Implicações da nova Lei dos Mercados Digitais

EU Commissioners Margrethe Vestager and Thierry Breton were responsible for the original draft of the legislation.
EU Commissioners Margrethe Vestager and Thierry Breton were responsible for the original draft of the legislation. Direitos de autor Alexis HAULOT/ European Union 2022 - Source : EP
Direitos de autor Alexis HAULOT/ European Union 2022 - Source : EP
De  Euronews, Reuters, AFP
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As implicações da nova Lei europeia dos Mercados Digitais que resultou de um acordo entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu

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As novas regras da UE relativas aos mercados digitais visam os cinco grandes gigantes tecnológicos, Google, Amazon, Apple, Meta e Microsoft e podem estabelecer uma nova referência global forçando mesmo os gigantes tecnológicos a serem mais inovadores, de acordo com a opinião de especialistas.

Na semana passada, a responsável europeia antitrust, Margrethe Vestager, ganhou o apoio dos membros da União Europeia e dos legisladores da UE para a sua proposta, a Lei dos Mercados Digitais (Digital Markets Act, DMA na sigla em inglês), para controlar os poderes dos gigantes tecnológicos utilizando legislação pela primeira vez em vez de longas investigações antitrust.

O secretário de estado francês para a Economia Digital, Cédric O., referiu-se à legislação acordada como "a regulamentação económica mais importante das últimas décadas".

A Lei dos Mercados Digitais estabelece uma lista de regras que visam as principais práticas comerciais de cada gigante tecnológico - e que podem ter implicações internacionais.

"A DMA está aqui para ficar e será rapidamente adotada em vários países. A flexibilidade que a Big Tech tinha será restringida, uma vez que o 'colete-de-forças' regulador ficará mais apertado a nível global", disse Ioannis Kokkoris, professor de direito da concorrência na Queen Mary University em Londres.

A regulamentação económica mais importante das últimas décadas
Cédric O.
Secretário de Estado para a Economia Digital, França

O que é que levou à criação da DMA?

Os regulamentos, que deverão entrar em vigor em Janeiro de 2023, marcam uma mudança de filosofia na luta contra os abusos das grandes plataformas.

A mudança proposta por Margrethe Vestager para a legislação deve-se à frustração causada por investigações antitrust lentas as quais oferecem soluções criticadas pelos rivais como inadequadas, sendo a Google frequentemente citada como exemplo, apesar de ter sido atingida com mais de 8 mil milhões de euros em multas.

Após anos de investigações em vão das infracções das multinacionais em processos judiciais intermináveis, Bruxelas quer agir a montante, impondo cerca de vinte regras a serem respeitadas sob pena de multas dissuasivas. O objectivo é agir rápida e eficazmente, antes que um comportamento abusivo venha comprometer a concorrência.

O texto visa apenas as maiores plataformas: as chamadas GAFAM, como são conhecidos os Cinco Grandes gigantes, assim como um punhado de outros grupos, como a empresa de reservas online Booking ou a rede social TikTok.

A lista ainda não foi definida de acordo com critérios já estabelecidos de volume de negócios, capitalização de mercado, e número de utilizadores.

O que é que a nova legislação contém?

A legislação estabelece a Comissão Europeia como entidade de supervisão de todas as aquisições destes gigantes, independentemente da dimensão do alvo, de forma a limitar a aquisição de empresas inovadoras em fase de arranque evitando assim aquisições destinadas exclusivamente à eliminação da concorrência.

Por exemplo, as grandes plataformas serão proibidas de promoverem os seus próprios serviços nos resultados dos motores de busca, como a Google foi acusada de fazer com o seu site de compras em linha Google Shopping.

A nova lei impedirá ainda estes gigantes de utilizarem os dados gerados no seu site por clientes empresariais para melhor competir com eles, tal como a Amazon foi acusada de fazer.

O texto, que era uma das principais prioridades da presidência francesa do Conselho da UE, também protegerá melhor os utilizadores, tornando obrigatório que estes dêem o seu consentimento ao cruzamento de dados de vários serviços em linha para efeitos de perfil publicitário.

O novo quadro regulamentar impedirá a imposição de software pré-instalado em computadores ou telefones, tais como motores de busca ou aplicações musicais, facilitando ainda a utilização de produtos alternativos.

O Parlamento Europeu garantiu ainda a adição da interoperabilidade dos serviços de mensagens, o que permitirá, por exemplo, que um utilizador da plataforma Signal comunique com um contacto através do WhatsApp (Meta).

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Estão previstas multas até 10% das vendas globais para infracções e até 20% para infractores reincidentes.

A UE está a estabelecer "obrigações imediatamente aplicáveis, prazos curtos e rigorosos (para correcção de quaisquer falhas) e sanções dissuasivas", adiantou o Comissário para o Mercado Interno Thierry Breton, que apresentou o plano em Dezembro de 2020 com a sua homóloga da concorrência, Margrethe Vestager.

Qual tem sido a reacção até agora?

Numa declaração, a Apple disse estar "preocupada" com "certas disposições [que] criarão vulnerabilidades desnecessárias de privacidade e segurança para os nossos utilizadores, enquanto outras proíbem-nos de cobrar pela propriedade intelectual em que investimos fortemente".

A nova legislação abre espaço à escolha livre de lojas de aplicações de software, incluindo a App Store da Apple, algo que há muito se encontra na mira da Comissão Europeia.

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"Embora apoiemos muitas das ambições da DMA sobre a escolha do consumidor e a interoperabilidade, continuamos preocupados com os riscos potenciais para a inovação e a variedade de escolhas disponíveis para os europeus", disse um porta-voz da Google, dizendo que estudaria o texto final e cooperaria com os reguladores na sua implementação.

Qual é o impacto potencial da DMA?

Embora a Big Tech tenha citado preocupações sobre o potencial impacto na inovação, as novas regras têm o potencial para estimular mais inovação ao contrário das preocupações veiculadas pelos gigantes da tecnologia, segundo Nicolas Petit, professor de direito da concorrência no Instituto Universitário Europeu de Florença.

Pode até impulsionar os modelos de negócio de algumas empresas, adianta o especialista.

"Penso que a DMA atribui indirectamente um prémio aos modelos de negócio baseados em subscrições ou na monetização a nível de dispositivos. No futuro, poderemos ver preços mais altos e integração vertical no hardware", disse Petit.

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Ainda assim, a aplicação da DMA exigirá uma equipa maior do que o pequeno grupo planeado pela Comissão Europeia, disse Thomas Vinje, um sócio do gabinete de advogados Clifford Chance em Bruxelas que aconselhou rivais em casos contra a Microsoft, Google e Apple.

"A Comissão sugeriu, ao propor a DMA, que esta seria aplicada por uma equipa de 80 pessoas. Isto não será suficiente para permitir uma aplicação efetiva", afirmou.

"Outra grande questão é quem na Comissão a aplicará. Apenas a DG COMP (funcionários da concorrência) tem os conhecimentos técnicos e a experiência para lidar com tais empresas e fazer cumprir efectivamente a DMA. Se outros na Comissão, como a DG Connect (funcionários digitais), quiserem fazer cumprir a DMA, será letra morta", adiantou Vinje.

A Comissão sugeriu, ao propor a DMA, que esta seria aplicada por uma equipa de 80 pessoas. Isto não será suficiente para permitir uma aplicação efetiva
Thomas Vijne
Gabinete de Advogados, Clifford Chance, Bruxelas

A DMA é apenas o primeiro passo para garantir que os gigantes tecnológicos joguem de forma justa, disse Alec Burnside, sócio do gabinete de advogados Dechert em Bruxelas.

"A DMA não é uma panaceia perfeitamente formada desde o início, e sem dúvida, as grandes empresas tentarão navegar à sua volta. Roma não foi construída num dia, nem o código da estrada era perfeito quando foi concebido pela primeira vez", disse ele.

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"As novas regras da estrada para a economia digital serão moldadas no período que se avizinha, e a DMA é um primeiro passo importante para que tal venha a acontecer".

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