Vários estudos demonstraram que o seu impacto no consumo de energia é insignificante. No entanto, são cada vez mais evidentes os efeitos adversos na saúde.
Este artigo foi escrito e publicado antes da mudança da hora a 30 de outubro de 2022
Apesar de existir, há muitos anos, uma proposta para acabar com as alterações sazonais do horário (adiantar ou atrasar uma hora), em toda a União Europeia (UE), os europeus terão de voltar a acertar os seus relógios no domingo, uma prática que, dificilmente, mudará em breve.
A Comissão Europeia revelou a sua proposta para abolir esta alteração, em setembro de 2018, na sequência de uma consulta pública. A esmagadora maioria dos 4,6 milhões de cidadãos europeus entrevistados defenderam o fim desta prática. A proposta foi aprovada pelos eurodeputados, na primeira metade de 2019.
Desde então, nada.
"Há uma espécie de "largura de banda" na ação política. O sistema político não pode lidar com todas as questões, ao mesmo tempo. Neste momento, o sistema europeu tem de lidar com muita coisa", disse Jakop Dalunde, um eurodeputado sueco dos verdes e relator-sombra sobre a proposta para acabar com as mudanças da hora no verão e no inverno.
Os líderes da UE estão, atualmente, a lidar com a invasão russa da Ucrânia, que fez disparar os preços da energia e dos alimentos para máximos históricos, atingindo duramente os consumidores e as empresas europeias e ameaçando empurrar a economia para a recessão.
A economia ainda está a recuperar, também, dos efeitos da pandemia de Covid-19, que causaram a morte de mais de um milhão de pessoas na UE. O tempo para discutir o fim das alterações no relógio tem sido, portanto, escasso.
O tempo voa
A hora de Verão (DST), na qual os relógios são adiantados uma hora no início da primavera, e atrasados uma hora no outono, foi introduzida, pela primeira vez, na Europa, em 1916. Ainda em plena Primeira Guerra Mundial, a Alemanha tentava reduzir o consumo de carvão para que pudesse ser utilizado nas fábricas de armas.
A maioria dos países vizinhos, bem como o Reino Unido, os EUA e a Austrália, seguiram esse exemplo.
A prática foi abandonada na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, mas foi reativada na década de 1970, devido ao choque petrolífero. O objetivo era reduzir a necessidade de luz artificial para as várias atividades e, consequentemente, a utilização de energia.
Desde então, vários estudos demonstraram que o impacto da medida no consumo de energia é insignificante graças, em parte, aos avanços da tecnologia. No entanto, são cada vez mais evidentes os efeitos adversos que a DST tem sobre a saúde.
Alguns exemplos são o aumento dos ataques cardíacos, das doenças digestivas e imunológicas na semana que se segue à mudança da hora. Também tende a ser registado um aumento nos acidentes de viação.
Os efeitos a longo prazo sobre a saúde incluem depressão, metabolismo retardado, aumento de peso e dores de cabeça.
Isto acontece porque o "relógio social" (sob o qual a sociedade opera) e o "relógio biológico" (interno do ser humano, mais ou menos alinhado com o do sol), ficam dessincronizados.
Três horários na Europa
Mas acabar com a prática não é fácil e requer decisões de alto nível porque o tema se tornou muito político. A Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo (estes três países juntos são conhecidos como Benelux), a França e a Espanha são exemplos de países onde o tema é muito polémico.
Existem, atualmente, três fusos horários na Europa, sendo que a grande maioria dos países utiliza o Horário da Europa Central como padrão. Outros dez países utilizam o Horário da Europa de Leste e três utilizam o Horário da Europa Ocidental.
Logicamente, a hora deve ser definida com base em meridianos. O Reino Unido e Marrocos, por exemplo, estão alinhados geograficamente com outros países europeus nos mesmos meridianos, incluindo França, Alemanha e Benelux, que usam um horário com mais uma hora. Portugal usa o mesmo horário que o Reino Unido.
A decisão remonta à Segunda Guerra Mundial, já que os Países Baixos, a Bélgica e a França ficaram na hora alemã durante a invasão nazi. Voltar atrás após a derrota da Alemanha foi considerado demasiado perturbador.
O ditador espanhol Francisco Franco, entretanto, alinhou o seu país com o tempo alemão, na sequência de um encontro com Adolf Hitler.
Hora de mudança?
Agora a questão está de novo em cima da mesa e os países da UE deveriam resolvê-la, de acordo com a Comissão Europeia.
"Cabe aos Estados-membros determinarem o tempo legal que desejam aplicar, uma vez que os efeitos desta escolha dependem, provavelmente, da situação geográfica do país", disse um funcionário da Comissão à euronews.
"Por conseguinte, cada Estado-membro está melhor colocado para fazer esta avaliação, tendo em conta os cenários possíveis para a escolha do horário permanente, os seus efeitos, os resultados dos diálogos nacionais e as consultas com outros Estados-membros", acrescentou.
No entanto, os eurodeputados pretendiam que a Comissão fizesse essa análise e uma proposta única, disse à euronews o eurodeputado Jakop Dalunde, porque iria acelerar as negociações entre os Estados-membros.
A opção é entre ficar sempre na chamada hora de inverno (que é a científica) ou na hora de verão, que foi criada politicamente.
A coordenação é essencial para assegurar que os países que partilham meridianos escolham o mesmo horário padrão. Isso evitaria "uma manta de retalhos de fusos horários, que poderia perturbar o mercado e o comércio entre Estados-membros", disse Ariadna Guell, coordenadora da Iniciativa de Uso do Tempo de Barcelona para uma Sociedade Saudável, em declarações à euronews.
Voltando aos relógios
Esta iniciativa propõe quatro fusos horários, na sua maioria baseados na hora de inverno.
"Estes quatro fusos horários são os que melhor se alinham com o nosso relógio, com aquilo a que chamamos a hora natural, portanto, a hora geograficamente correta", explicou Guell.
"Estes garantem que cada país tem o sol na sua posição mais alta ao meio-dia. É isso que dita a cronobiologia, ou seja, a ciência que estuda como o nosso ritmo interno afeta a saúde. Isto é o que dizem ser o melhor para a nossa saúde coletiva", acrescentou.
O Reino Unido, a França, a Espanha e os países do Benelux estariam sob o mesmo fuso horário da Europa Ocidental, tendo de atrasar uma hora ao padrão atual. Assim, manteriam a diferença de hora com um novo Fuso Horário dos Açores (oeste) e o Fuso Horário da Europa Central (leste).
A Espanha e Portugal estariam em fusos horários diferentes. Portugal ficaria alinhado com a Islândia no Fuso Horário dos Açores, que Guell não considera problemática.
Mais problemático, porém, seria o facto da ilha da Irlanda (constituída, politicamente, pela República da Irlanda e a província britânica da Irlanda do Norte) ficar dividida em dois fusos horários diferentes.
"Penso que, provavelmente, a Irlanda terá de tomar uma decisão política e decidir permanecer na mesma zona que o Reino Unido, para preservar a unidade da ilha", admitiu Guell.
Só o tempo dirá
Então, quando é que vamos pôr fim à mudança nos relógios?
Para que as discussões sejam retomadas, o tema deve ser colocado na agenda pelo país que detém a presidência rotativa do Conselho Europeu. A última vez que o tema foi discutido foi durante a presidência finlandesa, na segunda metade de 2019.
"O nosso melhor cenário seria que a próxima presidência do Conselho colocasse isto na ordem do dia", disse Guell.
Se for esse o caso, então a DST poderia ser abolida em 2025, uma vez que um período de um a dois anos após um acordo seria, provavelmente, necessário para assegurar que os serviços de transporte, incluindo comboios e aviões, pudessem adaptar os seus horários.
Mas a Suécia assumirá a presidência semestral a 1 de janeiro e, segundo Dalunde, as hipóteses de tratar deste dossiê são escassas.
"A Suécia é um dos países que, em certa medida, poderá beneficiar mais, uma vez que é o país onde se verifica a maior mudança entre horário de inverno e de verão, devido à sua localização no globo. Mas não tenho a certeza de que a Suécia vá impulsionar esta questão", disse.