Ceticismo sobre resultado do debate sobre migração na cimeira da UE

A Comissão Europeia propôs o Pacto, em 2020, para que haja um documento estratégico que reúne todos os aspetos da política de migração
A Comissão Europeia propôs o Pacto, em 2020, para que haja um documento estratégico que reúne todos os aspetos da política de migração Direitos de autor Salvatore Cavalli/Copyright 2022 The AP. All rights reserved
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De  Jorge LiboreiroIsabel Marques da Silva
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"A migração é um desafio europeu que deve ser enfrentado com uma resposta europeia", escreveu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa carta aos líderes antes desta cimeira.

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A migração estará de volta ao topo da agenda política numa cimeira extraordinária da União Europeia (UE), que decorrerá esta semana, em Bruxelas depois de ter ficado na sombra devido à crise da pandemia, guerra na Ucrânia e inflação. 

O Pacto da UE para a Migração e Asilo necessita de muita legislação detalhada para ser implementado, mas há grandes divergências entre os 27 países.

Um aumento de 64% de chegadas irregulares  (cerca de 330 mil pessoas) e de 46% nos pedidos de asilo (cerca de 924 mil), em 2022, despertaram um novo sentido de urgência política na UE.

A Áustria está a pedir fundos europeus para financiar uma nova vedação ao longo da fronteira entre a Bulgária e a Turquia. A Itália criou um código de conduta para os navios de salvamento no mar Mediterrâneo que quer ver adotado a nível europeu. A Dinamarca, país que prossegue uma política de "asilo zero", quer criar centros de acolhimento fora do bloco.

A Comissão Europeia propôs o Pacto, em 2020, para que haja um documento estratégico que reúne todos os aspetos da política de migração e possa substituir a abordagem ad-hoc existente, num espírito de partilha justa de responsabilidade e solidariedade.

"A migração é um desafio europeu que deve ser enfrentado com uma resposta europeia", escreveu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa carta aos líderes antes desta cimeira.

"Entre a espada e a parede"

Ao abrigo do chamado Regulamento de Dublin, adoptado em 2013, o pedido apresentado por um requerente de asilo torna-se da responsabilidade do primeiro Estado-membro de chegada.

Este sistema tem sido  criticado tanto pelos governos como pelas organizações da sociedade civil porque coloca um fardo desproporcionado sobre as nações da linha da frente, como as do Mediterrâneo (Itália, Grécia, Espanha) , que se vêem confrontadas com centenas de milhares de pedidos de asilo de pessoas que, muitas vezes, não querem permanecer nesse país e preferem viajar para norte (Suécia e Alemanha).

A política de migração está entre "a espada e a parede". Os fluxos migratórios continuam, mas os Estados-membros têm muita dificuldade em chegar a acordo sobre um conjunto de soluções eficazes e comuns.
Andrew Geddes
Diretor do Centro de Política Migratória do Instituto Universitário Europeu

É aqui que surge a grande questão: Como pode a UE, enquanto união política com fronteiras externas partilhadas, deslocalizar e redistribuir centenas de milhares de requerentes de forma justa e equilibrada?

Até agora, a resposta tem sido: simplesmente não consegue.

"A política de migração  está entre "a espada e a parede". Os fluxos migratórios continuam, mas os Estados-membros têm muita dificuldade em chegar a acordo sobre um conjunto de soluções eficazes e comuns", disse Andrew Geddes, diretor do Centro de Política Migratória do Instituto Universitário Europeu (EUI), à euronews.

"Alguns Estados-membros apenas recusam tudo e não participarão em esquemas que envolvem a deslocalização de migrantes em toda a UE", acrescentou Geddes.

O mecanismo de solidariedade que está em debate prevê que os países da UE escolham entre três opções para ajudar um Estado-membro cujo sistema de migração está sob pressão devido a uma vaga de recém-chegados:

  • aceitar requerentes de asilo 
  • pagar pelo regresso dos requerentes ao país de origem quando o preocesso é indeferido
  • financiar uma série de "medidas operacionais", tais como centros de acolhimento e meios de transporte

As ajudas seriam calculadas com base no PIB e na população do país. Não demorou muito tempo a perceber que o sistema apresenta condições difíceis de conciliar para alguns países.

Para aqueles que insistem em mais relocalização, tais como a Alemanha, França, Itália e Grécia, não é justo que outros países só paguem e não recebam pessoas. Para aqueles que se opõem à relocalização, tais como a Polónia, Hungria, Eslováquia e Áustria, o sistema introduz compromissos obrigatórios que os forçariam a contribuir financeiramente, quer queiram quer não.

As perspectivas de conflito condenaram o "Novo Pacto" a um limbo legislativo, com poucos ou nenhuns progressos desde a sua apresentação em setembro de 2020.

Interesses nacionais e agendas políticas a curto prazo

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"Durante demasiado tempo, o debate migratório foi privado de novas energias e oxigénio vital, pressionado por interesses nacionais e agendas políticas de curto prazo",  disse Alberto-Horst Neidhardt, chefe do programa de migração no Centro de Políticas Europeias (CPE), à euronews.

Um mecanismo de relocalização voluntária estabelecido por 21 países europeus resultou, até agora, em pouco mais de 200 requerentes de asilo enviados para outro país, quando o objetivo era que  oito mil fossem relocalizados até junho de 2023.

A perpétua falta de consenso sobre como lidar com a migração internamente "corre o risco de se traduzir numa atenção desproporcionada no regresso e readmissão", acrescentou Neidhardt.

Muitos dos países em causa estão longe de ser estáveis e não são 'seguros' em nenhum sentido da palavra.
Catherine Woollard
Diretora do Conselho Europeu sobre Refugiados e Exilados

Atualmente, há uma tendência de debate com enfoque acentuado na dimensão externa da migração, isto é, negociar com os países de origem de migrantes económicos sobre como evitar que estes partam ou como fazer a sua repatriação, com base em ajuda financeira. Neste caso são países africanos e do Médio Oriente.

Além disso, há cada vez mais pedidos de asilo de pessoas com origem no que se considera serem "países seguros", tais como Turquia, Bangladesh, Marrocos, Geórgia, Egipto e Peru, que alimentaram os apelos a um envolvimento internacional mais enérgico e persuasivo.

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"Muitos dos países em causa estão longe de ser estáveis e não são 'seguros' em nenhum sentido da palavra", disse Catherine Woollard, diretora do Conselho Europeu sobre Refugiados e Exilados (ECRE) numa declaração crítica, observando que o "alarmismo" em todo o bloco está a ser fabricado para fins políticos.

"A formulação de políticas em modo de pânico alimenta uma abordagem baseada em receios infundados e não em necessidades, interesses, considerações de recursos ou obrigações legais", acrescentou Catherine Woollard.

A política de retorno

As atenções centraram-se também na taxa de retorno dos requerentes de asilo inelegíveis para proteção internacional, que é apenas de 21%.

A carta de Von der Leyen reconhece esta realidade e fala de projetos contra o contrabando de pessoas, equipas de operações conjuntas e parcerias de talentos para acelerar os retornos e refrear as partidas.

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"A alavancagens de diferentes áreas políticas, incluindo vistos, comércio, investimento (...) e oportunidades de migração legal enviam sinais claros aos parceiros sobre os benefícios da cooperação com a UE e devem ser utilizadas na íntegra", escreveu a presidente da Comissão Europeia.

Mas os peritos alertam para a externalização da política de asilo, também conhecida como "off-shoring", ignorando as razões fundamentais que impulsionam os fluxos migratórios, tais como dificuldades económicas, discriminação e alterações climáticas, e que podem levar a violações dos direitos humanos e detenções ilegais fora da UE.

"O pedido de asilo é um sintoma e não a causa. A repressão da ação de barcos de salvamento e medidas contra os traficantes de pessoas podem ter alguns efeitos, nomeadamente haver mais pessoas a morrerem, mas não fará nada para combater algumas das causas subjacentes e muito mais profundas desta deslocação", disse Andrew Geddes.

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