivo era reduzir a necessidade de luz artificial para as várias atividades e, consequentemente, a utilização de energia.

Desde então, vários estudos demonstraram que o impacto da medida no consumo de energia é insignificante graças, em parte, aos avanços da tecnologia. No entanto, são cada vez mais evidentes os efeitos adversos que a DST tem sobre a saúde.

Alguns exemplos são o aumento dos ataques cardíacos, das doenças digestivas e imunológicas na semana que se segue à mudança da hora. Também tende a ser registado um aumento nos acidentes de viação.

Os efeitos a longo prazo sobre a saúde incluem depressão, metabolismo retardado, aumento de peso e dores de cabeça.

Isto acontece porque o "relógio social" (sob o qual a sociedade opera) e o "relógio biológico" (interno do ser humano, mais ou menos alinhado com o  do sol), ficam dessincronizados.

Três horários na Europa

Mas acabar com a prática não é fácil e requer decisões de alto nível porque  o tema se tornou muito político. A Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo (estes três países juntos são conhecidos como Benelux), a França e a  Espanha são exemplos de países onde o tema é muito  polémico.

Existem, atualmente, três fusos horários na Europa, sendo que a grande maioria dos países utiliza o Horário da Europa Central como padrão. Outros dez países utilizam o Horário da Europa de Leste e três utilizam o Horário da Europa Ocidental.

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Logicamente, a hora deve ser definida com base em meridianos. O Reino Unido e Marrocos, por exemplo, estão alinhados geograficamente com outros países europeus nos mesmos meridianos, incluindo França, Alemanha e Benelux, que usam um horário com mais uma hora. Portugal usa o mesmo horário que o Reino Unido.

A decisão remonta à Segunda Guerra Mundial, já que os Países Baixos, a Bélgica e a França ficaram na hora alemã durante a invasão nazi. Voltar atrás após a derrota da Alemanha foi considerado demasiado perturbador.

O ditador espanhol Francisco Franco, entretanto, alinhou o seu país com o tempo alemão, na sequência de um encontro com Adolf Hitler.

Hora de mudança?

Agora a questão está de novo em cima da mesa e os países da UE deveriam resolvê-la, de acordo com a Comissão Europeia.

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"Cabe aos Estados-membros determinarem o tempo legal que desejam aplicar, uma vez que os efeitos desta escolha dependem, provavelmente, da situação geográfica do país", disse um funcionário da Comissão à euronews.

"Por conseguinte, cada Estado-membro está melhor colocado para fazer esta avaliação, tendo em conta os cenários possíveis para a escolha do horário permanente, os seus efeitos, os resultados dos diálogos nacionais e as consultas com outros Estados-membros", acrescentou.

No entanto, os eurodeputados pretendiam que a Comissão fizesse essa análise e uma proposta única, disse à euronews o eurodeputado Jakop Dalunde, porque iria acelerar as negociações entre os Estados-membros.

A opção é entre ficar sempre na chamada hora de inverno (que é a científica) ou na hora de verão, que foi criada politicamente.

A coordenação é essencial para assegurar que os países que partilham meridianos escolham o mesmo horário padrão. Isso evitaria "uma manta de retalhos de fusos horários, que poderia perturbar o mercado e o comércio entre Estados-membros", disse Ariadna Guell, coordenadora da Iniciativa de Uso do Tempo de Barcelona para uma Sociedade Saudável, em declarações à euronews.

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Voltando aos relógios

Esta iniciativa propõe quatro fusos horários, na sua maioria baseados na hora de inverno.

"Estes quatro fusos horários são os que melhor se alinham com o nosso relógio, com aquilo a que chamamos a hora natural, portanto, a hora geograficamente correta", explicou Guell.

"Estes garantem que cada país tem o sol na sua posição mais alta ao meio-dia. É isso que dita a cronobiologia, ou seja, a ciência que estuda como o nosso ritmo interno afeta a  saúde. Isto é o que dizem ser o melhor para a nossa saúde coletiva", acrescentou.

O Reino Unido, a França, a Espanha e os países do Benelux estariam sob o mesmo fuso horário da Europa Ocidental, tendo de atrasar uma hora ao padrão atual. Assim,  manteriam a diferença de hora com um novo Fuso Horário dos Açores (oeste) e o Fuso Horário da Europa Central (leste).

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A Espanha e Portugal estariam em fusos horários diferentes. Portugal ficaria alinhado com a Islândia no Fuso Horário dos Açores, que Guell não considera problemática.

Mais problemático, porém, seria o facto da ilha da Irlanda (constituída, politicamente, pela República da Irlanda e a província britânica da Irlanda do Norte) ficar dividida em dois fusos horários diferentes.

"Penso que, provavelmente, a Irlanda terá de tomar uma decisão política e decidir permanecer na mesma zona que o Reino Unido, para preservar a unidade da ilha", admitiu Guell.

Só o tempo dirá

Então, quando é que vamos pôr fim à mudança nos relógios?

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Para que as discussões sejam retomadas, o tema deve ser colocado na agenda pelo país que detém a presidência rotativa do Conselho Europeu. A última vez que o tema foi discutido foi durante a presidência finlandesa, na segunda metade de 2019.

"O nosso melhor cenário seria que a próxima presidência do Conselho colocasse isto na ordem do dia", disse Guell.

Se for esse o caso, então a DST poderia ser abolida em 2025, uma vez que um período de um a dois anos após um acordo seria, provavelmente, necessário para assegurar que os serviços de transporte, incluindo comboios e aviões, pudessem adaptar os seus horários.

Mas a Suécia assumirá a presidência semestral a 1 de janeiro e, segundo Dalunde, as hipóteses de tratar deste dossiê são escassas.

"A Suécia é um dos países que, em certa medida, poderá beneficiar mais, uma vez que é o país onde se verifica a maior mudança entre horário de inverno e de verão, devido à sua localização no globo. Mas não tenho a certeza de que a Suécia vá impulsionar esta questão", disse.

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